sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (98)


A FAMÍLIA BATÉ DE TIBIRIÇÁ NA JORNADA INTERDISCIPLINAR UNESP BAURU 2016 – COMO OS RETRATAMOS NA ACADEMIA

Quem conhece tudo o que está no entorno da família Baté lá de Tibiriçá acaba se encantando. Ouvi isso tempos atrás e logo de cara, quando décadas atrás tomei conhecimento de tudo o que faziam, um encanto inicial e agora, transformado em algo mais, um texto acadêmico apresentado na Jornada Interdisciplinar da Unesp Bauru, no começo de dezembro. Escrito por Ana Beatriz Pereira de Andrade e por mim, após uma incursão com muitas idas e vindas, amizades consolidadas, encantos renovados, saiu esse “Ancestralidade e Resistência – Contos e encantos dos Baté em Tibiriçá”.

Mas qual o encanto despertado por eles?, poderiam me perguntar. Respondo publicando o RESUMO do trabalho: “No interior de São Paulo, mais exatamente no distrito de Tibiriçá, vinculado à cidade de Bauru, mora a família Baté. José Cosmo, sobrenome que desde o fim da escravatura vem dos padrinhos, é o patriarca conhecido como Seu Baté. O apelido surgiu em uma contenda de futebol quando o time de Taubaté era o ‘rival’. Desde o bisavô escravo, passando pelo avô e pelo pai, a família atravessou o rio São Francisco, oferecendo fumo e pinga pro ‘Caboclo das Águas’, passou por Cachoeira na Bahia, até chegar ao interior de São Paulo. Em um momento de fome, o pai confiou a São Benedito o sustento da esposa, filhas e filhos. No distrito, de aproximados 1 mil habitantes, para o qual se mudaram em 1973, fica a ‘casa grande’. Carnavalescos, fundaram o bloco de rua ‘Vai quem quer’, atualmente desfilando no sambódromo de Bauru como o ‘Estrela do Samba de Tibiriçá’. Não tem carnavalesco, denominado por eles estilista. Enredo, samba, abadás e fantasias, são resolvidos em grupo composto por famílias e amigos. Concordam, discordam e chegam ao acordo. Tudo dá certo com o trabalho do coletivo, onde cada um faz o que sabe fazer. Ao longo do ano, constam do calendário duas datas especiais: o dia de Santo Antônio, 13 de julho, e o agradecimento para São Benedito em 20 de novembro. Na festa de Santo Antônio, que chega a congregar 800 pessoas no ‘quintal dos Baté’, ergue-se o ‘mastro’ e canta-se o ‘terço’. Em novembro, o motivo é o da gratidão pelo alimento de cada dia não faltar como antes. Instituíram uma medalha, entregue sempre no dia 20, a fim de premiar os membros da família que obtinham conquista nos estudos. Com o tempo, são agraciados com a medalha, atualmente denominada ‘Zumbi dos Palmares’, todos os que participam da festa. São considerados igualmente guerreiros, assim como foram, desde os ancestrais, e são os ‘Baté’. O presente artigo se propõe a contar um pouco desta história de resistência negra no interior de um dos maiores estados brasileiros, cuja fonte é a memória oral. Por ora, preservada e transmitida, é daquelas que encantam.”.

E existe encantamento maior do que produzirem isto tudo e muito mais?, pergunto e respondo ao mesmo tempo. Claro que não, famílias assim são mais do que especiais, além de toda a história de resistência embutida no seu bojo. E o trabalho acadêmico tenta descrever algumas das descobertas feitas e aqui reveladas. Revelando um pouco da história de seu patriarca, seu Baté (recentemente falecido) e de dona Irene, a matriarca, algo é desvendado por Ecléa Bosi em seu texto 'Lembrança dos Velhos', um dos utilizados como referência: “A memória dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes da cultura que faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade em que se insere.”. Vivenciando um bocadinho dessas ricas vidas, além da paixão, o algo mais pode ser explicitado em outra referência, essa de Ronald Arendt: “nesta abordagem não é o pesquisador que estabelece os aspectos éticos envolvidos na investigação - quem ‘saberia’ são os atores envolvidos, eles seriam os ‘experts’, não o pesquisador”.

Sem entrar em detalhes de cada evento propiciado por eles ao longo de cada ano, a bela construção no entorno de cada festa, o intuito dessa divulgação é deixar claro que, as belas histórias, maravilhosas experiências de vida estão contidas nos lugares mais simples e com ela se consegue um aprendizado sem fim. Divulgar esse trabalho é uma forma de reconhecer nos Baté, não só fonte para um mais um trabalho, mas repassar isso para dentro do meio acadêmico, possibilitando que outros tenham a mesma ou outras percepções sobre o que fazem. E o fazem de uma forma tão natural, sem nenhum interesse em que isso percorra caminhos como esse feitos por mim e por Ana, mas simplesmente fazem porque assim agem, tudo tão natural, como eles mesmos. Daí o valor cresce desmedidamente.

O ENCANTAMENTO adquirido com um trabalho como esse propicia o reconhecimento da “identidade do grupo – regras e estratégias de preservação – estrutura dinâmica da cultura”, algo ensinado a nós por gente como Muniz Sodré. Mais que isso: “Dentre essas ações, figura a própria organização sociocultural da comunidade e, portanto, a manutenção da cultura do grupo ou a preservação da sua identidade étnica.”, buscado na teoria de Mohammed El Hajji e tão bem assimilado por nós. Escrever de pessoas como os Baté, além do profundo respeito por tudo o que fazem não é algo nada fácil, pois não se deve tentar levar nenhum tipo de conhecimento ou ensinar nada a eles e sim, ir lá buscar algo e isso ser acrescentado ao pouco que conhecemos. A cada retorno junto deles muitos novos conhecimentos adquiridos, dia após dia. Nisso eles são insuperáveis. Por isso tudo escrevemos deles.

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