quinta-feira, 13 de maio de 2010

FRASES DE UM LIVRO LIDO (36)

‘TOCAIA’, O LIVRO DO PERCY AOS TRINTA DIAS DE SUA MORTE
Como havia escrito aqui anteriormente, pouco antes de morrer Percy Coppieters, meu dileto amigo, entregou-me alguns mimos. Presenteou-me com uma coleção de livros em espanhol de Pablo Neruda, uma tela autografada e a última edição que ainda possuia do seu livro de poemas, o “TOCAIA” (edição do autor, 2º edição, 1979, 82 páginas). Isso ocorreu uns vinte dias antes de nos abandonar e aqui faço uma ‘mea culpa”. Deveria ter lido o livro antes de seu falecimento (08/04), pois geraria uma conversa altamente interessante com seu autor. Não o fiz e a conversa agora, tento travar com quem me lê aqui neste espaço. Do livro, cumpri algo que havia prometido. O entreguei para Valéria Villaça, sua companheira até o último momento, que o guardará com o devido carinho (promete tirar algumas cópias aos interessados). Lendo sua poesia me certifico de que conhecia pouco do Percy desbravador, inconformado e avassalador cidadão, tão em falta hoje em dia. Do livro, frases esparças, que mostram um pouco da linha de pensamento do irriquieto Percy:


- “entre tantas outras coisas que fui perdendo pelo caminho/ até aqui, marinheiro dos charcos, sem família,/ amigos desaparecidos em barras de silêncios,/ desde um dia, uma semana, um mês, um ano, uma vida inteira...”
- “Grande bosta essa faca de dois gumes que justiça tudo com as próprias fezes!/ A noite fica medonha cada vez mais/ nas sombras detrás dos muros existe medo/ detrás do medo a cagueira do forte e falso mandão!/ Carreguemos no mesmo lombo as dores e duras penas dos feitores!”
- “tenho um maldito ódio por saudar a mesma vida que faz prisioneiros/ no fogo que cresce muitas línguas sob meus pés!”
- “são poucos os capazes de empunhar verdades/ como aqueles que empunham fuzis e metralhadoras/ que se enchem de punhados de terra ensanguentada./ Oh suprema vergonha dos burgueses eunucos!...”
- “ainda que cagados de medo daquilo que veste preto no escuro/ devemos lutar sempre com nossas camisas suadas, nossas feridas/ de aço ferro metais longos e duros...”
- ...eles se levantam no breu/ com suas armas cheias de palavras e forças!/ estão soltos com seus livros dia-a-dia/ corações valentes plantando sempre rosas de liberdade/ para aveludar também o descanso dos culhões dos medrosos!/ As mais solenes merdas aqueles que não vão contra as tocaias”.
- “verdade, a vida está horrível carquejando/ desse jeito sem as antigas vocações/ de solidariedade!/ ah, nada como o bando de rapazes atrozes/ que costumam sacar da cintura a navalha/ de talho em talho, ir dizimando a canalha,/ retalhando recalques, decifrando as rodinhas!” (essa minha preferida - Nota do HPA)
- “...porém muito mais feliz ficamos ao começar defecar pelo papel/ nossas lágrimas amargas de agora sobre aqueles/ desonrados que venderam a Pátria inteira e seus filhos!”
- “a pátria vencerá, porém tantos são os homens menores/ que nunca se levantaram!”
- “conheço as veredas desprezadas da vida/ que não levam a lugar nenhum/ e nos pernoita de surpresa no mato”.
- “uma pátria na latíndia américa, vaga, sonolenta/ e aflita, aos borbotões de múmias perplexas./ párias sem redenção!”
- “liberdade não é apenas uma promessa discreta!/ liberdade é tudo aquilo que não conheçemos aqui...”
- “o poeta morre de fome/ a poesia arrasta-se em vida/ glorifica depois de morto/ o poeta posto”.
- “Ei companheiro, sete palmos te esperando/ e a força do campo inerte ainda...”
- “somos naturalmente idiotas/ por acreditar que um dia vai chegar/ o dia de falar tudo”.
- “hora por hora inventamos estrelas/ criamos versos, ficamos certos que somos loucos”.
- “difícil a profissão de poeta sem esperanças/ de falar um montão de tentação!”
- “importa muito saber regressar bem para plantar o canto importante/ que trago em minhas mãos calejadas”.
- “num momento que é quase o último e nós estamos aqui/ nesta américa latíndia vivendo por viver,/ num momento que vivemos porque sentimos que ainda há/ alguma lasca de vida por viver,/ num momento tão crítico que ainda resta alguma mísera sobrevivência/ de herói e não nos libertamos nenhum, momento para sentirmos sempre/ o último momento de sobrevivência de uma vida por viver/ em liberdade,/ nós estamos infinitamente sós, sós num quase último momento...”
- “de que vale todo o subterrâneo de palavras que não salva das/ gordas e grossas traições, da força e opressão,/ da exploração dos homens armados até os dentes?/ ...tenho um canto preso na guela, mas sem armas!”
- “...a vida se faz de seios, de pelos, masturbações,/ mas também se faz de arranca rabos, violência, direitos,/ se faz de recordações, de gestos duros que nos pisaram,/ que soluçam na memória de goteiras absolutas,/ ...não convêm buscar mais velhos fantasmas, devemos criar/ a nova carne, e não se deixar penetrar, nem pendurar em podridão!”
- “uma ordem estúpida da coroa/ impingindo/ toda mentira deslavada/ com cheiro podre de uma mijada?/ ...a nossa gente ficou largada à sorte/ levando a vida de sopapo em sopapo/ cuspindo no chão e cuspido na cara.”

Para finalizar, uma frase de ÊNIO SILVEIRA, o grande editor da Editôra Civilização Brasileira, que escreveu uma frase grandiosa na contra-capa do livro do amigo: “Esse ânimo – de quem não se entrega como gado ao matadouro – que cada vez mais amplamente se difunde em todo o País, é a garantia de que, em breve, as trevas serão expulsas pela manhã que já começou”. Um sonho, um belo sonho, que continuamos a sonhar e a praticar a cada dia. Enfim, como desistir depois de 50 anos de vida já vividos? Percy inistia, eu insisto, Valéria insiste, insistimos... Tanto que eu e ela estamos a organizar um grande evento em sua homenagem, talvez lá n'O Templo, com gente amiga cantando, recitando seus poemas e obras suas sendo comercializadas em prol de suas duas lindas filhas. Aguardem, é para muito breve.

3 comentários:

M.Dalva disse...

Obrigada pela referencia.
O evento Copa Davis demonstrou que o governo municipal peca por atuar de acordo com as circunstancias momentaneas.sem planejamento.
Assim não iremos a lugar algum.

Um abraço
M.Dalva

Anônimo disse...

O cherife da Cultura esta com tudo... agora seu poder esta em marcar falta injustificada para funcionários q tem muitas horas pra descontar, ele deveria é ir nas bibliotecas ramais ver as moscas, ver a divisão de ensino q esta um caos, a sujeira da prórpria secretaria, mas o PODER é supremo e os poucos funcionários q estão sobrevivendo só estão dançando...
façam alguma coisa pela cultura por favor, pois nós não sabemos mais o q fazer...

Anônimo disse...

henrique

acompanhei - entre um avião e outro, conexões diversas - sua tristeza ao ler o livro sem poder comentá-lo com o percy. e, ao mesmo tempo sua alegria com o texto. se você e valéria precisarem de alguma ajuda de uma designer gráfica modesta e aprendiz do que é possível ... contem comigo.
beijo da ana bia