Li e fiquei a pensar em outra coisa. Eu e todos os demais envolvidos com as questões sociais, lutas infindáveis ao longo de décadas, temos no mínimo uma história com o Lula. Impossível todos esses a militar durante tanto tempo não ter uma mísera história com Lula. Vejo que muitos continuam ao seu lado, outros não mais, mas as histórias perduram. Nunca tive nenhuma proximidade com Lula e todas as histórias que poderia contar das tantas vezes que estive no mesmo lugar onde ele estava, desde comícios, jantares, concentrações, viagens (tenho uma ótima, onde levei num Chevete branco o João Paulo Cunha, então deputado, depois presidente da Câmara para a vizinha Lucianópolis, prefeitura do PT).
Fiz uma varredura em minha mente e a que acho mais viável contar aqui é uma bem simples. Foi numa campanha eleitoral de Lula, acredito que na segunda vez que tentou chegar ao Planalto. Estava em Bauru e foi recebido pelos trabalhadores lotando a praça Machado de Mello. Era uma tarde de um dia de semana e quando ele chegou, muitos tentaram se aproximar e ele de mão estendida foi tocando a muitos. Quando passou perto de mim, a cena que não mais me sai da memória. A relembro sempre e com saudade, depois até uma ponta de crítica, pelo que veio a acontecer com a ferrovia nos dois Governos dele. Pois bem, ele passou e um trabalhador ferroviário o segurou pelo braço. Segurou e não soltava, Lula se volta para ele, se encaram e o ferroviário lhe diz algo assim: “Não se esqueça da gente, nós te colocaremos lá, mas não esqueça da gente”. Lembro assim de memória ter Lula respondido algo como, “não esquecerei”. O significativo daquele momento foi o pedido do ferroviário para o então candidato. Vai e volta me lembro daquele dia e daquele ajuntamento na praça.
Ele me volta à mente hoje quando li o texto da Cynara. Li e instigo os amigos e amigas: tenho certeza, todos possuem uma história vivenciada com Lula. Quem se habilita a contar a sua? Isso daria um belo livro. Um em cada lugar por onde Lula circulou. Imagino essas histórias bauruenses recolhidas e publicadas. Pelo bem, pelo mal, valeriam pelo registro de nossos sonhos embalados por algo em que botávamos muita fé e esperança. Hoje, com o país destroçado, depois de dois governos de Lula, um e quase meio de Dilma, quando os cruéis e insanos golpistas ainda no poder estão a acabar não só com nossos sonhos, mas com o país, eis algo a ligar isso tudo, o texto da Cynara, Lula e Bauru.
Seria o Lula em carne e osso? |
É simples, a danada esteve ontem aqui na cidade. Eu posso não concordar com tudo o que ela diz, mas gosto demais do seu estilo de dizer. É uma declarada bonachona, dessas que diz tudo e de forma muito contundente. Tem um jeito impositivo, lúcido, sem deixar muita margem para aqueles que ficam de blá blá blá contestatório. Não sei porque, mas acho que é boa de voadora. Antes só escrevia, hoje além disso, publica gravações, algumas eivadas de uma mordaz ironia, deliciosas falações. Ontem mesmo vi uma, sobre a possibilidade de declararem agora e com apoio da esquerda, o Nordeste independente. Foi na veia dos ditos coxinhas quando disse: “Veja a vantagem, Lula governaria o novo Nordeste, talvez com nome de Canudos e o Sul deixaria para esses que aqui pregam o ódio e com Bolsonaro”. Fechou o pano. Encaraminholou a muitos. Eu só digo que achei hilário e, diante desse país hoje destroçado por Temer & Cia, quando diante de uma não reversão, talvez um refúgio mais alentador fosse mesmo algo a se pensar.
Deixo a ideia de lado e vou ver sua palestra no SESC, em cima de uma discussão sobre o filme “V de Vingança”. Ela veio de avião, voo que chegaria 18h, atrasou e só chegou na cidade pouco antes das 21h. Para sua alegria, quase ninguém arredou pé. Eu arredei e fui em outro inadiável evento. Deixei uma dica para o amigo Claudio Lago que a esperou: “Se veio de avião vai pernoitar na cidade. A convide para um convescote conosco num bar da cidade”. Ele gostou da ideia, a esperou na entrada do evento (me conta ter sido um papo dos mais proveitosos) e conseguiu um sim, junto de um belo sorriso (ela sorri gostoso demais da conta).
E o encontro se deu, no Espaço Brasil (antigo Made in Brazil, ali na Nações). Festa de aniversário do Alemão, o cantante do regional do Kananga do Alemão, junto ao salão um espaço ao ar livre e de fundo o movimento da avenida mais movimentada da cidade. Contei e fiquei contente quando vi uma mesa cheia de gente e ela num canto. Doze pessoas, cervejas, alguma comida e muita conversa. Parcela da Bauru bolivariana estava ali presente, tanto que num certo momento brinquei com os presentes: “Com uma simples bomba dariam cabo hoje da Bauru bolivariana”. Lago me apresentou à visitante e me integrei ao grupo, todos advindos da palestra. Tinha até, junto dos bauruenses duas estudantes da UEL de Londrina e quando souberam do papo, logo se juntaram aos insurgentes. Falamos de tudo o que está entalado em nossa garganta. Gosto muito de desabafar certas coisas, algo que não posso fazer em público, mas entre os iguais, fazemos que é uma beleza. A noite fluiu que é uma belezura.
Não quero entrar em detalhes das conversas, mas algo tenho a salientar: ela falou de tudo, discutiu muito e até aceitou resignada ser contrariada (Cláudio Lago, como todos sabem é um eterno contrariador de plantão, ele com sua fala: “permita-me discordar”, discorre pelo lado oposto, virou mantra). Foi uma noite das mais agradáveis, papo reto e só não destituímos o (des)Governo Temer ali no ato, pois em doze e diante do que se vê ocorrendo via Judiciário, achamos que poderíamos facilmente nos transformar em os mais novos presos políticos brasileiros (alguns do MST já o são e na Argentina, Milagro Sala também). Nos unimos e preferimos montar algo mais consistente com outra estratégia. Ficou para os próximos dias. Trocamos endereços virtuais e, como sempre nesses momentos, o melhor de tudo é aproveitar o momento, trocar ideias, se conhecer, ampliar o leque de possibilidades. Ela ouviu algumas histórias escabrosas de Bauru e tomamos conhecimento de algumas contadas por ela, agora também estradeira juramentada. Deve ser mesmo saboroso poder viajar, com soldo pago, com o país dentro desse estado de exceção e ainda existirem quem a convide para ir, aqui e ali, propondo outras possibilidades. Cynara, quer queiram ou não alguns, faz isso e maravilhosamente.
De tudo o falado, revelo somente pontinha de uma conversa. É sobre isso de nessas falas surgirem os tais e ditos como coxinhas, os que vão só para conturbar, criticar o PT como culpado de tudo e melar sua conjunção de ideias com aquela pitada conservadora. Ela ri (ri pra tudo) e nos diz até se espantar: “Não aparecem muitos. Estou preparada para eles. Sabe que me saio melhor falando do que escrevendo. Esses aí pipocam pelas redes sociais, mas ao vivo se acanham, pois cravo logo na ferradura. Nisso sou dura. Outro dia um tentou algo e veio com aquele discursinho de que teve muitos professores de esquerda durante o tempo em que estudou e que isso era um absurdo, não podia mais acontecer. Olhei bem para o cara e disse ter ele muita sorte, pois se hoje pode se posicionar como o faz é por ter tido a oportunidade de pensar diferente, proporcionado por esses professores. O cara ficou meio sem ação e pensativo acabou se calando”.
Cynara é assim, boa de escrita e mais ainda de conversa. Tempos atrás, coisa de quase uns dez anos, tive, eu e meu amigo Marcão Resende, um papo quase do mesmo jeito com uma jornalista esportiva que aqui aportou e por quem tínhamos grande admiração, a então promissora Soninha. Naquele momento ela nos dizia estar se bandeando pra outros caminhos e hoje, acabou se transformando nessa coisa amorfa, vazia, oca, fútil e desnecessária. Lembro bem daquele dia, como me lembrarei muito da noite passada. Soninha foi de uma decepção grandiloquente, mas de Cynara, uma que bravamente se intitula “socialista morena” (morena mesmo e baiana), acredito teremos ainda muito o que falar. Do tipo gostando de comprar boas brigas, enfim uma do nosso lado e pronta para o que der e vier. Nem conto que hora da retirada, em que fomos todos para casa, dormir pouco para a labuta de hoje e deixo de fazer pelo simples fato de que, se o fizer, com certeza o vereador coronel pode querer nos chamar a todos de “vagabundos”. Evito isso.
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