DOMINGO: ALMOÇO COM FAMÍLIA CUBANA (09/03/2008)
Às 12h30, no horário combinado, VICTOR SERRA adentra o hotel Vedado e somos avisados pelo interfone. Descemos ansiosos. Íamos almoçar na casa de HILDA MARIN, a mãe da professora de música ROSA TOLON (dá aulas na USC, em Bauru). Victor é casado com a irmã de Rosa. Na chegada dele, outro mito de esvai e é desmascarado. Circula na imprensa brasileira a falácia de que cubano não adentra hotel de turista em Cuba. Entram e saem a toda hora, quando querem. Quem não o faz são os jineteros. Iria me impressionar muito mais com a liberalização do país, bem diferente do que lia ou ouvia no Brasil. Continuam fazendo questão de desmerecer tudo o que provém da ilha.
Descemos e após uma rápida apresentação, seguimos de carro até a casa de Hilda. O caminho já é nosso conhecido, pela avenida 23, sempre em frente. Primeiro, tentamos nos entender, depois vamos quebrando o gelo, falando de Bauru e de Rosa. Ambos, marido e mulher são um tanto fechados. Sentimos uma certa precaução, até natural, pois nada sabe a nosso respeito. Na chegada, diante de um prédio de quatro andares, a impressão é de ser um tanto feio por fora, mas muito confortável por dentro. Tudo modesto, não diferindo muito do que vivenciamos no Brasil. Hilda mora só aos 79 anos, na copa mantém um piano, pouco usado, pertencente a filha no Brasil. A decoração é das mais simples, a divisão dos cômodos é feita por blocos e placas, porém, tudo me atrai, além da hospitalidade, presente em todos os instantes. Quem também estava por lá era Indira, neta de Hilda.
Ficamos na sala por um bom tempo, numa conversa interminável. Queríamos saber de tudo. Por quase duas horas, ficamos nessa. Victor se mantém reservado, observador. Disse trabalhar para uma empresa espanhola, há quase trinta anos, de maquinário hidráulico para indústrias. Já esteve no Brasil, na Usiminas e nos fala de Itapira, a terra do Drummond. Muitas fotos da família pela casa. O almoço foi ótimo. Um arroz escuro já misturado ao arroz, carne de porco com cebola, banana frita e salada de tomate com pepino. Repetimos tudo. Havíamos trazido as bebidas, refrigerantes, que lá eles chamam de refresco. Saio da linha e tomo duas cervejas. Marcos não bebe, só come, e muito.
Foi durante o almoço que Victor, após ouvir o discurso revolucionário de Marcos acaba se abrindo e diz ser filiado ao PCC – Partido Comunista Cubano há 32 anos. Uma filha reside em Bauru, com Rosa e o outro nos EUA. Esse ele não reve há cinco anos. Se voltar para Cuba, não poderá retornar aos EUA. Nos dá várias explicações sobre o país, os jovens e a prostituição no entorno dos hotéis, a Associação Nacional de Pequenos Agricultores, os Comitês de Defesa da Revolução e os escritórios da União da Juventude Comunista. “E one ficam esses”, pergunta Marcos. “Experimente perguntar para o porteiro do hotel e ele te dirá onde encontrá-los”, nos diz. Explica também sobre as duas moedas e os estudos do Governo para unificá-las (“Um peso convertível vale 24 do cubano e para nós vale muito, pois tudo aqui nos é vendido nessa moeda”). Fala muito sobre a saúde e a educação e quase ao fim quand lhe perguntamos sobre Raul e o futuro, foi claro: “Estamos bem, não queremos e não precisamos passar para o outro lado”.
Ficamos com uma ótima impressão da verdadeira aula ali ministrada. Ela seria de grande serventia para os futuros contatos. Hilda relata sua passagem por Bauru, as aulas na Faculdade da Terceira Idade do SESC e os clubes onde foi dançar. Não aceitamos a carona até o hotel. Queríamos caminhar. Victor nos deixa defronte o Teatro Karl Marx. Tínhamos um longo caminho pela frente. Era nossa intenção andar, vasculhar, fotografar, se perder, perguntar, olhar, cheirar, ver e ser visto. Fizemos isso tudo a cada contato. Por volta das 16h conseguimos chegar na famosa Praça da Revolução e dá-lhe fotos. Na volta para a avenida 23, dois jineteros nos abordam e começamos um longo papo. Comunicativos, vamos dando corda e acabamos num restaurante popular, daqueles instalados em residências. Tomamos morritos, compramos charutos e pagamos muito acima do que valia o que consumimos. Foram convincentes, queríamos ver até onde chegariam, um deles nos disse que o filho havia nascido, comemoramos juntos. Pela simpatia, se dizendo estudantes, fomos todos até o hotel e acabaram ganhando camisetas. Eu dei uma do Azulão do Morro e Marcos, uma do São Paulo FC. Na despedida, na mão de um deles, um folheto de uma igreja evengélica. Quando questionado, me diz que os pastores cubanos são revolucionários. Finjo acreditar e não me atrevo a debater antes de me inteirar melhor.
Escrever sobre Cuba é muito fácil e gratificante. Escrever mal, mais fácil ainda. Bastaria olhar para tudo o que presenciamos com os olhos da maldade. Cuba possui erros mil, defeitos também, como todos os países desse planeta. Não tenho dúvidas de que os acertos superam os erros, compensando tudo, todas as pisadas na bola. É dentro dessa perspectiva que escrevo esse diário. E é com esse pensamento que começaríamos a semana, com um agendamento logo pela manhã.
Continua...