terça-feira, 5 de agosto de 2008

DIÁRIO DE CUBA (07)
UMA CARTA PARA A FOLHA DE SP E OS PRIMEIROS PASSOS NA ILHA
A ilha socialista continua sendo muito mal compreendida. Leio tudo o que me cai às mãos e existem fatos que não podem passar em branco. No Caderno Mais!, da Folha de SP leio algo, escrevendo para o jornal e ombudsman. A carta não foi publicada e a resposta, emitida pelo ouvinte dos leitores foi das mais técnicas: "Obrigado por seus comentários, que estou encaminhando aos editores e à jornalista para que os levem em consideração”.
Reproduzo aqui a carta enviada para o jornal no começo de agosto:“Na matéria de capa do Caderno Mais! (27/07), "Lorca em Cuba", Laura Capriglione, reflete algo a demonstrar uma nova postura no mundo atual, plugado na internet, ao indagar o entrevistado (havia lançado um livro sobre a passagem de Lorca na ilha) em Cuba, com um "como é possível hoje em dia escrever um livro sem a ajuda da internet?". Tudo o que é feito, parece que tem que ter necessariamente a internet como pano de fundo. Isso virou regra e quem foge disso é visto meio como um anormal. Ela pode se dar por satisfeita, pois quebrou a regra, somente tendo a oportunidade de ir entrevistar o escritor em Cuba, e não via internet, como a grande maioria faz hoje, por causa dessa "deficiência" (sic) cubana. Até entrevistas in loco hoje são feitas via internet. Laura quebrou a regra e voltou, dessa forma, a fazer jornalismo (pesquisa, leitura, contato...) como antigamente. Deve ter gostado muito, pois acho até que já devia ter perdido o hábito. E viva Cuba, que nos faz voltar a viver como nos velhos tempos".
Eu quando estive em Cuba sabia muito bem que encontraria um país completamente diferente de qualquer outro. Teria uma enorme decepção se ocorresse o contrário, tudo meio que parecido com o modo capitalista de realizar as coisas. O trato dado a mim quando da revista de minha mochila foi um belo prenúncio do respeito para com o semelhante, algo inimaginável, vindo de alguém aportando de um mundo acostumado com uma polícia que primeiro atira e depois pergunta. Veria muito mais e era exatamente isso o que queria por lá. Confrontar o que vivencio com uma nova possibilidade.Estávamos no primeiro dia, sábado, 08/03, tarde nublada, vento intermitente e forte na orla do Malecón. Fazemos o primeiro câmbio (400 euros dão 545 pesos) e isso duraria um bom tempo. Credenciamos vinte pesos na portaria do hotel para as ligações internacionais e descobrimos que, para nós, turistas o preço é muito maior do que para o cubano (nada mais justo). Controle total nesses gastos, esporádicos dali para frente. Vamos caminhar, aportamos na tão falada sorveteria Copelia (Darcy Rodrigues insistiu muito para que lá estivéssemos).

No meu diário está a seguinte anotação dessa saída: “Todos temos um primeira impressão do que vemos e se essa é a que fica, vamos a elas. Cuba é um país pobre. O hotel está numa região um tanto degradada, pelo menos a parte externa das edificações não apresentando bom estado. Imagino que por dentro tudo seja diferente (e era, constato depois). Vejo pelas ruas muitos jovens reunidos nas esquinas e imagino a dificuldade deles manterem o ímpeto revolucionário. Não abordei nenhum até agora, mas presenciei alguns deles, todos menores, passando garrafas de mão em mão. Vejo uma senhora pedindo esmola, uma só e alguns ambulantes, principalmente comercializando alimentos caseiros. Nos pés daqueles jovens, tênis importados. Esse o primeiro momento”. Descubro depois estar numa região de concentração da juventude mais influenciada pela propaganda externa, muitos restaurantes para estrangeiros. De cara, noto que a permissividade é total, não batendo com o que lia na imprensa brasileira, sobre proibições e perseguições. Vi e presenciei de tudo. Naquele local, a grande concentração de desgarrados, os que querem sobreviver às custas dos dólares dos estrangeiros e optaram por não mais trabalhar. Uma minoria, tudo consentido.

No meu diário está lá: “Na sorveteria Copelia não entendemos a forma de atendimento. Ela fica no meio da praça principal, muitas filas ao redor. Muita gente, todos esperando pacientemente a sua vez. Não conseguimos ser atendidos a contento. Uma fila não andava e numa outra, fomos ignorados. Acho até que furamos a fila. Vamos voltar e entender melhor. Jantamos um spaghetti defronte o hotel, com uma cerveja Cristal e umTukola (uma cerveja e refrigerante cubanos). Gastamos 6,75 pesos. Parei numa feira de artesanato. Acabei constrangido, pois não queria levar nada. Muitos nos abordam perguntando se fumamos. Não quero me decepcionar e sei que na região em que me encontro a concentração de problemas é muito maior do que no restante da cidade e do país. Tudo o que de ruim existe por lá está meio que concentrado no entorno dos hotéis. No hotel, não consigo“tajetas” para internet. “Não tem tarjeta, senhor. Amanhã”. Sigo duas quadras e vou até o Habana Libre, onde ouço: “Internet só amanhã”. Fico vislumbrado com o Cine Yara, cheio de gente em frente. Tiro fotos e fico a consultar a programação. Filmes do mundo todo passam ali, até dos EUA (bem diferente o Brasil, onde quase só passam dos EUA). Volto ao hotel às 21h30,pois amanhã, domingo, a programação começaria bem cedo”.

Continua...

5 comentários:

Anônimo disse...

A Folha não publicou, mas saiu aqui. Como professor e pesquisador, não recomendo o uso da internet para pesquisas sérias. O recomendável, ainda e sempre será a ida a bibliotecas, entrevistas ao vivo, vendo o documento. A internet continua não sendo uma fonte totalmente confiável para pesquisa. Todo pesquisador sério sabe disso. A grande maioria dos livros continuam sendo escritos sem a interferência da internet. Ela só é usada em caso de localização de pessoas, para posterior contato. Valeu pelo toque, muito bem dado.
Pedro de Campos

Anônimo disse...

Vejo pelas ruas muitos jovens reunidos nas esquinas e imagino a dificuldade deles manterem o ímpeto revolucionário. Não abordei nenhum até agora, mas presenciei alguns deles, todos menores, passando garrafas de mão em mão. Vejo uma senhora pedindo esmola, uma só e alguns ambulantes, principalmente comercializando alimentos caseiros. Nos pés daqueles jovens, tênis importados.

Ué, o q tem de diferente e de demais num país comunista? ah vcs viu, se iludem com qualquer coisa.
C.

Mafuá do HPA disse...

meu caro C
Sua observação é válida e feita em muita boa hora.
Em primeiro lugar, demonstra a total liberdade exercida em Cuba e por fim, como fiz questão de ressaltar, uma ínfima minoria se deixa influenciar pelos costumes mais nefastos do lado consumista do capitalismo. Como bem percebi e ressaltarei depois, uma minoria, felizmente.
Henrique, direto do Mafuá

t disse...

Estive por dois meses em Cuba, estudando em Los Baños. É incrível como este relato parece fiel à minha lembrança. A cerveja Cristal e o refri Tukola, os jovens com tênis de marca,as ofertas de fumo, a falta de internet... Concordo, isso é minoria e ocorre em locais turísticos.
Gravamos em Bejucal, un pueblito, lá, sim, os cubanos vivem dignamente, sem a ilusão consumista com que os turistas influenciam os Habaneros.
Discordo apenas de um ponto: no comentário anterior ao meu, disseste que, em Cuba, há total liberdade. Não. Há mais liberdade que eu imaginava quando fui; mesmo assim, está longe de ser total.

Anônimo disse...

Não acredito na foto, o Marcão tomando coca-cola em Cuba? Que é isso?? hahaha brincadeirinha, é tukola mesmo, a legitima de Cuba.
Diego