quarta-feira, 27 de junho de 2018

UM LUGAR POR AÍ (109)


ESCRITO SOBRE AS AMIZADES NAS/DAS RUAS – DIRCEU BORBOLETA GASTA SOLA DE SAPATO CIDADE AFORA

Noite de terça, Bar do Brecha, a melhor panceta de Bauru, ali atrás do posto defronte o Cemitério da Saudade. Eu havia conseguido entregar no Repositório da Unesp meu texto final de mestrado, pego Ana Bia na saída de uma banca na Unesp e digo a ela: “Vamos comemorar, escolha um lugar, a cerveja será por minha conta”. Com alguma fome, ela escolhe o Brecha. Ligamos para dois casais de amigos, ambos declinaram, inventando desculpas pelo adiantado da hora, mais de 21h.

Chegamos, a Skol foi servida numa temperatura de arrepiar, estupidamente gelada, o que já é um baita cartão de apresentação. Pedimos meia porção de panceta e enquanto aguardamos, copos suados, goela em franco aquecimento, eis que numa mesa, canto escondido do bar uma voz conhecida nos reconhece. Era a de Dirceu Ferreira da Silva, que carinhosamente se autodenomina como DIRCEU BORBOLETA. Nada a ver com o personagem da novela Bem Amado, mas tudo a ver com uma belíssima característica sua, a de bater asas pela cidade inteira, um andarilho, desses a gastar sola de sapato e ir conferir in loco tudo e andando.

Ele inicia uma conversa de sua mesa onde toma uma Antarctica com a nossa, onde degustávamos uma Skol. Gosto do Dirceu assim de graça, pois é um dos conversadores dessa cidade. Ele não é um sujeito chato, só um que gosta de conversar e o faz maravilhosamente, pois a todo instante nos dizia, “se estiver sendo chato me diga, que bato em retirada”. Ele vive só, num pequeno quitinete ali pelos lados da Cruzeiro do Sul, perto do Detran e de lá, aposentado que é e segundo nos diz, de baixa renda, sai diariamente do seu quartel-general e anda, circula, gira, perambula e faz diários reconhecimentos bauruenses. Falávamos do show do SESC sábado à noite com nada menos que o gaitista Renato Borghetti, no qual foi e acaba nos convidando para outro, na próxima sexta, com o Trio Virgulino, arrasta pé dos bons. Ela sabe onde vai, por onde bate perna.

Estava ali sentado e tomando uma sozinho no bar do seu irmão, o Brecha. Contou belas histórias de sua família, toda ali de pertinho, Santa Cruz do Rio Pardo, mais precisamente Espírito Santo do Turvo e de como saíram de lá, uma mão na frente outra atrás, vieram para Bauru, aqui se instalaram e venceram na vida, cada um ao seu modo e jeito. Diz do fato de ter sido jogador de bola no BAC, seu mano também e até o filho do Brecha, um que fica no caixa à noite, goleiro do Matsubara no Paraná. Ressaltava do esforço do Brecha em fazer os filhos terem o estudo a ele impossibilitado e finaliza tudo com uma frase lapidar: “Filho gasta enquanto está estudando, mas gasta muito mais quando o estudo termina e quer montar seus locais de trabalho, tudo financiado pelos pais”. Dirceu abre seu coração e fala, relembra diante de nós algo encantador, se predispõe a revelar detalhes de sua vida e dos seus, tudo na maior simplicidade e mútua confiança.

Ele faz questão de a cada reencontro confirmar gostar muito de mim, pelo simples fato de tempos atrás tê-lo parado na rua e pedido se podia contar sua história. Assim o fiz num dos Personagens sem Carimbo – O Lado B de Bauru. Algo que ele nunca mais esquece, o fato de ter-lhe dito que só faço perfis de pessoas simples, os tipos das ruas e pelo fato de o ter escolhido para um. Guarda o seu com devido carinho. Esse o melhor reconhecimento que poderia receber de alguém, o feito dessa forma e jeito. Relembra também o nosso último encontro, ali mesmo no Brecha quando reencontramos velho conhecido de ambos, o dentista Belluzzo, oriundo de Bariri e agora morando em Bauru, primo do famoso economista que foi presidente do Palmeiras. Foi uma noite de altos papos e por fim, Belluzzo lhe fez a mesma pergunta que fiz a ele ontem: “E como vai embora?”. Sua resposta é salutar: “Sempre a pé, como sempre fiz. Esqueceu? Eu ando, sou uma borboleta, a cidade não me mete medo, nem receios, se quero ir num lugar, vou e na maioria dos lugares a pé, sempre assim”.

Por fim, algo sobre seu fardamento, o de uma camiseta da seleção, verde-amarela e com a marca do Bar do Brecha no peito e nos costados algo mais significativo, um nº 70 bem grandão, dando a entender ser a Copa dos sonhos do Brecha. Fez questão de dizer algo a respeito da sua camiseta: “Não pense que a ganhei do Brecha. Eu comprei e o fiz após presenciar aqui mesmo um diálogo dele com um cliente, um importantão da cidade, cujo Brecha estava fazendo uma cortesia e foi por esse chamado a atenção com um “parente e amigo é que tem que pagar”, daí eu sempre pago, inclusive as cervas que tomo”. Como não puxar a cadeira e querer estender a conversa com um sujeito desses? Aos 64 anos, esse andarilho me seduz, muito mais pelo seu jeito simples, cabelos esbranquiçados na carapinha, jeito malemolente de quem toca sua vida de um jeito saboroso, cheio de vitalidade, sapiência e requebros. Sabe andar nas quebradas, conhece tudo dos lugares mais altaneiros (o Lado B, claro) dessas plagas e sabe levar uma conversa na medida exata, sem sem chato, desses que chegam e querem falar sem deixar ao outro nenhuma possibilidade de diálogo. Dirceu fez eu e Ana ganharmos a noite com sua laboriosa companhia. Gente assim são cheias de encantos mil.

HPA – Dia de jogo do Brasil na Copa e com essa homenagem, vou assistir a contenda mais alegre. Rodar pelos cantos da cidade sempre vale muito a pena.


A HISTÓRIA DO MENINO QUE SEM GRANA PARA COMPRAR O ÁLBUM DA COPA O DESENHOU INTEIRO E ASSIM VIROU NOTÍCIA
Meu comentário: Eu vivo de histórias assim, isso me move. Percebo algo além do que foi feito, conto aqui. A mídia massiva se alimenta dessas histórias e acerta quando assim procede. Ela saca algo dentre os simples, algo que foge do trivial e vai chamar a atenção dos seus, vai lá e a amplia, faz o estardalhaço. Eu conto algo assim do meu jeito, ela tem uma ampliação pequena através do blog e do facebook, mas quando algo que foi visto num lugar como o meu e depois alcança uma projeção maior, salutar projeção. Por mais nociva hoje que a imprensa massiva seja, ela também se alimenta de histórias como essas e sabe sacar, quando lhe convém, a riqueza existente nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, nessa rica movimentação de fazer algo movido pelo coração. Seria ótimo vê-la mais e mais atuando dessa forma do que mentindo para o povo.

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