Mal houve tempo para o almoço, feito em pouco mais de meia hora e no mais, ralamos muito os pés na estrada. Ter começado o dia na casa de Rosa Maria Cheixas Dias, 62anos, última remanescente ainda na lida e ativa do Festival de Águas Claras. Tudo em sua vida ainda lembra o Festival, até num guardado especial, uma edição da revista Pop, essa retratando uma de suas edições. Ela, também intitulada Sétima Lua, pedala pela cidade com sua bicicleta, com aparato montado em papelão, vestimenta ainda relembrando os tempos de hippie e assim toca sua vida, recheada de lembranças, desde que, um dia chegou em Iacanga para presenciar a terceira edição do festival e daí, entre algumas poucas idas e vindas, se fixou, fincou raiz e não quer mais sair. Conta histórias inebriantes de tudo o vivenciado.
O aparato de gravação, montado e desmontado em cada nova parada era o que mais demorava, mas valeu tudo muito a pena, pois desta forma foi possível registrar cada fala de forma profissional, garantindo a preservação dos registros. Na segunda parada, a residência de dona Tutty, Luiza Maria Caldas de Souza Constantino Pedro, professora aposentada, esposa do cartorário mais lembrado na cidade, vivenciou toda história e a possui bem viva dentro de sua reluzente memória, muito bem preservada aos 82 anos de idade. Ao lado de um genuflexório, feito na cidade por pessoa querida, filmou e por pouco ali não passávamos o dia inteiro, pois de um fio desatado, surge outro e assim tudo ganha vida, empolgação numa narrativa vibrante de quem aposta na educação para ver a cidade e o país desabrochar.
De lá, pouco antes do almoço, uma parada obrigatória em quem vivenciou tudo o que aconteceu na cidade da beirada do rio Tietê, Eva Maria Lopes, 78 anos, uma sempre pequena comerciante, tendo iniciado tudo numa barraca nas primeiras Festas do Peão e depois, com seu bar bombando de gente, até altas madrugadas, com ela controlando a clientela ao seu modo e jeito. São histórias que não podem ser perder com o tempo, feita por alguém que a vivenciou de dentro, também como participante. Eva, mantém um pequenino comércio, quase no mesmo lugar de todos os demais, não produz e nem participa mais de grandes eventos, mas deles fez parte e se nada fosse registrado, tudo continuaria guardado somente dentro de sua memória.
Na volta do almoço, uma passada pelo Lar dos Idosos, onde dezenas destes moram dentro de uma vila, casas individuais e ajudando na preservação do lugar, algo conseguido lá atrás pela abnegação de um padre, com recursos advindos do exterior. Ali, um de seus moradores, Arquimedes Silveira, 82 anos, viveu sua vida praticamente inteira no distrito de Quilombo, estação termal de águas, hoje não mais funcionando. Suas histórias do funcionamento do lugar, quando tudo era muito movimentado, com gente vindo de todos os lugares, inclusive do exterior, é também movido por crendices e muita religiosidade, inclusive para quem com desdém desfez da padroeira do lugar. Em cada história, uma lembrança de algo que, foi vivenciado com afinco e hoje, tudo só lembrança. A estação termal está lacrada, as águas que produziam efeitos milagrosos mudaram de rumo, devido constantes mudanças na tentativa de ampliar seu uso e com o fechamento, cada qual se dispersou, mudando de rumo. Arquimedes ainda foi cuidar de praças na cidade antes da aposentadoria e hoje, cuida de um pomar, bem ao lado de onde mora. Quando instigado, algo cutucando fundo em sua memória, soltou histórias do arco da velha.
Mais duas pessoas foram procuradas e diante da impossibilidade de seus registros serem coletados hoje, partimos os três para o distrito de Quilombo, quando em sua praça central, hoje ainda com aparato, desde a manutenção do corto e dependências para eventos da paróquia, tudo ainda em busca de uma renascimento. Almerindo Anísio da Silva, 73 anos, passou sua vida inteira ali e nos conta de um passado cheio de pompa, lugar movimentado, não só pela presença da estação de águas, mas pela vida comunitária mais participativa. Foi um braçal em quase tudo o que por ali aconteceu e também no engarrafamento de água. As lembranças da movimentação trazida com o pleno funcionamento de três hotéis, abrigando gente de lugares distantes, o faz relembrar que nos aúreos tempos permanecia até mais de 1h da manhã no trabalho incessante de engarrafamento da água. Hoje, aposentado, olha para a praça vazia com saudade. Possuidor do mais belo sorriso encontrado ao longo do dia, toca sua vida com a mesma simplicidade de sempre e com sua lembrança nos ajudou muito no propósito de resgatar histórias.
Seguimos adiante e num distrito rural adiante, São Vicente, o mais antigo cemitério da região, idos dos tempos do desbravamento da região. Ali permanecem enterrados não só colonizadores, como também os índios orignários. Rodando mais um pouco, uma fazenda e sendo recebidos por alguém muito importante na confecção deste trabalho, o diretor de escola municipal na cidade Cleiton Aparecido Basílio e sua avó, numa confortável casa, com tudo sendo propiciado junto com um café e quitutes mineiros. Cleiton é historiador, com brilhantes trabalhos acadêmicos e possui a história de sua aldeia em escritos que, vão se suscedendo, um após o outro. Um pesquisador nato, que encontrou ali na fazenda, o local ideal para efetuar sua pesquisa, rodeado de muita paz e contemplação com a natureza. Sem ele, sua participação e a de Sueli, este trabalho seria impraticável, diria mesmo, impossível. Doaram seus conhecimentos e tempo, acreditando que, a história se faz desta forma e jeito, com a dedicação, cada qual contando algo, registrando o que se consegue e depois, quando juntado com outro tanto, daí uma melhor compreensão de tudo.
Eu e Roberto Pallu voltamos por volta das 19h, escapamos de mais uma chuva e no retorno, lembrando cada depoimento, incessante trabalho de registro, a certeza de que, é desta forma que o resgate pode ser feito. Indo atrás, ralando um bocado, gastando sola de sapato, suando a camisa e ao final, o resultado edificante, deixando um registro, dentre tantos outros, que possa ser utlizado como fonte de consulta por outros tantos. Chegamos quase 20h em nossas casas e já marcando retorno para a próxima semana, continuidade de mais uma jornada de resgate de histórias que, não podem ser perdidas, nem se deixar que voem para longe sem algum tipo de registro. Movido por tudo isto e muito mais seguimos em frente.
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