terça-feira, 9 de novembro de 2010

DROPS - HISTÓRIAS REALMENTE ACONTECIDAS (43)

EXPOENTES DE UMA BAURU PRA FRENTE, UMA A "OLHAR" O OUTRO SEM PEDANTISMO
Ontem, segunda, 08/11 foi um dos dias mais quentes aqui pelo sertão paulista. Tudo compensado pelo acontecido à noitinha. Estive na abertura do VII Encontro de Arte e Cultura, da FAAC-Unesp Bauru, que neste ano tem como tema central “ARTE E PATRIMÔNIO”. Tudo que fazemos nessa vida tem como mola central algo a nos motivar e aqui não poderia ser diferente. Fui conferir o trabalho de dois expoentes de uma cultura revolucionária nesse século meio obscurantista, dominado pelo pensamento único.
LÍDIA POSSAS, na parte inicial com uma palestra versando sobre Patrimônio. Essa professora carioca, radicada por aqui e hoje ministrando aulas na Unesp Marília, fez minha cabeça desde que a conheci nos bancos da USC, quando cursei História. Abriu definitivamente minha mente (ela é a grande culpada) em algo que continua repetindo insistentemente até hoje: “vamos produzir um esgarçamento da história”. Tento fazer isso, seguindo seus passos. Do que vi e ouvi um pequeno ajuntamento de preciosidades aqui coletadas: “Adentrar uma cidade e perceber as manifestações já existentes é primordial, valorizando a HISTÓRIA DO LUGAR, pois ali existe uma identidade, cultura e cidadania. Entender a formação desses lugares,diferenciando muito bem o ato de VER e o de OLHAR. Eu não vi, eu olhei. O ver é biológico e o olhar antropológico, percorrendo as presenças existentes. É esse olhar que nos faz estar presentes. Quando produzi aqui o trabalho OLHANDO PARA OS TELHADOS – BUSCA DA IDENTIDADE HISTÓRICA, junto com Nilson Ghirardello, não queria ver telhas e sim as casas, formas de expressão, compreendendo a relação da História com o seu passado. É o ler a cidade, recuperando a identidade do múltiplo sujeito, sempre observando as vozes silenciadas. O saber não é neutro, ele é construção, interpretação. Tudo que fazemos não é neutro, tudo é motivo de construção. Recuperar a cidadania com homens e mulheres mostrando que eles existem, sem estar presentes nos lugares dos abastados, dos ricos. A modernidade não passa de um verniz, pois tudo na gente ainda reflete o velho. Tudo o que existiu no passado está mais do que presente no mundo do século XXI. O historiador trabalha com a temporalidade, para nós o que vale é o tempo vivido”. Por fim, quando instigada por mim sobre o preservar em Bauru e no Brasil, deu nova aula sobre algo onde o imóvel, quando retratado de outras formas, não precisa mais ser totalmente mantido como entendemos, algo tombado, mas esquecido, abandonado e sem que ocorra uma compreensão completa disso. Lídia continua a mesma, instigando, provocando e abrindo cabeças. A minha, rachada desde muito tempo, vai assimilando isso tudo e jorrando aos borbotões pelos poros ainda latejantes.

Pois sai de lá e dei de cara com outro doidivino, o professor JOSÉ LARANJEIRA, que no hall do prédio da Graduação estava abrindo, junto do diretor Ghirardello, a uma Exposição de Artistas Bauruenses. Vi Ponce Paz, Baccan, Mortari e outros, numa instalação, criação de sua rica imaginação, com dormentes da Sorocabana (“mais de cem anos, da idade de Bauru e que resgatei, aroeira pura, antes que se perdessem definitivamente”, me conta) como base, circundado por arcos e um que me fez questão de explicar. Havia saído da palestra da Lídia sobre o VER e o OLHAR e na tela do Ponce, um vendedor de pássaros. O inusitado é que um sorveteiro, ao fundo, rodeado de gente e o garoto dos pássaros, com as gaiolas abertas, os pássaros do lado de fora, sem ninguém ao lado. Laranjeira viaja nas explicações e acompanho extasiado. Olhem vocês mesmos e tirem suas conclusões. Na lateral da parede, uma imensa obra de DUDA PENTEADO, denominada “Guernica Paulistana”, com telas sobrepostas e viagens mil do que possamos entender da nossa maior metrópole. Entre salgadinhos, vinho e uma fala do curador da exposição, o próprio Laranjeira, andando entre o exposto, vi que Bauru resiste bravamente ao avanço desmedido de algo que Lídia já havia premeditado na sua fala. “Imagine hoje, alguém refletindo sobre a poesia de Rodrigues de Abreu, quando ele no início do século passado, falava sobre ter consumido muita cocaína na cidade. Inimaginável hoje”, diz. Mais que isso, mesmo sem fazer apologia nenhuma, só discutindo, perigando ser processada, como no passado a professora quase o foi. Cada vez mais, constato que vivemos mesmo no “verniz” dito por ela, pois somos o próprio passado, como na música de Belchior, “Como nossos pais”. LÍDIA POSSAS e JOSÉ LARANJEIRA fazem a diferença. Dos dois algo mais a comentar. Onde souber de fala de Lídia, até conversa de botequim, lá estarei, pois o proveito é sempre grande. Do Laranjeira, uma promessa de lhe ajudar no que for preciso para montar algo grandioso com os esquecidos moldes ferroviários, depositados em barracão ferroviário e loucos para virarem uma Mostra permanente num local a ser estudado. Planos futuros. E tudo sob coordenação da profª Guiomar Biondo. Voltando de lá, por volta das 22h30, tendo ao lado Ana Bia e o fotógrafo João Alcará, disse a eles alfo a ser pensado: “O vivenciado ali é um mundo à parte desse aqui que estamos adentrando. Dessa avenida para cá o buraco é bem mais embaixo. Voltamos à realidade, nua e crua. Aqui o mundo do verniz".
OUTRA COISA No domingo, 07/11 fui presenciar a V UMBANDA FEST, capitaneada pelo RICARDO BARREIRA (http://www.ricardobarreira.com/ ). Estive em todos, sendo que nos dois primeiros, quando atuei na Cultura municipal, vivenciei os bastidores do evento. Ele, cada vez mais, possui a cara do Ricardo, que move céu e terra para que o mesmo ocorra no início de novembro. Assiste às primeiras curimbas, preparadas com esmero pelos participantes, mas nota-se claramente que, diferente das outras, Ricardo está um tanto isolado, sem aquela participação empolgante de um grupo de abnegados a lhe dar retaguarda. Fez tudo quase sozinho e padeceu, principalmente no palco, com os problemas que foram surgindo. O evento merece a pompa que possui, mas Ricardo precisa partilhar a apresentação com outras pessoas, dividir o palco e tudo ficará com um visual mais apropriado. Faltou um pouco de gente ao lado dele, mas tudo foi belo, assim como o show de encerramento, sempre primoroso. Um evento a ser valorizado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido amigo Henrique a sua generosidade para comigo é tanta que as vezes reflito se mereço tudo isso: o carinho do ex aluno ,e a atenção às criticas sobre a história/preservação do patrimônio da cidade de Bauru que ambos amamos e gostaríamos de ver divulgada fortalecendo cada vez mais a cidadania no município . E mais ainda a amizade sempre refeita a cada encontro diante do entusiasmo de nossas lembranças comuns e experiências vivenciadas em outros tempos, mais que permanecem .
Agradeço ter tido a oportunidade de ter alunos como vc no Curso de História , sempre atento e aberto à transformações do campo histórico que exige sensibilidade para " OLHAR" o mundo de várias outras formas.
Com carinho
Lidia Possas