Nas palavras de sua amiga, Teresa Parodi, um resumo do sentimento de muitos:
“…Mercedes, salmo en los labios
amorosa madre amada
mujer de América herida
tu canción nos pone alas y hace que la patria toda
menudita y desolada no se muera todavía,
no se muera porque siempre cantarás en nuestras almas…”
“…Mercedes, salmo en los labios
amorosa madre amada
mujer de América herida
tu canción nos pone alas y hace que la patria toda
menudita y desolada no se muera todavía,
no se muera porque siempre cantarás en nuestras almas…”
"Mercedes era una cosa Sosa./ Con mayúscula, digo: tucumana/ cantora sola, voz soberana,/ clase de una, negra y golosa.
Pero ante todo, fue generosa/ con el verso y la oreja americana./ Nos cantó a don Ata y a la hermana/ Violeta, al Cuchi y a Zitarrosa.
Mercedes hizo su destino en vida./ Más allá del aplauso y de la fama/encarnó a la Tierra. Confundida/ en piedra y consumida en llamas/ queda la imagen final, tan parecida/a un Buda criollo, a la Pachamama".
MEMÓRIA ORAL (73)
O PASSADO DE NOVO HORIZONTE GUARDADO NOS FUNDOS DE UMA CASA
A história que começo esse texto se passou há uns 15 anos. Estava vindo de carro de Catanduva com destino a Novo Horizonte e no trevo um senhor, já com certa idade a pedir carona. O levo e se inicia ali algo a emocionar. Fui conhecer seu trabalho e suas atividades. Esse senhor é JOÃO ANTONIO VAZ e o que me mostrou acabou por me marcar ao longo desses anos. Mantinha como podia uma pequena empresa de encadernação, tudo num local apertado, defronte sua residência, na avenida da Saudade 200, quase no centro de Novo Horizonte (112km de Bauru). Passei por ali mais algumas vezes e numa das últimas, diante daquele rico material, constituído de mesas com tipos, prensas, guilhotinas de papel, faz um desabafo a me marcar: “Quando se for, tudo se perderá, pois meus filhos, cada um seguiu um caminho diferente. Nenhum seguirá fazendo o que faço”.
Nas vezes seguintes, ao passar por ali ao longo desses anos, presenciava a porta fechada ou ocupada com outra atividade (na parede está inscrito ter sido utilizado por uma Tapeçaria). Triste, passava rápido pelo local, não querendo saber da consumação de algo que estava mais do que previsto. Dessa vez (02/10/2009), não resisti e pouco antes do almoço, pergunto sobre ele e para minha surpresa, residia ainda na casa, não exercia mais a antiga profissão, mas resistia ao tempo. Bati palmas e quem me aparece no portão é o próprio seu João, com 84 anos, um aparelho de surdez nos ouvidos, arrastando os pés, reclamando da precária saúde (havia tido um derrame três anos atrás) e dos parcos rendimentos (vive com pouco mais de um salário mínimo). Ao me ver, iniciarmos um bate-papo onde se recorda de tudo, da carona, das passagens por ali e constato possuir ele uma memória muito mais ativa que a minha.
Sentamos na sua pequena área e ele me conta sobre os últimos anos. “Aqui na cidade abriu uma outra firma de encadernação. Estava velho, cansado, vendi minha máquina para ele. Usou e depois de um tempo me devolveu. Não tinha mais o que fazer com aquilo e acabei dando de presente a ele”, começa seu relato. No salão onde era a encadernadora me mostra um equipamento completo para chaveiro e uma guilhotina de papel, criação dele, para facilitar seu serviço. “Engraxei ela outro dia. Ela é uma variante de um modelo que vi num tipógrafo. Aquele tinha que dar um golpe muito grande para cortar o papel. Vi outro modelo em Catanduva, juntei tudo e com um pouco de um e pouco de outro, fiz a minha”, prossegue com a voz pausada e com paradas para evitar o cansaço.
A mesa de tipos é uma raridade, muito requisitada por colecionadores, para exposições. A dele está impecável e ao me mostrar as caixas com os tipos, ainda todos muito bem organizados em pequenas divisões, fico extasiado com sua organização e por não deixar isso tudo se perder, se espalhar. Faz questão de retirar todas e ir me mostrando:“Esse tipo é um manuscrito, modelo 20, novinho, praticamente não usei. Esse outro é o 60, o 16, 48, 8, 36. Não sei quanto pode valer isso hoje em dia. Cheguei a pensar em montar um museu, mostrar isso para os meninos. Mas não estou mais ligando mais para isso. Na verdade, nem sei se aqui na cidade existe um museu”.
Nisso quem aparece na porta é a esposa, Pedrinha Lucianetti, 81 anos e me diz que completaram semana passada 61 anos de casados. Ela é de poucas palavras, vem só observar o que seu marido anda fazendo e lhe chamar para o almoço. Aproveito para perguntar dos filhos. Diz ter seis e todos envolvidos nos seus próprios negócios. O mais velho possui uma loja de material agropecuário. Não para de mostrar as peças. “Essa aqui usava para regular a largura da capa. Ninguém mais possui algo igual. Hoje tudo é computadorizado, mas isso não pode ser perder, ser jogado fora. Os tipos manuscritos estão todos perfeitinhos, são raridades, peças únicas, não se fabrica mais isso”, me diz.
Fechamos o quartinho e quer me mostrar um barracão onde guarda outras raridades, aos fundos da casa. Diante de um local, com peças entulhadas por todos os cantos, seus olhos brilham e circula por ali, pegando suavemente em cada peça, a lhe trazer recordações. “Fiz portas e batentes para uma indústria daqui. Criei uma máquina com motor, com uma serra acoplada para cortar tamanhos iguais”, prossegue. No barracão fico sabendo que além de encadernador foi também marceneiro (uma bancada com todas as peças é outra raridade lá encontrada). Uma peça chama a atenção, é uma prensa de ferro fundido, usada para prender os papéis antes do corte. Hoje, muitas iguais são encontradas como peças de decoração em afamados escritórios e entradas de firmas. Seu João mostra outras e muito mais.
Ao lado, num outro quartinho, mais uma novidade. Ele também foi uma espécie de alfaiate, mantendo até hoje uma máquina de costura, rolos e rolos de papéis de presente e revistas variadas sobre o tema, além de uma mesa com todo o material que utilizou. “Essa escrivaninha tem mais de 60 anos e essa máquina, veja, que adaptei e a deixei com um tamanho maior, para não ter que dobrar as roupas. Fiz muitas camisas e cuecas por aqui”, diz na seqüência. Ao abrir uma gaveta reencontra uma caneta Parker 51, daquelas que escreve seco com tinta líquida e tampa folheada a ouro. Diz querer vender, como muita das ricas peças ali encontradas. “Você me ajudaria a vender algumas dessas coisas?”, me pergunta.
Sua esposa o chama para o almoço e eu aproveito para as despedidas. Mesmo vendo-o ali, diante dos meus olhos, a situação me foi constrangedora. Acredito que poucos na cidade imaginam a existência de peças com alto valor histórico ali naquele pequeno espaço. Não só uma parte da história da cidade, mas muito mais que isso, um importante morador da cidade, esquecido e vendo sua história se esvair no tempo. Contar e reviver isso faz parte da valorização de um passado, que não deve ser esquecido. Isso ser vendido a compradores diversos é uma hipótese, mas não a mais inteligente. Imagino ver aquilo tudo, num rico espaço cultural, com indicações de sua utilização e conservado para a posteridade. Eu, que não sou comerciante de peças antigas, meu interesse é pela preservação das peças e da história das pessoas, como a do seu João. Deixo um alerta para todos de Novo Horizonte: cuidem daquilo, olhem para aquele rico acervo com o devido carinho e atenção. Suas peças e mais que isso, ele e sua história merecem um lugar de reconhecido destaque. Novo Horizonte lhe deve isso.
A história que começo esse texto se passou há uns 15 anos. Estava vindo de carro de Catanduva com destino a Novo Horizonte e no trevo um senhor, já com certa idade a pedir carona. O levo e se inicia ali algo a emocionar. Fui conhecer seu trabalho e suas atividades. Esse senhor é JOÃO ANTONIO VAZ e o que me mostrou acabou por me marcar ao longo desses anos. Mantinha como podia uma pequena empresa de encadernação, tudo num local apertado, defronte sua residência, na avenida da Saudade 200, quase no centro de Novo Horizonte (112km de Bauru). Passei por ali mais algumas vezes e numa das últimas, diante daquele rico material, constituído de mesas com tipos, prensas, guilhotinas de papel, faz um desabafo a me marcar: “Quando se for, tudo se perderá, pois meus filhos, cada um seguiu um caminho diferente. Nenhum seguirá fazendo o que faço”.
Nas vezes seguintes, ao passar por ali ao longo desses anos, presenciava a porta fechada ou ocupada com outra atividade (na parede está inscrito ter sido utilizado por uma Tapeçaria). Triste, passava rápido pelo local, não querendo saber da consumação de algo que estava mais do que previsto. Dessa vez (02/10/2009), não resisti e pouco antes do almoço, pergunto sobre ele e para minha surpresa, residia ainda na casa, não exercia mais a antiga profissão, mas resistia ao tempo. Bati palmas e quem me aparece no portão é o próprio seu João, com 84 anos, um aparelho de surdez nos ouvidos, arrastando os pés, reclamando da precária saúde (havia tido um derrame três anos atrás) e dos parcos rendimentos (vive com pouco mais de um salário mínimo). Ao me ver, iniciarmos um bate-papo onde se recorda de tudo, da carona, das passagens por ali e constato possuir ele uma memória muito mais ativa que a minha.
Sentamos na sua pequena área e ele me conta sobre os últimos anos. “Aqui na cidade abriu uma outra firma de encadernação. Estava velho, cansado, vendi minha máquina para ele. Usou e depois de um tempo me devolveu. Não tinha mais o que fazer com aquilo e acabei dando de presente a ele”, começa seu relato. No salão onde era a encadernadora me mostra um equipamento completo para chaveiro e uma guilhotina de papel, criação dele, para facilitar seu serviço. “Engraxei ela outro dia. Ela é uma variante de um modelo que vi num tipógrafo. Aquele tinha que dar um golpe muito grande para cortar o papel. Vi outro modelo em Catanduva, juntei tudo e com um pouco de um e pouco de outro, fiz a minha”, prossegue com a voz pausada e com paradas para evitar o cansaço.
A mesa de tipos é uma raridade, muito requisitada por colecionadores, para exposições. A dele está impecável e ao me mostrar as caixas com os tipos, ainda todos muito bem organizados em pequenas divisões, fico extasiado com sua organização e por não deixar isso tudo se perder, se espalhar. Faz questão de retirar todas e ir me mostrando:“Esse tipo é um manuscrito, modelo 20, novinho, praticamente não usei. Esse outro é o 60, o 16, 48, 8, 36. Não sei quanto pode valer isso hoje em dia. Cheguei a pensar em montar um museu, mostrar isso para os meninos. Mas não estou mais ligando mais para isso. Na verdade, nem sei se aqui na cidade existe um museu”.
Nisso quem aparece na porta é a esposa, Pedrinha Lucianetti, 81 anos e me diz que completaram semana passada 61 anos de casados. Ela é de poucas palavras, vem só observar o que seu marido anda fazendo e lhe chamar para o almoço. Aproveito para perguntar dos filhos. Diz ter seis e todos envolvidos nos seus próprios negócios. O mais velho possui uma loja de material agropecuário. Não para de mostrar as peças. “Essa aqui usava para regular a largura da capa. Ninguém mais possui algo igual. Hoje tudo é computadorizado, mas isso não pode ser perder, ser jogado fora. Os tipos manuscritos estão todos perfeitinhos, são raridades, peças únicas, não se fabrica mais isso”, me diz.
Fechamos o quartinho e quer me mostrar um barracão onde guarda outras raridades, aos fundos da casa. Diante de um local, com peças entulhadas por todos os cantos, seus olhos brilham e circula por ali, pegando suavemente em cada peça, a lhe trazer recordações. “Fiz portas e batentes para uma indústria daqui. Criei uma máquina com motor, com uma serra acoplada para cortar tamanhos iguais”, prossegue. No barracão fico sabendo que além de encadernador foi também marceneiro (uma bancada com todas as peças é outra raridade lá encontrada). Uma peça chama a atenção, é uma prensa de ferro fundido, usada para prender os papéis antes do corte. Hoje, muitas iguais são encontradas como peças de decoração em afamados escritórios e entradas de firmas. Seu João mostra outras e muito mais.
Ao lado, num outro quartinho, mais uma novidade. Ele também foi uma espécie de alfaiate, mantendo até hoje uma máquina de costura, rolos e rolos de papéis de presente e revistas variadas sobre o tema, além de uma mesa com todo o material que utilizou. “Essa escrivaninha tem mais de 60 anos e essa máquina, veja, que adaptei e a deixei com um tamanho maior, para não ter que dobrar as roupas. Fiz muitas camisas e cuecas por aqui”, diz na seqüência. Ao abrir uma gaveta reencontra uma caneta Parker 51, daquelas que escreve seco com tinta líquida e tampa folheada a ouro. Diz querer vender, como muita das ricas peças ali encontradas. “Você me ajudaria a vender algumas dessas coisas?”, me pergunta.
Sua esposa o chama para o almoço e eu aproveito para as despedidas. Mesmo vendo-o ali, diante dos meus olhos, a situação me foi constrangedora. Acredito que poucos na cidade imaginam a existência de peças com alto valor histórico ali naquele pequeno espaço. Não só uma parte da história da cidade, mas muito mais que isso, um importante morador da cidade, esquecido e vendo sua história se esvair no tempo. Contar e reviver isso faz parte da valorização de um passado, que não deve ser esquecido. Isso ser vendido a compradores diversos é uma hipótese, mas não a mais inteligente. Imagino ver aquilo tudo, num rico espaço cultural, com indicações de sua utilização e conservado para a posteridade. Eu, que não sou comerciante de peças antigas, meu interesse é pela preservação das peças e da história das pessoas, como a do seu João. Deixo um alerta para todos de Novo Horizonte: cuidem daquilo, olhem para aquele rico acervo com o devido carinho e atenção. Suas peças e mais que isso, ele e sua história merecem um lugar de reconhecido destaque. Novo Horizonte lhe deve isso.
11 comentários:
Henrique,
toda vez que leio estes seus artigos me emociono. Obrigada por interessar-se por coisas que significam nossa vivência humana, quando muitos querem sufocá-las porque, possuem conhecimentos que tiram da cegueira muitos brasileiros desavisados.
Abraços,
Profa. Terezinha Zanlochi
Bom dia!
Muito bom sua postagem, eu q moro em Novo Horizonte e trabalho no Jornal Liberdade (local), não tinha conhecimento dessa rica historia! você foi muito feliz em destacar!
vc teria essas fotos? teria como vc me mandar? MSN talles.freitas@hotmail.com
Henrique,
Maravilhosa a história do encadernador, principalmente para nós que gostamos de livros.
Profissão em extinção?
Por que alguem não compra a oficina deste homem e a transforma em um belo museu, organizado? Cadê o poder publico, a cultura nessa hora?
a oficina me pareceu preciosissima.
Quanto a você, repito, monte um livro com tais preciosidades.
Abraços
Ignacio de Loyola Brandão
Oi Henrique! Você está cada dia melhor!!
Infelizmente o jornalismo perdeu o amor pelo detalhe, pelo indivíduo da história a ser contada. Hoje apenas temos um arrazoado de notícias que desumanizam ou que exploram demais as agruras cotidianas... Parabéns!!
Abração
W.Leite
HENRIQUE,
parabéns pela riqueza de detalhes do "velhinho" guardador de memória.
Conhece o arquivo do Gabriel ? Parte está no Núcleo de História e parte está com ele em casa.
Esta semana irei visitá-lo, para ver no que está trabalhando (apesar da idade avançada).
seu professor Muricy Domingues
(Não se esqueça do lançamento do meu livro de Turismo Histórico?)
Meu caro Henrique, que prazer saber de suas dscobertas....
você é um garimpeiro e sempre nos apresenta pepitas de raro brilho e valor...
que beleza!!
Saúde e Paz para você e
todos nós...
quando for falar com o Levi, quero ir também... fico até o dia 24 aqui em bauru!
NICODEMOS
Henrique, você que anda muito por aí, inclusive por Novo Horizonte, mandou este email para a prefeitura local ou jornais da cidade?
Um abraço do Francisco Bonadio Costa (São Paulo - capital)
Gente,
Obrigado a todos. Esse resgate de histórias de pessoas esquecidas, relegadas a um segundo plano, mas possuidoras de uma rica história é algo que gosto e farei até quando puder.
Fiz sim, alguns contatos por e-mail, enviando texto para Novo Horizonte e as respostas foram altamente positivas. Nem sei se já procuraram oseu João, mesmo antes dele ler o texto.
A solução, a melhor de todas é a que o amigo e escritor Ignácio de Loyola Brandão preconiza aqui. A sensibilidade do poder público lá de Novo Horizonte tem que existir não só no resgate e manutenção das peças, como numa forma de conseguir ressarcir o proprietário das mesmas. Esperar que uma pessoa, nas condições em que o seu João se encontre, ainda doe tudo é também uma falta de respeito. Acho que isso não acontecerá.
Vamos atualizando os acontecimentos por aqui.
Henrique, direto do mafuá
Henrique
que maravilhosa história de vida! que legado para Novo Horizonte está deixando o seu João. Esperemos que cuidem com tanto carinho dessas preciosidades como ele o fez até agora.
Marisa F
Henrique:
Parabéns, mais uma vez... você deveria enviar para a câmara de vereadores ou algo assim, se é que irão dar o devido valor que isto realmente tem.
Valéria Amantini
Olá Henrique. Muito obrigado por fazer esta postagem sobre o meu avo. Gostaria de comunicar que ele faleceu hoje, devido a problemas cardiacos.
Um grande abraço e tudo de bom pra vc.
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