sábado, 16 de junho de 2018
FRASES DE UM LIVRO LIDO (128)
ESCREVER DAS PEQUENAS COISAS, MINÚSCULOS MUNDOS, COMO FAZIA JOÃO ANTONIO, ISSO É O QUE ME INTERESSA
A desilusão com esse país é incomensurável. Suas instituições estão todas, ou falidas ou comprometidas com o retrocesso, essa bestialidade neoliberal que tudo faz em prol de uma ínfima minoria e apronta de todos os jeitos e maneiras com a maioria do povo. Mais do que cansado, não vejo mais nenhum outra saída para o país. Ou vamos pro pau ou vamos camelar e muito daqui para frente. Minha fuga se dá pela leitura. O faço com quem escreve com os olhos voltados para os desvalidos. Tenho minhas preferências. Um deles, JOÃO ANTONIO, cronista de “Malagueta, Perus e Bacanaço”, um clássico das quebradas, das ruas deste país. Ele me inspira e com sua releitura, tento sobreviver a esses brutais e insanos tempos. Reli quase de uam sentada um livro sobre esse grande escritor, o “João Antonio – Coleção Remate de Males nº 19” (Revista do Departamento de Teoria Literária, Unicamp, Campinas SP, 1999, 174 páginas). São textos acadêmicos e jornalísticos sobre o que representa escrever sobre esses tipos enfronhados nas quebradas das cidades. Nas frases recolhidas muito do que quero fazer e produzir daqui por diante, meu campo de ação, algo assim:
- “Adorava o mundo da gente simples, classe baixa e desendinheirada. (...) Tudo o que rompia com os padrões estabelecidos, com a falsa moral burguesa, lhe agradava. (...) Uma bosta muito grande é o desfile das vaidades pequeno-burguesas, a limitação mítico-religiosa em que vivem nossos pais, avós, etc”, Caio Porfírio Carneiro.
- “...flagrador da realidade paulista urbana e suburbana. (...) Ele escrevia frequentemente à mão, para ter o gosto físico de sentir as palavras saindo diretamente de seus dedos para o pouco do papel, prolongamento da ebulição artística que implodia de seu corpo. (...) Convivendo com os malandros que encontrava em suas aventuras andarilhas pelas ruas, becos e bocas de São Paulo. (...) Acredito nos meus vagabundos, amei de verdade os meus vagabundos. (...) Prefiro criaturas e viventes que se mexam com humildade, que tenham tolerâncias”, Ilka Brunhilde Laurito. - “Suas criaturas são esfoladas pela lâmina da desproteção social. (...) Se a rua é uma escola, o bar é uma universidade. (...)O escritor dos párias e dos enjeitados sociais”, Lourenço Diaféria.
- “O gosto de olhar livremente as pessoas anônimas e deixar acontecer por elas um sentimento atávico, uma intuição que faz vasculhar personagens e imagens. (...) Não é pequena a tua coragem ao escrever sobre as pessoas comuns. (...) As pequenas coisas, desde que sejam tratadas com arte, possibilitam uma revelação de destinos. Justamente porque são pequenas e aparentemente insignificantes. (...) Perdido em largas caminhadas pela cidade. (...) Se atém a coletar sinais do imediato no mundo. (...) A cor e o volume das pequenas coisas só chegam ao texto pelo esforço da atenção sensível – atitude cada vez mais rara em quem escreve, convenhamos”, Fernando Paixão.
- “A arte de verdade é estar livre e assim conseguir se livrar da vontade de poder, de usar o poder de mandar. Competir para mim é imoral. (...) Detestava estar ao lado de quem venceu”, Ellen Spielmann.
- “Se eu fosse escrever como falo ninguém me lia. (...) Capacidade de desmistificação e a coragem de remar contra a maré. (...) Sua narrativa nos joga no universo noturno de São Paulo, ao redor de alguns marginais moídos pela vida, procurando um jeito de sobreviver por meio da trapaça, da esperteza, da brutalidade. (...) A sobrevivência depende de uma lei espúria do mais apto. (...) Usa sua cultura para diminuir as distâncias, irmanando a sua voz à dos marginais que povoam a noite cheia de angústia e transgressão. (...) A possibilidade de dar voz, de mostrar em pé de igualdade os indivíduos de todas as classes e grupos, permitindo aos excluídos exprimirem o teor da sua humanidade, que de outro modo não poderia ser verificada. (...) Desvendar o drama dos deserdados que fervilham no submundo; dos que vivem das lambujens da vida e ele traz com a força de sua arte, a consciência dos que estão do lado favorável, o lado dos que excluem. (...) A coragem de mostrar as entranhas da cidade, o jogo triste da vida. (...)”, Antonio Candido. - “A combinação perfeita do popular com o refinamento. (...) Sua gente é típica, mas nada caricatural. (...) se especializou em explorar o coeficiente de marginalidade das categorias humanas menos legitimadas. (...) Cotidianidade individual elevada a drama histórico. (...) Uma arqueologia dos significados da grande cidade. (...) Uma gramática de vagabundos, pilantras, malandros, piranhas e marginais; enfim, um levantamento da poesia do agreste humano. (...) Contista do ordinário, tudo para conduzir o leitor ao choque de ambientes, aos contrastes de visões do mundo. (...) Há um ataque à compostura, ao bom-tom e ao decoro burgueses. (...) Lugares em que normalmente as pessoas estão dispostas a se divertir: bares, cabarés, prostíbulos, casas de jogos. (...) Os centros e bairros mais sofisticados apresentam-se como zonas privilegiadas, reservadas para poucos, os outros que produzem a diferença e as hierarquias. (...) ter fixado em nossa literatura personagens inesquecíveis da marginalidade social, os despossuídos, os que vivem de expedientes e espertezas, os prestadores de serviços que não ingressaram no mercado construído sobre a cobiça do lucro. (...) João Antonio seria o Lima Barreto de São Paulo. (...) Trata-se do relato de um exílio. (...) procura na famosa cidade as personagens confinadas no submundo. (...) Adicionou à nossa literatura uma camada da população que ainda não tivera seu legítimo interprete. São tipos massificados e excluídos das expectativas de ascensão social, banidos do processo produtivo. (...) Aqui estão as pessoas que, sob o toque mágico do escritor, viram personagens, pois são fotografadas em seus momentos de esplendor. (...) É visto como um captador da essência do Rio e de seu povo, em golpes intuitivos de síntese, espontaneidade e irreverência. (...) Vai fundo na dramatização dos costumes brasileiros”, Fábio Lucas.
- “Redescoberta do povo brasileiro, povão das periferias e dos grotões, os esquecidos. (...) Os personagens de João Antonio não habitam o céu, nem o inferno, pois este estaria reservado aos carrascos e os hipócritas. (...) O inferno estaria reservado para os membros das classes dominantes e seus testas-de-ferro que fossem os verdadeiros responsáveis pelo rosário de misérias que seus contos destilam. (...) Peregrinação daqueles que não têm nas mãos o próprio destino. João Antonio não bate fotos. Pinta quadros apaixonadamente deformados. (...) Não escrevia para o público que descrevia, os remediados, mas, sim, para leitores basicamente de classe média, e de elite (a que lia tais coisas). (...) Um escritor da República das Bruzundangas e outras formas atuais de vida brasileira que estão aí, inéditas, esperando intérpretes e interessados. (...) Decidiu (descobriu) que vive no inferno, e é disso que nos conta, sem pudor, nem temor. (...) O outro lado que pagamos para não ver, ou para ver do palanque pelos distanciamentos estéticos. (...) Habitantes de sua noite deixam de ser excrecência e se tornem carne da mesma massa de que é feita a nossa. (...) Um escritor que tinha consciência da miséria em que vivíamos. (...) drama de sobrevivência neste mundo literalmente e simbolicamente sem eira nem beira. (...) recriar o mundo da marginalidade brasileira urbana. (...) Ele se torna um visitador de infernos, como Dante, e, como este, vem dar notícia ao leitor do que viu e sabe. (...) Expunha o nervo da desigualdade, seus personagens enfrentam situações-limite”, Flávio Aguiar.
- “A escrita profissional avessa ao diletantismo. (...) Um corpo-a-corpo com a vida brasileira. (...) Escolheu seu foco: circunstâncias da vida dos pobres, criaturas sem eira nem beira, suas misérias, seu abandono, mas principalmente sua linguagem, cultura e tradições. (...) Estátuas e placas por todos os lados, mas de ilustres desconhecidos de todos. (...) Denuncia as tensas relações de classe na sociedade brasileira. Não se trata aqui, portanto, de descrição como referência pacífica, representativa e neutra do mundo. (...) Pode tanto caber num conserto de teatro como num botequim. (...)Um artista dos tipos vivos e dos grandes miúdos flagrantes do dia-a-dia carioca. (...) O país oficial, esse é caricato e burlesco. (...) O Brasil não tem interesse concreto por suas próprias coisas, de onde se origina sua tendências ao engrandecimento e mitificação de personalidades. (...) Pagou alguns preços altos por essa escolha”, Vilma Arêas. - “Apesar dos grandes reveses que este povo brasileiro tem enfrentado, uma herança de seus ancestrais indígenas permanece inabalável: a força da alegria. (...) tem jogo de cintura para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia. (...) Personagens não são heróis nem vilões, mas apenas impulsionadas pelas necessidades de sobrevivência. (...) Pequenas vidas, minúsculos mundos e grandes lutas, soberbas, heroicas e trágicas. (...) Para quem a fome é apenas matéria de ficção fica difícil aprender a tragicidade de um estômago quase sempre vazio. (...) É como se ele também estivesse entre os quebrados quebradinhos. (...) neste mundo de carências, de grandes derrotas e pequenas vitórias, o homem está debatendo, procurando sobreviver”, Wania Majadas.
- “As vozes dos eira-sem-beira e dos vidas-tortas com quem dividiu a literatura e em parte a própria existência. (...) Mania ambulatória e a convivência com os deserdados. (...) Tipos comuns que acabam afinal se misturando ao desgosto do ressentimento sempre pronto a estocar poderosos. (...) Parando nos bares até altas horas em conversa animada com viciados e gente sem rumo. (...) É impossível não reconhecer as marcas do repórter no cotidiano miserável dos subúrbios, entremeadas ao sarcasmo e à revolta inspirados na solidariedade dos despossuídos. (...) histórias dos heróis anônimos, tipos que ele recolhe das transformações da cidade devastada pela especulação do capital para situá-los no pólo extremo de um passado ideal que os alimenta enquanto artífices de sua própria inutilidade. (...) Por em evidência a sobrevivência difícil dos destituídos, esquadrinhados a fundo nas galerias da miséria. (...) Cotidiano sem brilho daquela vida de necessidades e de abandono. (...) Incursão estética pela melancolia da pobreza. (...) Articula a fala dos pobres e dos sem lugar e se articula ela mesma, no plano da forma, com os movimentos da condição precária. (...) Esse cotidiano incorpora na crônica a fala dos pobres e dos botequins, que está nos muquinfos e nos trens de segunda. (...) Escrever o mais próximo possível das aspirações e das mágoas do povo. (...) desconsidera os bens postos e o mundo em que circulam, o mundo – nos diz ele – dos que vivem longe de nós, nas altas esferas políticas, mundanas e nos enxergam para simular desprezo pela nossa pobreza e pela nossa fé na honestidade. (...) O solidarismo dos pobres de Lima Barreto reaparece em João Antonio com força redobrada. (...) Reiventa a própria linguagem dos excluídos. (...) desqualifica a ordem dos bem postos no melhor estilo de Lima Barreto”, Antonio Arnoni Prado.
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