quinta-feira, 23 de abril de 2009

FRASES DE UM LIVRO LIDO (25)

500 ANOS – UM FAX DE DENISE STOKLOS PARA CRISTÓVÃO COLOMBO
Fui à Feira do Rolo no domingo, 19/04, junto do meu pai. Paramos como sempre faço, na banca de discos do Carioca. Compro um CD por R$ 3 reais. Tomamos os três, uma cervejinha juntos, quando olho junto aos livros espalhados sob uma lona algo que me interessa. Carioca não me deixa pagar o livro (a foto é dele com meu pai e o livro uma edição de 1992, 80 pgs). Trago como um mimo. É uma peça de teatro da Denise Stoklos, escrito de uma só golfada, com um único parágrafo. Dei uma espiada e tive a certeza, iria gostar do texto. Comecei a ler tão logo cheguei em casa. Devorei no mesmo dia, mal assistindo o jogo do Corinthians 2 X 0 São Paulo (semifinal de campeonato). Devorei o livrinho e acho que ele ficará comigo por um bom tempo. Uma baita de uma mensagem. Sintam as frases expelidas pela Denise, no inconformismo que ela não faz questão nenhuma de esconder:

- “Descobrimento da América? Trata-se apenas de um negócio, e acima de tudo válido apenas para alguns. (...) Colombo é somente uma abreviação para a companhia, a firma, a multinacional, a gang que vem tomando conta da América nestes últimos 500 anos. Co de corrupção, L de lucro, O de obsessivos, M de Manter, Bo nós, bobos. Colombo: Corrupção e Lucro Obsessivos Mantêm-nos Bobos”.
- “Colombo chegou aqui trocando espelhinho por ouro, enfeite por tesouro, estabelecendo assim aqui a vigarice como tradição cultural dos que se dão bem, e da qual nunca mais nos livramos. (...) Mudam os estilos, permanecem as bofetadas, estamos cansados”.
- “As velas do naufrágio ético de Santa Maria, Pinta e Niña nos enredam até o pescoço, de onde só podemos sair com ruptura. Pensem na flauta de Hamelim. Outra flauta toca lá fora. Ela se chama dominação, inveja, medo, moda, padrão, alienação e omissão. Toca lá fora e chama”.
- “A celebração do descobrimento da América é um assalto diário, pois traz a essa festa um bolo de aniversário podre, que nos ofende porque cada uma dessas 500 velas neste bolo está acesa com o fogo da queima de nações, do desastre da orientação do que seja comunidade, e feitas de injustiças são as chamas que dessa forma iluminam nosso passado. Desparabéns a América”.
- “... porque ali você está, Colombo, em todo e qualquer conformista, conciliador, oportunista e omisso. (...) Lei de Colombo dando o tom em tudo – exploração, manipulação e mentira. Está tudo claro. Tortura diária, opressão criminosa, abandono social, miséria, fome, violência”.
- “Bispos? Até hoje pede-se que nos rendamos à autoridade de metafóricos bispos, tão culturalmente estranhos a nós. (...) Ficamos com a herança da lição não aprendida: solidificação do medo de exigir justiça entre nós”.
- “Fica muito mais difícil fazer uma revolução num país em que os meios de comunicação estão tão comprometidos em não romper. Não nos pasmamos mais com nenhum horror. Estamos anestesiados”.
- “Eventos culturais são considerados importantes pelo tamanho da publicidade que estão pagando na própria imprensa. Para o resto, não tem espaço. (...) Sacramentaram a figura do atravessador, como em qualquer negócio de drogas: o divulgador, para que vá de redação em redação seduzindo-os, que cultura merece espaço”.
- “Cada jornal, revista, programa televisivo, ao tratar com frivolidade seus espaços, estão escancarando ondas elétricas, estratosfera afora, de baús de infelicidade cheios da nossa dor ao sermos diminuídos na grandeza de nossa humanidade. (...) E se está escrevendo em nome de nossa época uma história tão fútil. Que imprensa é essa que não nutre orgulho pelas realizações artísticas de um brasileiro, como uma mãe?”.
- “Abre-se o jornal dominical, e está lá, capa do caderno e mais duas páginas dentro: A poderosa perua! E os jornalistas que aceitam seus salários ofensivos para trabalhar nesses jornais? E os jornalistas que não saem desses jornais? E esses jornalistas que não se juntam a outros e não abrem outros jornais? Tablóide que fosse, pequeno que fosse, mas ativo”.
- “Cada poltrona vazia num teatro com peça de autor latino-americano tem como padrinho um jornalista latino-americano. (...) Não acredite em ninguém que diz não concordar com a ordem estabelecida. Se discorda mesmo, junto a sua declaração deixa de servir, vem a ser deixa de mudança. Desculpa de impossibilidade, de escravidão, é saída pelos fundos de quem anda em marcha à ré. Declarar-se contrário a critérios, mas a ele obedecer é ser agente deles”.
- “Engolem sapos no esôfago e coaxam: “Não concordo, mas. Não concordo, mas”. E não saem do banhado conciliação, atolados em uma mentirosa e aparentemente confortável impostura de discordância, contestação que veemente mente sobre si. Ilude-se de ser mais difícil cair fora que permanecer dentro em discordâncias. Deram nome de realidade ao medo”.
- “Os que não têm rabo nem cabeça presos não se ofendem, vibram pelo convite à incitação de ação, vão a ela, vamos a ela. Discorda-se, mas ninguém transgride as normas, as regras, os padrões, as leis. Abordar um assunto pelas bordas, roçar em um assunto virou a melhor maneira de evitá-la”.
- “Jornalistas brasileiros, esses profissionais intelectuais, viraram serviçais dos boçais: metem-lhes por trás, coitados, literalmente, e gostam, porque não fazem nada para mudar. Covardes”.
- “Uma compra semanal de uma família de classe média alta no supermercado é o valor do salário mensal da mocinha do caixa do supermercado. Que sistema é esse? (...) E eleições aqui não significam idéias, mas dinheiro”.
- “Opto pelo caminho subliminar, o caminho do rato que rói a roupa de todos os reis da Romaebrasília, a acidez pela contraproposta. Estou fora dessa lei de Colombo. (...) Vivemos desolação e demolição. Estouro de esgoto. Haverá bóias, há de haver. (...) De queda de Bastilhas ou impulsos de partidas, mas certamente, resistência sempre, e atendo. Brasileiro, a ordem é escancarar a ordem. A ordem é desordem”.
- “Os professores mal conseguem sobreviver para ensinar, ensinam a troco de dor, seu apagamento mensal. Obscureceriam-se as massas encefálicas se o professor enxergasse. Mas é cego. Só vê a chama de Prometeu acenando esperança. Entrega o fígado aos corvos da hepatite econômica. E vida afora, chora de miséria pelos caminhos até suas aulas, chora de pena, a pena dos Prometeus seus padroeiros”.
- “...a mensagem, a correspondência, o recado do senso comum, do sistema estabelecido, a moda, a mentira. Hipocrisia, nós jogamos dentro do vaso sanitário e damos a descarga”.
- “No Brasil, comunicação é televisão, televisão é telenovela, telenovela é aparência, candidato bonito, eleito. E os publicitários que vendem seu trabalho aos candidatos como a uma geladeira – sem dimensão política de que geladeira ou candidato são mentalidades no poder – são eles também os responsáveis pelo desgoverno. (...) Prestígio aqui categoriza apenas quem funciona melhor dentro da proporção direta de fazer a maior quantidade de dinheiro no menor tempo, nenhum outro valor”.
- “Hoje, qualquer atitude que não contenha em si questionamento, intolerância, provocação ou urgência, é em si colaboracionista da situação que está aí. (...) os sinais que vieram com Colombo eram maus. E eram permanentes”.
- “Tudo é político: de quem você aceita seu pagamento mensal, o que você propaga com sua atitude corporal, o que você faz de sua voz. Tudo é política. Como você coloca a mão no seu bolso. O jeito que você sorri. Como você paga sua passagem de ônibus, o tratamento que você dá às ruas de uma cidade, a uma árvore, a um animal, sua auto-depreciação. É tudo política. Gente que com seu trabalho contribui diariamente para a manutenção da direita no poder, durante campanhas eleitorais trabalha para partidos ditos de esquerda. Impostura? (...) Quero um impeachment amplo e irrestrito para toda a direita. Impeachment para todos os figurões, políticos profissionais, oportunistas. (...) Eu quero idéias. Eles não querem o que nós queremos. Ilusão de ética. Ilusão de temática”.
- “Eu quero minha boca sempre bem aberta para falar sempre o que reflito e para que entrem as moscas, pois entrego meu organismo vivo para digeri-las e assim transformá-las num adubo que transforma e transforma e transforma”.
- “Somos um povo pacífico que não faz guerra, apesar de toda essa situação insustentável porque está sempre muito ocupado. Ocupado fazendo amor. Está sempre amando, namorando, no maior love”.
- “Cava-se, cava-se, cava-se, o buraco aumenta, nunca soube, mas, construir precipício é enfim a glória. (...) Eu mesma pago e crio outros e próprios meios para divulgar idéias em que creio. Não dependo de nenhum meio de comunicação instituído. Não tenho medo de nenhuma espécie de boicote, porque nunca estive interessada em carreira, mas na busca da verdade essencial. Sou livre. Você também é. Graças à vida”.

Eu tô de cara! Não consegui digerir isso tudo de uma só vez. Conhecia a Denise (http://denisestoklos.uol.com.br/), mas não essa sua linha de pensamento tão a fundo. Fiquei maravilhado e deslumbrado. Foi um soco bem dado no meu estômago. Erros, acertos, a saída é só uma. Resistir, resistir e resistir, sempre. E não se vergar e muito menos fazer acordos com a parte contrária.
OBS.: As charges do argentino REP (www.miguelrep.blogspot.com) caem como uma luva para esses textos, daí estarem aqui. Cliquem neles e eles se ampliam na tela.

Um comentário:

Anônimo disse...

HENRICÃO

As frases destacadas são PÓLVORA pura. Uma boa estocada nos acomodados, os que se dizem do lado de cá, mas continuam com um pé do lado de lá. E aqueles que sempre estiveram lá, adoram se dizer de cá, mas o que fazem mesmo são negócios. Tem legendas partidárias em Bauru (no Brasil ineiro) com gente dessa laia.

Adorei a Denise. Nunca assisti nada dela ao vivo. Com um discurso desse e com a mente de nossas casas de shows acho que não vem nunca.

ROSANA