sábado, 4 de março de 2017

BEIRA DE ESTRADA (75)


HISTÓRIAS DE QUEM ESTÁ ENFURNADO NA DIÁRIA E DURA LIDA

HISTÓRIA 1:

RODRIGO ATUA NUMA ÁREA POUCO AFEITA A HOMENS, A DAS FAXINAS EM RESIDÊNCIAS
Escrever esses perfis é algo a me encher de prazer e contentamento. Durante um bom tempo os toquei de forma diária e ao tentar cumprir como uma espécie de “missão”, quase cheguei aos mil. Chego lá em breve, tive que arrefecer o ânimo e ímpeto. Continuo na lida, porém de forma mais branda. Outras obrigações me tomam tempo, mas os personagens vão se sucedendo e muitos estão aqui, com recortes, pedaços de papel ao lado do computador, com anotações sendo depois transformados em textos. Esse um deles. O conheci tempos atrás e sua história me chamou a atenção. Muito se fala de mulheres que “invadem” (sic) o território antes só ocupado por homens. O inverso também acontece e aqui retrato algo nesse sentido. Um belo personagem, uma bela história.

RODRIGO JORGE GONÇALVES, 31 anos, mora lá nos altos do bairro São João Ipiranga, quase ao lado da FIB e há mais ou menos uns seis anos iniciou uma nova faceta em sua vida, a de atuar como auxiliar de faxina e serviços gerais. Trabalhou em firmas, mas de uns tempos para cá sua especialidade é outra, a de fazer faxinas em residências. Pegou gosto, ganhou tarimba e ela se transformou o carro chefe de sua atual fase de vida. Diz não sofrer nenhum tipo de preconceito e que, nenhuma de suas clientes, a maioria mulheres, não tem reclamado de seus serviços, aliás, o chama de volta. Até alguns meses atrás possuía muito mais clientes que hoje (a crise causada pelo golpe foi cruel com todas e todos), mas mesmo assim, está conseguindo fazer umas três faxinas por semana, quando antes tinha sua agenda toda tomada. “Tem mulher que prefere um homem fazendo a faxina em sua casa, principalmente para os serviços mais pesados, como remoção de móveis pesados, sofás, camas, guarda roupas maciços, estantes e baús. Não recuso nada, vou lá e faço, daí gostam e me chamam de volta”, explica. Tem boas lembranças dos tempos quando atuou como auxiliar de limpeza noturna na rede de supermercados Confiança, mas não reclama de sua atual situação, pois foi onde está conseguindo se safar de ficar parado. Rodrigo é de pouca conversa, quieto, mas ciente de seu papel, esclarecido e. Conseguiu driblar a tal da crise com trabalho e dedicação, estando aí para o que der e vier.

HISTÓRIA 2:
DALVAN NÃO TEVE ESCOLHA, TROCOU A CANTORIA PELO ASSENTAMENTO DE PISOS
Outro dia numa conversa o assunto era sobre isso de quem você coloca dentro de sua casa, principalmente para serviços domésticos, pequenos reparos, etc. Uma neura paira no ar e diante disso uma desconfiança generalizada. Entrando nessa, me fecho definitivamente em copas e tento eu mesmo resolver tudo lá pelos lados de minha modesta residência. Como isso é impossível e ainda acredito nas pessoas, sempre que necessito de algo pelo qual não domino a técnica, primeiro conto com ajuda dos mais próximos. Indicações nessas horas sempre são bem vindas. Aqui conto algo sobre uma pessoa que conheci bem pouco tempo e é desses bons de conversa, que se quisessem me levavam fácil no bico, pois sabe muito bem desatravancar uma conversa. Conto a história dele, a mim contada enquanto trocava um piso no banheiro.

ANTONIO JOÃO DE OLIVEIRA é pouco conhecido com esse nome, mas quando falam de DALVAN, muitos o conhecem, principalmente no ramo da colocação de pisos e acabamentos internos em construções variadas e múltiplas. Aos 62 anos, confessa um tanto resignado ter aposentado um dos amores de sua vida, o violão, quando chegou numa encruzilhada em sua vida: o trabalho ou a cantoria. Optou pelo caminho de onde tirava seu ganha pão. Fez muito sucesso com o instrumento lá pelas bandas do Mato Grosso e afins, num tempo onde reinava por tudo quanto é canto onde tivesse espaço para cantar. Morando hoje na vila Industrial, bem mais caseiro, assentado e aprumado, a opção por ser construtor não é motivo de arrependimento. Com ela viajou muito como contratado de construtoras. Na cidade do Rio de Janeiro, Barra da Tijuca, recordações infindáveis de ter dado acabamento em muitos dos prédios famosos no famoso bairro. “Um lugar muito bom, tempo ainda sem essa invasão de hoje, local mais de refúgio. Hoje não moraria lá, não se pode mais andar a pé, as distâncias criadas pelo homem são imensas, lá só mesmo de carro”, diz. Com o violão pendurado na parede, Dalvan, nome dado em função da antiga cantoria e comparação com o famoso sertanejo, ele ri de tudo e trabalha conversando, sempre animado, ciente de executar um bom serviço. Leva a vida de leve, ciente de que, mesmo em tempos mais bicudos como os de hoje, continua mantendo clientela, principalmente a advinda de indicações, tudo por causa de fazer bem feito. Pensa em parar, mas não já, pois diz ainda ter muita lenha para queimar e assim segue sua vida, de casa em casa, serviço em serviço, dia após dia. Dalvan não se estressa fácil.

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