quinta-feira, 9 de março de 2017

MÚSICA (146)


RELIGIOSIDADE A ME PERSEGUIR – CANTAROLANDO TRISTE LADAINHA

PERSEGUIÇÃO 1 – Uma manhã de um domingo, semanas atrás, acordo cedo e me preparo para descer na feira da Gustavo. Entro no carro, ligo o rádio e tento sintonizar uma estação palatável para espairecer a mente até a chegada na fermentação propiciada pelo democrático ajuntamento DA Feira do Rolo. Acho que era a Auri-Verde, nela um padre católico estava falando e justamente na homília, quando ele junta as duas leituras e faz sua interpretação pessoal. Dei azar. O padre desfiava um doído rosário, mais ou menos nessa linha, isso lá pela 7h30 da manhã: “Meu caríssimos (eles nos tratam assim). Não deseje a mulher do próximo, pois isso é pecado. Nem olhe para ele, ou melhor, não olhe para nenhuma outra que não a sua. Se contente com o que você tem, foi Deus que lhe deu. Só de você sonhar que está fazendo algo não permitido com outra mulher, você está incidindo num pecado de grande monta. Não pense em nenhuma outra, não vire o pescoço na rua para olhar uma que você não terá”. E seguiu nessa linha. Ia mudar de estação, mas resolvi me penitenciar e ali permaneci até ele terminar sua cantilena. Depois que acabou, deixei de olhar para umas três no caminho e contrito me penitenciei, com o sinal da cruz antes de fornicar na feira. Só pensei, algo aqui revelado: “Pôxa, que sacanagem, quer dizer que nem olhar posso mais. Sonhar nem pensar”. O danado me encaramilholou o domingo e todos os demais dias. Não posso mais viver em pecado, preciso beatificar minha mente.

PERSEGUIÇÃO 2 – Meu filho ligou em casa lá pela meia noite e meia, eu já dormia e depois de conversar comigo, perdi o sono. Ana ronronava ao meu lado e nem pude lhe dizer ter perdido o sono. Queria conversar, mas com quem? Com a TV. Ligo a mesma e fico mudando de canal. Num deles, uma assombrosa criatura me faz parar e ficar ouvindo o desfiar do seu rosário. Um rosto em close todo maquiado, figura conhecida (já o havia visto em algum lugar – não seria na boêmia?), com a fala não batendo com a voz aparecendo no vídeo. Um desconserto e algo mais a me preocupar. Aquele rosto todos cheio de pó de arroz me dizia dos benefícios de doar de tudo o que tenho para beneficiar as obras e o benefício que o deus de sua igreja irá lhe trazer pelo sacrifício. Disse mais: “Não adiante se esconder, eu sei que você tem mais algum. Não guarde, traga até nós e será recompensado. Nem pense em gastar em futilidades, pois sua vida terá um retrocesso se o fizer. Quer ficar rico? Traga dinheiro para nós e oraremos por ti. Não quer mais continuar sendo pobre? Pobre é tudo de ruim na vida. Pense grande como a gente fará se estiver ao nosso lado. Deixe de ser pobre. Basta de pobre. Pobre não vale nada”. Aquela cara grandona no vídeo, bocarra aberta e mostrando o dente cariado (deve ter um mau hálito danado), esbravejando diante de mim, deitado pelado e suando na cama. PerdI ainda mais o sono. Levanto, urino sentado e vou ler uma revista até o sono voltar. Confesso: não foi fácil tirar aquela imagem do próprio salafra da minha mente. Mentalizei forte e consegui. Ufa, nunca mais ligo a TV nesse horário, tem lobo mau na telinha.

JUNTO TUDO E BOTO UMA MÚSICA NA VITROLINHA – Hoje, ao escrever essas mal traçadas relembrando essas duas historietas, me veio a mente uma velha canção do extinto grupo Língua de Trapo, no seu primeiro LP, o com o mesmo nome do grupo, e a canção “Régui Spiritual” (Laerte Sarrumor), edição independente, 1982. Vejam e curtam a canção aqui: https://www.youtube.com/watch?v=gyHKKyyXoYw. Abaixo a letra para desopilar o fígado: “Regue sua alma / Lave seu espírito / Com límpidas, translúcidas / Bolhinhas de amor / Solte-se, oh! solte-se / Pulsação e ritmo / Novo produto místico / Bolhinhas de amor / Não importa se Gita ou Tabela Price / Cabalísticos dólares injetam o torpor / Propala-se a fome em nome dos deuses / São contas de vidro, sonhos coloridos / Bolhinhas de amor / Hare Deus meninos, / vinde, vinde / Pague dois, leve três / É só mais desta vez, oh! / vinde, vinde / Juros abençoados, / Corretores sagrados vendem a prestação / Seu terreno no céu, edifícil Babel, / Preço de ocasião / Hare Deus meninos, / vinde, vinde / Pague dois, leve três / É só mais desta vez, oh! / vinde, vinde”.

Como deixei de rezar, cantarolo uma ladainha que é uma beleza...

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