35º LADO B, AGORA COM A PROFESSORA E MILITANTE SINDICAL EDENILDE ALMEIDA CONCEIÇÃO, AINDA SE RECUPERANDO DE 17 DIAS ENTUBADA COM COVID
Este “Lado B – A Importância dos Desimportantes” tem por meta contar histórias, relato de vida das pessoas, as que labutam, lutam e não saem da lida. Se não encontramos suas histórias retratadas de forma usual pela mídia massiva e hegemônica, aqui um bocadinho delas. Histórias das ruas, vielas, vicinais e quem nela pisa, faz dali seu dia a dia. Ítalo Calvino diz no seu livro “Cidades Invisíveis” que: “A cidade não conta o seu passado, ela o contém com as linhas da mão, escrito no ângulo das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras”. Perseguir esses mínimos detalhes é o objetivo do que aqui apresento a cada nova semana, quase sempre aos sábados. A intenção é focar nas pessoas, e não nas coisas e assim mostrar, desvendar, apresentar algo ainda oculto.Desta forma lhes apresento aqui nesta semana a professora de História, IDENILDE ALMEIDA CONCEIÇÃO, 60 anos, conselheira da Apeoesp – o sindicato dos professores da rede estadual de ensino paulista e também presidente da Comissão Consultiva Mista do Iamspe, algo pelo qual ela vai nos contar da importância na manutenção de aproximadamente 50 mil usuários na cidade, atendendo um total de mais de 100 mil pessoas de toda região. Ela nasceu no Vale do Paraíba, mas precisamente em Apiaí e lá fez seus estudos, cursando História numa faculdade não mais existente, a de Ciências e Letras de Itapeteninga. Chegou em Bauru em 1986, veio para dar aulas, penou um bocado até consegui se efetivar. Circulou por várias escolas, muitas experiências, todas acumuladas e muito bem assimiladas, o que as fez se enfurnar na militância sindical e política, da qual desde que entrou não mais saiu.
Idenilde mora num dos bairros mais populosos de Bauru, o Mary Dota e dali, seu bunker, conta suas histórias, seus relatos ao lado dos dois filhos, um que já bateu asas e vive londe de Bauru e outro morando com ela, seu companheiro nas horas boas e ruins, como a que passou no final do ano passado quando contraiu o Covid e acabou internada, entubada por 17 dias, praticamente desenganada por si mesma, mas buscando forças lá no fundo e hoje, ainda em recuperação, mas firme e forte, acreditando ser possível. Com quase dois meses após a saída do hospital, somente agora começa a caminhar, curar suas escaras, ganhando peso e a disposição de luta e para viver intensamente “a nova oportunidade de viver a mim concedida”, como mesmo diz.
Suas histórias são todas empolgantes e com elas muito do que tantos professores viveram. No mês passado, pela onda da indefectível rádio Jovem Pan, ops, digo, Velha Klan, o radialista Alexandre Pittolli disse em alto e bom som que os professores são “vagabundos”, pelo simples fato de optarem pelo não retorno às aulas, devido ao pior momento vivido pela cidade, estado e país, com estágio de distribuição incontrolável do vírus. Idenilde responde a ele de forma contundente, demonstrando como é sua vida, sua luta e o que faz um professor sem dar aulas presencialmente. Ela, que circulou por muitas escolas de Bauru e região, veio a se aposentar na Eduardo Velho Filho, de Piratininga e ouvi-la é ao mesmo tempo escutar o que tantos outros professores vivenciam no seu atribulado dia a dia.
No próximo dia 08 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher e nada melhor do que trazer uma mulher de fibra, garra, gente do povo, comprovadamente de luta para abrilhantar uma conversa perto desta data. Escolhi IDENILDE exatamente pela conjunção dessas coisas e fatores todos. Sua vida é a demonstração de como se dá a luta daqueles que, decidem enfrentar o touro à unha e assim procedem. Contar isso, espalhar essas experiências é algo mais do que agradável, salutar e diria, necessário. Precisamos falar mais e mais da gente, de gente como a gente, espalhar o que fazemos, como fazemos e repassar adiante isso tudo que anda acontecendo pela aí. A conversa precisa ser espalhada com o vento, para assim, pouco a pouco ampliar o que vem sendo feito. O Lado B tenta fazer isso com louvor.
Eis o link para o Bate Papo com a professora Idenilde:
Link 1 – https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/4327373393959303
Link 2 - https://www.facebook.com/henrique.perazzideaquino/videos/4327502883946354
Escutar gente como Idenilde é para mim um elixir para revigorar a luta. Desistir é para os fracos. Seu relato no segundo vídeo de como enfrenta e como enxerga tudo o que lhe aconteceu em relação ao Covid é, além de um sério alerta, uma punhalada em quem desdém da abertura das escolas e do comércio. Reveladora conversa.
* 3º artigo deste HPA para jornal DEBATE de Santa Cruz do Rio Pardo, edição de 06/03/2021:Este escriba recebe dias atrás através de seu WhatsApp uma das mais aflitivas mensagens, bem com a cara destes tempos: “Meu caro, por favor, não teria como indicar algo que ainda esse velho profissional possa fazer. Preciso continuar atuando, mas não consigo mais nada e agora só me resta apelar para os amigos”. Que fazer diante de mensagens como essa? Eu, por mais que tente resolver os problemas do mundo, mal consigo decifrar, quanto mais resolver os meus. Ou seja, estamos todos encalacrados numa espécie de moto contínuo a nos moer, sem dó e piedade.
Olho para os lados aqui na mesa de trabalho e diante de tanta coisa que por aqui fluía tempos atrás, quando conseguia saldar meus compromissos sem maiores problemas, dia após dia, algo mudou e para muito pior. Não dá para creditar tudo no quesito pandemia, mesmo este sendo devastador. Aqui pelos lados deste hoje insólito país, a culpa deve também recair sobre outros ombros e o principal dele se dá num acordo selado tempos atrás, mais precisamente em 2016, quando num conluio bem amplo, decidem destituir a presidenta Dilma Rousseff. A partir daí, o país começou a ser destruído e em seu lugar, acobertados pela mudança e perdas de tudo o até então duramente conquistado, o país feneceu.
Os sinais são evidentes e ainda ontem aqui no meu portão, eu diante de um entregador. Chovia e ele me traz algo solicitado. A entrega perfazia um valor pequeno e dele uma ínfima parte lhe era a paga, meros R$ 4 reais para atravessar a cidade de moto. Com chuva, naquele dia talvez R$ 50 ou no máximo uns R$ 70 reais. Valor fixado pelo dono do negócio, sendo que na nota entregue constava outro valor, bem maior como designado a ele. Pergunto se não reclama e sua resposta: “Não tem como. Se o fizer, perco a possibilidade de continuar lá. Tem fila de gente querendo meu lugar”. Trabalha sem registro e se ocorrer algum acidente, tudo por sua conta e risco, enfim, agora é mais um empreendedor, sem registro em carteira e direitos trabalhistas. O triste de tudo é vê-lo eleitor de Bolsonaro, o que lhe retirou todos os direitos e ele o enxergando como o seu salvador.
O motoqueiro é um se danando e cego. Esses tantos vivem de migalhas e elas, cada vez mais, estão cada vez mais difíceis de serem conseguidas. A luta aqui fora de minha janela é fraticida. Os sinais são evidentes e os meus mesmo são a evidencia da degradação deste país, que alguns apregoavam tempos atrás ser o “país do futuro” e hoje, cada vez mais, sem esperanças. Degradado e desumanizado. Que esperança possui o cidadão que me bate no meu portão oferecendo sacos de lixo. Compro mesmo não necessitando e ele conta sua história. Trabalhava numa fábrica de baterias, ela faliu – a fábrica, não seu dono -, não pagou as indenizações devidas e ele, já com certa idade, nunca mais conseguiu se colocar no mercado. Já tentou fazer de tudo e hoje, revendo pacotinhos de cinco sacos de lixos por R$ 5 reais. Vejo o cansaço em seu semblante. São milhares iguais e ele.
Ele dobra a esquina e minha vizinha sai no portão para me oferecer pães caseiros. Eu sou diabético e não posso comer assim tanto pão, mas não consigo dizer não. Compro, meu corpo sente e mal acabo um, ela volta a insistir para que compre mais, pois tem nova fornada e me diz estar vendendo cada vez menos, muito calote e até encomendas não confirmadas. O telefone toca e um amigão me conta suas dificuldades, a de aos 50 anos, ter cansado de procurar o que fazer. Um amigo lhe arruma algo, vender planos de saúde, mas não garante nada, nem um sequer salário mínimo. Ele aceita, percorre lugares, bate em residências, liga, apela e pouco consegue. Diz ter desistido, pois gastou mais do que ganhou. “Trabalhei de graça e não tenho a quem reclamar”. Agora outro conhecido lhe deixa um carrão nas mãos e ele sai procurando interessados em patrocinar o negócio do grandão. Vai de empresa em empresa e lhe pergunto quanto ganha. “Por enquanto nada. Ele só vai me pagar pelos anúncios que conseguir”. Ele até agora não conseguiu nada, ou seja, anda de carrão, sem um puto no bolso.
Pra encerrar não tenho vergonha em revelar ter deixado de pagar algumas de minhas contas deste mês, tudo para tentar continuar vivendo, preenchendo brechas de uns e tapando meus próprios buracos. Como podia negar a pessoa tão próxima o valor que faltava para não ser despejado. Ajudei, ele pagou, mas no próximo mês, me diz, não sabe mais para quem apelar. Depois me conta, achava que tudo melhoraria com Bolsonaro.
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