sábado, 31 de outubro de 2009

DIÁRIO DE CUBA (40)

ERNESTO, REINALDO, MUSEU ANTONIO MACEO, NOVELAS BRASILEIRAS...
Relato a parte da tarde e noite do dia 02/03/2008, sexta-feira, Santiago de Cuba. Após andanças matinais pelo porto, ouvirmos crianças cantando e declamando e conhecermos uma academia de boxe, na volta paramos numa praça, bem no centro da cidade, tudo com o intuito de descansar. Um senhor se aproxima e vem cantar uma canção falando de Che Guevara. Queria uns pesos, mas mais que isso, queria também conversar com alguém disposto a escutar suas histórias. Sentado ao nosso lado, um senhor negro, forte e simpático, seu Ernesto. Na seqüência ficamos sabendo sua idade, 62 anos. Também quer falar: “Seguimos por toda a vida o exemplo de Fidel. Ele é um verdadeiro guia para o povo cubano. Querem asfixiar Cuba, isolar nosso país, mas não conseguem e nunca conseguirão. Para mudar nosso destino, só mesmo invadindo a ilha e isso é muito difícil. O povo cubano é muito unido e se levanta rapidamente”. Ernesto foi chofer de ônibus urbano por 38 anos, conheceu pessoalmente Che e Fidel, quando criança. Empunhou armas e relembra um fato ocorrido com Che nas montanhas, ali pertinho de Santiago. Vinha com sua arma deteriorada pela salinidade do mar, quando Che, percebendo o fato lhe alertou. Passou a cuidar mais dela, pois “o fuzil deveria ser tratado como a uma mãe”. Fala também da juventude: “Todos nossos jovens são muito bem educados, com a consciência da luta, pois a primeira providência de Fidel foi com a educação”.

Não demorou muito e veio juntar-se a nós, Reinaldo, 60 anos. Participa da conversa e relata que sua esposa está na Venezuela, é médica e cumpre uma missão de cinco anos fora do país. Diz que também já esteve em missões externas, mas problemas cardíacos o fizeram se aquietar. Ressalta que Cuba “é o que é hoje pela cultura, pela educação”. Saiu conosco a caminhar, até a entrada de uma museu, a casa do revolucionário cubano Antonio Maceo, datada de 1802. Maceo nasceu em 1845 e morreu em combate, em 1896. Na entrada uma inscrição: “La libertad se conquista com el filo del machete, no se pede”. No atendimento logo na entrada, a simpática Inês Maria e a jovem Nilze, que muito bem treinada, percorre conosco todo o museu e explica cada detalhe. Recebemos uma aula sobre esse herói do povo cubano. Num certo momento ela, diante de uma frase de Maceo num banner nos diz: “Gosto especialmente dessa passagem”. Ela não só reproduzia aquilo tudo, mas vivenciava cada explicação. Com Inês Maria se deu a mesma coisa. Não queríamos mais sair dali. Elas não só entendiam a verdadeira missão de um museu, como entendiam do que estavam falando, a história e importância do local e da preservação daquele rico acervo para a preservação histórica de um povo.

Depois tentamos encontrar a casa de outro revolucionário, Frank Pais, esse morto durante a revolução. Muitas homenagens em seu nome pela cidade e a tal casa está “cerrada” para reforma. Seu nome está inscrito bem no alto de um morro, avistado por todos na parte baixa da cidade. Seguimos até o centro, onde almoçamos um belo espaguete, eu com uma cerveja e Marcos, com um “tu cola”. Eram 16h quando retornamos para um breve descanso. Meus pés agradeciam, pois estavam a latejar. Uma soneca reparadora. Na nova saída, circulamos pelas lojas centrais e uma balconista pergunta para Marcos: “Os artistas brasileiros andam pelas ruas?”. “Não”, foi a resposta dele, “eles não circulam, até se isolam, com medo do contato com o povo”. Ela assustada diz: “Pois os nossos circulam e são facilmente encontrados no meio de nós”. Relato isso, pois é inevitável a cada parada, quando ficam sabendo de nossa procedência, a abertura de um vasto sorriso, dizendo serem fãs de nossas novelas. A todos explicamos que realmente são bonitas, mas pouco refletem a realidade brasileira”. Notamos um certo ar de decepção.

Saio só no final da tarde. Defronte o Cine Cuba, 18h, o filme “Lola”, espanhol e às 20h, “Camino a Éden”, um cubano/espanhol. Continuo com vontade de adentrar, mas sigo meu caminho, andando e observando letreiros, escutando conversas. Fotografo uma frase de Fidel na porta de uma casa (Revolución: Es convicción profunda de que no existe furza en el mundo capaz de aplacar la fuerza de la verdad y las ideas...) e um grupo musical na porta de um restaurante, com um imenso órgão junto deles, num local aberto as 24h do dia. Um anfiteatro, um vendedor de frutas, expondo uma espécie de mamão meio diferente para mim, uma camiseta religiosa numa vitrine, tudo me interessa. Após o banho, assistimos o Mesa Redonda na TV, sobre a participação cubana na África: a luta pela libertação do Congo, com a participação do Che, a luta de Lumumba e a continuação com Kabila e Guiné-Bissau sob a liderança de Amílcar de Castro. Jorge Risquet Valdes, o cineasta produziu algo vibrante. Desço para comprar lanches e na praça defronte o hotel, um evento de música eletrônica. Prefiro descansar para o dia seguinte e continuo assistindo TV, dessa vez sobre a destruição do “malecón” numa cidade ali perto, Baracoa. Os efeitos do mar por lá foram devastadores. Iríamos passar por lá e não o fizemos, permanecendo quatro dias em Santiago, devido dificuldades nas reservas nos hotéis e algo a nos inquietar, a grana começava a rarear. Um belo sábado estaria a nossa espera e essa sexta foi das mais emocionantes, pois as conversas realizadas hoje nos marcaram profundamente, servindo também para revigorar a certeza de que um novo mundo é mais do que possível, pois ele já existe. Esse contato com o povo cubano é algo a nos enriquecer. Aguardem o próximo relato.

5 comentários:

Anônimo disse...

Esse negócio de Cuba é um tanto cansativo. Parece interminável, sempre a mesma coisa. Se é tão bom assim, por que continuas por aqui? Não quero ser agressivo, mas parece gostar pouco do Brasil. Aqui temos de tudo e com muita fartura. Por que não lutamos para mudar esse país e não ficarmos enaltecendo coisas de fora, experiências que nada tem a ver com o que vivemos. É só um toque.

Lemos de Brito
sou de São Paulo e leio por procurar Diário de Cuba na internet

Anônimo disse...

Caro Lemos,

Fiz essa viagem a Cuba com o grande amigo e camarada Henrique e posso dizer que cansativo é ter que ficar sempre debatendo em cima de criticas vazias a respeito deste lindo país.
Se estamos aqui é porque ainda estamos presos a alguns compromissos desta louca vida imposta por um sistema explorador, mas um dia estaremos livres a viver em Cuba.
Presenciar experiencias como a revolução cubana é sentir o quanto as nações do mundo, a humanidade poderiam ganhar com a alternativa revolucionária.
Infelizmente o processo histórico do Brasil não permitiu e não permite hoje uma alternativa dessas, dizer o contrário é viver longe da realidade histórica.
De fato nosso país tem de tudo e com muita fartura, mas nas mãos de quantos estão essas riquezas do país??? Lutar no Brasil no dia a dia sim, mas sabendo que formula mágica e milagres não existem. É só um toque.

Marcos Paulo
Comunismo em Ação

Henrique disse...

caro Lemos de Brito

Se faz criticas sobre esse "cansativo" negócio de ficar falando de Cuba, por que procuras na internet algo sobre Diários de Cuba? Deves ter alguma curiosidade mórbida ou estás, como nós, a procura de uma alternativa, de uma real possibilidade de um outro mundo. Em Cuba isso é possível, daí resultando as críticas que tanto nós todos lemos por aqui.O capitalismo não aceitará nunca, um país viável como Cuba e não consumista. Bato nessa tecla sempre. O Diário, para seu deleite deve continuar por mais uns 20 capítulos, dois por mês.

Anônimo disse...

Henrique e Marcos

Se Cuba já é tudo isso que vocês tanto afirmam e nós não, acho que seria mais interessante e revolucionário agir como Che e lutar por aqui, tentar alterar a ordem das coisas aqui e não ir para lá, onde vocês dizem tudo jáestá concretizado. Que me dizem disso?

Lemos de Brito

Anônimo disse...

Caro Lemos, posso falar por mim e pelo camarada Henrique, pois nós vivenciamos já muita coisa juntos.
Já abrimos mão de muita coisa em nossas vidas para lutar por um ideal e continuamos a fazer com muito suor e tb já nos decepcionamos com muitas coisas tb, se Cuba não fosse isso seriamos os primeiros a rever certos conceitos.
Quanto a ser como o Che, procuramos faze-lo diariamente, agora não podemos ser um bando de lunáticos, tirar os pés da realidade e achar que na atual conjuntura de nossa sociedade é possivel uma luta revolucionária, e assim como o Che, somos internacionalistas, defender a revolução cubana e dedicar parte de nossas vidas a ela, é um direito e dever que o Henrique e eu temos e não abrimos mão.

Marcos Paulo
Mov. Comunismo em Ação