domingo, 18 de dezembro de 2016

MEMÓRIA ORAL (205)


LÚDICO ESPAÇO TEATRAL ENFINCADO NO MEIO DA PERIFERIA – MANOEL E SEU ATUCAEC

Escrevo algo aqui e agora e de forma um tanto envergonhada, em plena contrição. Conheço o artista brincante MANOEL FERNANDES desde muito tempo. Faz teatro ao seu modo e jeito, sempre com algo mais do que imodesto: muito amor, pra dar e vender. É desses que, transforma sua casa num imenso palco e de lá irradia sua arte. Sabem lá o que vem a isso do sujeito ir transformando sua própria casa num lugar mágico e transformar aquilo que era um grande sonho em realidade? Pois bem, esse mágico cidadão fez isso. Para quem sobe pela Bernardino de Campos não é difícil chegar lá. Conte até a quadra 16 e vire à direita, ou melhor, não vire, pois mesmo a casa teatro ali estando, a rua é contramão. Siga mais uma, contorne o quarteirão e volte, pronto bem no meio da quadra, o lugar encantado. Anotem o endereço, rua Francisco Ministro Zani 1-41, vila Giunta.

Uma imensa casa amarela, dessas irradiando muita luz não só para o quarteirão, mas para uma vila inteira. Neste sábado, 17/12, o Espaço Cênico ATUCAEC, como é denominado o lugar está com as luzes todas acesas e o encanto já é perceptível dos holofotes instalados no alto da casa, todos improvisados com latas de tinta pintadas de amarelo. Na porta de entrada, ao espiar para dentro um muno colorido, desses onde cores se misturam e acabam por se completarem umas com as outras. Pago R$ 15 e adentro o local para assistir dois espetáculos num só, o “Brincante de Natal” e “Finada Namorada”. Uma vez lá dentro, impossível você ficar parado sem bater aquela baita curiosidade de conhecer cada cantinho, cada cômodo da casa. Ele transformou a sala e o quarto de sua mãe no salão, com cadeiras, uma diferente das outras, todas dispostas e com almofadas em cada. Na frente, uma cortina escura e algo do outro lado que só de pensar, a imaginação viaja junto da vontade de ir lá espiar. Atrás de tudo, um corredor e uma sala de espera, onde está ocorrendo a exposição de final de ano de outro artista, o desenhista Leandro Gonçalez, o criado do Guardião Bauruense.

Manoel circula de um lado a outro apresentando a casa aos que chegam para a sua apresentação de final de ano. Muito solicito, trajando a roupa em que apresentará o espetáculo, com tênis, uma meia colorida até as canelas, assim como o calção e camiseta. Tudo multicor, como a casa e o ambiente. Ele permite que fotos sejam tiradas, mas percebo, gostaria mais se tivesse tempo para ir explicando cada detalhe, pois o lugar é desses que cada coisinha ali fixada te uma história para ser desvendada. Não basta só olhar e não entender nada. Com a explicação dele, tudo toma outra forma. Enquanto ele corre de u lado a outro para atender a acolhida aos que chegam, quem me explica algo mais é uma senhora, muito parecida com aquelas personagens de contos de fada, com um vestido impecável e um penteado bem dentro do clima da casa. Trata-se de Iris Arcanjo Teixeira Carlos, 65, viúva, a mãe do artista e dona do lugar. Aos 65 anos, conta ter decidido algo em conjunto com o filho e tudo para que ele pudesse ter mais espaço para realizar suas aulas e praticar seu sonho teatral com mais tranquilidade.

“Meu quarto era aqui na frente, desse lado esquerdo”, começa seu relato. “Percebi que ele precisava de espaço e construí um quarto grande nos fundos da casa. Tenho um grande quintal, fiz algo onde cabe tudo o que é meu, até com um banheiro separado da casa e lá me instalei. Não me arrependo, aliás, estou mais feliz, pois se ele está feliz, eu também estou. E veja coo ele soube ocupar tudo?”, pergunta e me puxa pelo braço para conhecer outros cômodos. Nisso passa Manoel e me diz: “Fiz essa última reforma com o que recebi lá das apresentações de teatro que me fora patrocinadas”. Ele é um empreendedor nesse quesito de adequar tudo dentro de suas possibilidades. Pergunto a ela sobre ele e tenho um pequeno relato: “Completou 50 anos agora, dá suas aulas de Matemática, ganha seu salário e muito do que ganha investe aqui. Tenho outro filho, fez Ciências Contábeis, é comerciante e curte tudo à distância. Faço tudo por eles e se posso ajudar o Manoel a fazer o que gosta, eu faço”.

Tudo por ali é muito lúdico, feito com uma concentração de carinho, que me vejo na impossibilidade de fazer qualquer tipo de crítica. Vim para assistir ao espetáculo e me maravilho com o que vou encontrando pela frente. Tudo muito organizado, guardado em caixas e no fundo de uma das salas uma imensa coleção ode LPs. “Isso é uma coleção de uma vida inteira. Tenho mais de cinco mil discos e CDs, de todos os gêneros, tudo catalogado. Sei onde está e se me perguntar de algo, localizo para você”, me conta Manoel. Usa tudo isso para suas trilhas sonoras ou mesmo para ouvir durante o dia, embalar sua imaginação produtiva. Fico a observá-lo e tento entender disso de manter algo tão sui generis em sua residência. Nada pergunto a ele sobre isso e tento responder eu mesmo o que e indago. Manoel é um sujeito muito puro, singelo, desses que um dia resolveu abrir mão de tantas outras coisas e se fixou na realização desse seu mundo mágico e dentro dos seus limites pessoais. Com tantas dificuldades aqui e ali de locais de apresentação e ensaios, começou algo em casa e foi ampliando. Deu no que deu.

O espetáculo vai começar e é algo do gênero “eu sozinho”, ode canta, dança, pula, interpreta, acende e apaga luzes, vende ingressos e tudo o mais. Um abnegado e pelo que se percebe, contente com o que faz e como faz. Isso lhe basta para ser feliz. A felicidade está estampada em seu rosto e isso é tudo. Tem tudo ali sob seu absoluto controle, as luzes se apagam e acendem num simples toque de dedos em locais nas muitas paredes coloridas por onde circula enquanto toca violão, canta e manipula objetos, como bonecas, brinquedos, pequenas caixas e vários outros instrumentos utilizados para enriquecer o espetáculo. Nas fotos tiradas u pouco desse encanto e magia.
Dona Íris, uma antiga professora, curso de Filosofia e Teologia, 65 anos faz questão de ao final, acompanhar cada um dos presentes, ajuda Manoel a desvendar o que está por detrás de cada objeto utilizado. Na verdade ela não participa do espetáculo, mas faz parte dele e só de ali estar, enriquece o brilhantismo do que todos presenciaram.


Não tem como não se emocionar com a pureza do vislumbrado ali naquela noite e na riqueza dos detalhes de um lugar desses inimagináveis no interior de uma cidade do interior paulista. Manoel é um ser diferente de tudo o mais, não está nem aí para o que os outros possam achar pelo fato de ter um teatro ali dentro de sua casa, em plena periferia bauruense, ambiente cheio de luzes, espaço multicor, onde se você olhar para o ceú, vai certamente se deparar com uma estrela dessas que circundam lugares como este. Ou seja, lá de cima, como uma estrela guia, alguém confirma ser ali um lugar especial, como de fato o é. E diante disso tudo, após insistentes e contínuos pedidos do Manoel nas muitas vezes em que nos encontrávamos pela cidade, sempre com solicitação para que fosse conhecer o teatro em sua residência, hoje, após lá ter estado, me resta questionar a mim mesmo: “Por que não o fui antes?”. Bem, fui, gostei, me encantei e espero que com as fotos, outros possam sentir o que senti lá na cantata de Natal lá assistida, a única em que irei por esses tempos.

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