sábado, 31 de julho de 2010

MEUS TEXTOS NO BOM DIA (83 e 84)

GOSTO DUVIDOSO - publicado no diário bauruense BOM DIA, 31/07/2010
Duas festas na seqüência, a do aniversário de Bauru e a Expo Arco. Escrevo sobre os shows principais. Na primeira, o aniversário no Vitória Régia e a repetição de um grandioso show de gosto duvidoso, o de Gian e Giovani, no mesmo estilo do realizado ano passado, com Vanessa Camargo. Algo preocupante, pois quando se discute os males de nossa atávica falta de cultura, da massificação de música pouco palatável, justamente quando o poder público está envolvido, no mínimo, uma atenção maior a este detalhe deveria acontecer. Shows da Record, todos na mesma linha. Tudo bem que o show da dupla não é bancado pelo poder público, mas num passado recente, os nomes dos artistas eram, no mínimo discutidos entre os mandatários públicos e os realizadores. E assim vieram Renato Teixeira, Jair Rodrigues e Moraes Moreira. Vou ao Vitória Régia para presenciar shows e eventos regionais, além de saborear o Sanduíche Bauru. E com tapa ouvidos, daqueles potentes. Num outro grandioso evento, a da Expo Arco, a repetição de algo a valorizar e privilegiar somente um segmento musical, o serta-brega. Nada verdadeiramente sertanejo e isso num evento rural. Seus realizadores devem achar que Bauru inteira goste somente daquilo, o que denota pobreza de critérios na escolha. No passado, alguns dias eram destinados para a MPB e hoje, nada. Como fazer com que nosso povo passe a gostar de boa música, se só o incentivam a presenciar a ruim? Quadro cada vez mais irreversível. Não crio gado, nem tenho propriedade rural, assim sendo, um dos motivos para visitar a Expo seriam os shows, mas sou obrigado a novamente passar batido. Até quando a insensibilidade? Diversidade é sempre bem vinda.

NÓS, PAULISTAS - publicado no diário bauruense BOM DIA, 24/07/2010
Dia 09/07 tivemos mais um feriado, esse ano caindo numa sexta, para júbilo de muitos. O feriado é paulista e reverencia a fracassada empreitada de uma “revolução constitucionalista”. Terá sido isso mesmo? O que pouco se pergunta é que conseqüência teria essa vitória paulista? Quem estaria por trás do movimento, quais interesses e se teria sido mesmo o anseio por uma nova Constituição o fator que levou milhares de pessoas a darem suas vidas nas trincheiras paulistas? Leio que entendemos pouco do movimento. Verdade. Considero puro o sentimento, o patriotismo dos remanescentes que dela participaram. Entendiam uma coisa e talvez lutassem por interesses outros, desconhecidos e ocultos. O movimento precisa ser entendido observando-se quem nos comandava. Fazendo isso, tenho certeza que aquilo foi pura sacanagem dos paulistas da UDN e trazia em seu bojo interesses separatistas. A historiografia atual segue essa linha, mais convincente. O que os mandarins da política paulista queriam era devolver ao estado o seu lugar, que eles achavam perdido, no comando dos rumos políticos da nação, cujas aspirações foram frustradas com a revolução de 1930. Os da UDN pensavam só existir dois caminhos, a hegemonia ou a separação. Insuflaram as massas para uma guerra constitucionalista, quando o que queriam era a independência separatista. Pouca coisa mudou de ontem para hoje. Uma casta paulista ainda tenta passar um sentimento de excepcionalidade, de que é a locomotiva na nação e assim merecedora de privilégios. Com frieza, constato ser São Paulo ainda o estado menos integrado à federação. E uma casta política, por longos 20 anos tenta perpetuar aqui algo perigoso, um cabresto político, antes impingido ao Nordeste. A UDN hoje possui outro nome, PSDB/DEM.

ALGO PARA SE VER NA FESTA DOS 114 ANOS DE BAURU: Hoje tem show da Banda BLITZ, no Sagae e vale a pena só para rever Evandro Mesquita, de quem gosto muito. O Sagae possui um estacionamento péssimo, muitas vezes mais caro do que o próprio valor do ingresso do show. No SESC, sempre tudo de bom e hoje, 31/07, 16h, grátis, show com GROVERIA, uma banda com sotaque afro-brasileiro, que já presenciei por lá e possuem uma proposta muito interessante de releitura de clássicos da MPB. Amanhã no mesmo SESC, 15h, também grátis, Mariza Basso e Ezequiel Rosa, ambos amigos, num espetáculo infantil instigante e belo, JOÃO COME FEIJÃO. Hoje, 16h, futebol no Alfredão, com o Noroeste enfrentando o sempre rival Marília. E dentre a programação de aniversário da cidade, lá pelos lados do Vitória Régia, irei primeiro rever a rapaziada do QUINTAL DO BRÁS, que anos atrás tiveram um impulso muito grande dado pelo poder público, em apresentações antológicas junto à cantina do teatro (domingo, logo depois do almoço) e a ORQUESTRA DE VIOLEIROS de São Carlos, hoje, 20h. No MIS, uma Mostra de Vídeos sobre a cultura indígena, "VÍDEO ÍNDIO BRASIL", de hoje até 07/08, sempre às 14h. Só não me convidem para ver a dupla de encerramento dos festejos, a G & G, pois mesmo sendo o mais eclético possível, tudo tem limite.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

DIÁRIO DE CUBA (54)

AEROPORTOS, DESPEDIDA, CHARUTOS E ALGO PARA RIR NO DERRADEIRO MOMENTO
Despedidas são muito tristes, pelo menos para mim e após a realização da viagem de minha vida, para a ilha de Cuba, 19 dias, iniciada em 08/03/2010 e terminando em 27/03/2008, uma quinta, com uma angústia tomando conta de mim e de meu parceiro de viagem, o Marcos Paulo. Já estávamos no Aeroporto Internacional José Marti, como relatado no post anterior. Por lá, tudo no seu devido lugar e sem aquela pomposidade, tão desnecessária e em maior evidência nos países capitalistas. Tudo o que os outros aeroportos possuem, o de Havana também os tem e na medida exata. Sem tirar, nem por. E precisaria de mais? Não, respondo sem pestanejar. Estávamos por lá pouco antes das 13h e muito tempo para esperar. Circulo por todos os cantos, trago refrescos, sorvetes, compro dois copos de Havana Club como souveniers e assim foi desaparecendo nossos últimos sete pesos (o troco do táxi). Marcos permanece sentado e lendo o tempo todo, eu circulando. Bato fotos muito belas de um senhor a enrolar charutos, numa banca da lateral, ao lado da lanchonete principal(fotos já publicadas no primeiro post deste Diário, o de nº Zero, em 01/04/2008). Foi lindo ficar presenciando esse profissional trabalhando, com sua imensa habilidade com as mãos. E muito bom de papo.

Por volta das 16h vamos para o Check-In de nosso vôo, o de nº 437. Imensa fila, tendo que permanecer nela bem uns 40 minutos. Inicialmente marcado para as 16h50, devido ao horário de verão havia sido transferido para uma hora mais tarde. A primeira etapa foi feita sem problemas, malas despachadas e passagens para os dois vôos em mãos. O problema foi uma palavrinha que ouvi de um funcionário no balcão: “Passem naquele guichê para recolher a taxa de embarque”. Gelei por inteiro, pois o valor da mesma estava fixado em 25 pesos para cada um, como anunciava uma tabuleta e tínhamos somente 3 míseros pesos. Torramos tudo e nos bolsos, somente dinheiro brasileiro. Na apresentação do passaporte e carimbos nas passagens, faltando quarenta minutos para o vôo não dava para esconder o nervosismo. Passamos por ali e Marcos tentou mostrar que todas as taxas haviam sido pagas no Brasil, na agência de viagem. Foi um vai-e-vem de funcionários até que um mais graduado terminou por nos liberar, após receber autorização pelo rádio. Momentos de tensão, quando já pensava em pernoitar na casa de Hilda Marin, pois nem para o hotel tínhamos mais. Na verdade, nossos papéis comprovaram o pagamento antecipado. Tudo não passou de um susto, com muitas risadas posteriores e um cagaço no momento dos acontecimentos.

Adentramos o portão 11, sem ao menos uma parada nas lojas daquele setor. Numa delas, tudo sobre o Festival de Cinema de Havana me chamava a atenção. Passamos batido. Sentamos nos assentos 12D e 12E. Lembramos que o funcionário foi tão solícito, chegando a nos pedir desculpas pela demora. Abri a revista “Panorama de las Américas”, cortesia da empresa Copa Airlaines, relaxei, tirei as últimas fotos da janela do avião e mergulhamos na viagem. No Canal 11, algo brasileiro, um samba com Teresa Cristina e o primeiro sinal de que voltaríamos ao Brasil. Faço o lanche e tomo uma Panamá, a cerveja do país onde faríamos a transferência de vôo. Duas horas no ares e fiquei a relembrar as pessoas que conhecemos nos dias por lá, dentre eles Victor Serra, Omar do Mundo Latino, Fábio do ICAP, o engenheiro Orti Ceda, Yosbany da UJC, Machado dos Los Mambizes, o barbeiro Alberto, o segurança Maquíades, Ana Delia e Judith professoras de Santa Clara, Pedro Espinosa da rodoviária de Cienfuegos, Ramón Palleiro um diretor de escola, Gonzalo que trabalhou na Alemanha Oriental, o ex-combatente Alberto, Gladys Tomay do cemitério de Santiago, Seu Alberto no Moncada, Hilda Marin com laços bauruenses, o balconista Alberto e tantos outros. Nunca mais me esquecerei de suas fisionomias.

Descemos na Ciudad do Panamá e não saímos na área internacional. De lá para o portão 17, embarque para São Paulo. No avião ao nosso lado um norueguês, residente numa pequena cidade do interior de Goiás, muito parecido, pelo traje, com o Willie Nelson. Vinha dos EUA e levou um susto quando dissemos termos vindo de Havana. "Muito perigoso lá, não?", diz. Lembro de algo dito a nós pelo Fábio, do ICAP, de que o "neoliberal desconhece o que venha a ser o comunismo e quando toma contato, pode até se transformar". Tento lhe explicar, ouve e resmunga: "Então você acha que Castro é um bom governante?". A resposta é simples: "Sim, pois lá presenciamos algo inimaginável no seu e no meu país. Saúde, educação, cultura, tudo gratuito, de ótima qualidade e para todos. Povo culto, onde um motorista de táxi, um atendente de hotel, um balconista de bar falam três línguas. As liberdades que eles possuem não diferem nada das nossas". Ele aproveita para falar da violência no Brasil e das vezes que foi assaltado no país. Ainda tento lhe dizer que em Cuba isso não existe, mas logo durmo e só acordo chegando em São Paulo. O sonho acabou e estávamos de volta à realidade.

Amanhecia uma sexta, 28/03/2008, um ônibus para o terminal Barra Funda e um para Bauru. Marcos segue para acertar os detalhes da devolução da aparelhagem de gravação utilizada na viagem, permanecendo em Sampa e eu volto para casa. Venho pensando em tudo e o saldo é totalmente positivo. Nunca mais serei o mesmo e não será fácil me conter quando vierem me dizer as barbaridades que costumo ouvir e ler sobre Cuba. O país é uma experiência única dentro do comunismo. Certamente não é o ideal de perfeição, mas supera em muito tudo o que já vivenciei aqui do lado capitalista e neoliberal, onde o dinheiro manda e desmanda. Chego em Bauru por volta das 14h20 e vou ao encontro dos meus pais e do filho. Muitas histórias, a distribuição de pequenas lembranças e uma baita saudade, que nunca irá desaparecer.

OBS.: Termino aqui esse prolongado Diário de Cuba, não sem antes renovar as expectativas de um breve retorno (os planos juntamente com o Marcos estão em plena execução). Falar e escrever de Cuba continuarei ad eternum, pois tudo aquilo que sonhava encontrar por lá, pude presenciar in loco. Cuba é um sonho, uma real possibilidade, uma constatação de que um outro mundo é mais do que possível, basta querer e ir à luta. Por causa disso, não desisto nunca dos meus sonhos. Existem possibilidades.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

CENA BAURUENSE (64)

A PRAÇA ABRIGA DE TUDO, INCLUSIVE UMA CARAVANA DA "TFP"
As praças brasileiras abrigam de tudo, democraticamente. A nossa central, a Rui Barbosa não foge à regra e recebe em seu espaço, antes arborizado, hoje um amplo local a dignificar o concreto, de tudo um pouco. Nos últimos dias, estive ali para ver o término de uma caminhada com Dilma Rousseff. Diariamente presencio o pastor Varme deitar falação, onde mais conversa sobre seu vídeo do que glorifica e tenta arrebanhar fiéis. Bolivianos vendem CDs com o som de suas flautas. Aposentados flanam e jogam baralho. Gatunos praticam seu arriscado negócio. Rola também um pouco de prostituição e tráfico de drogas. Religiosos mil fazem por ali suas pregações e políticos idem. Ontem quem por lá esteve foi Paulo Skaff, um ex-presidente da FIESP, que hoje disputa o governo paulista num partido dito socialista (nem passei por perto). Hoje, na hora do almoço, estaciono o carro nas imediações e sigo com um calhamaço de papéis, minhas contas em atraso e ao cruzar a praça, de longe avistei estandartes amarelos no estilo compridões, que já conheço muito bem. Na esquina das ruas Gustavo Maciel e Batista de Carvalho, eles estão num grupo de aproximadamente umas quinze pessoas. Não deu outra, tratava-se da Caravana da TFP (Tradição, Família e Propriedade), um agrupamento de direita, dos mais conservadores e retrógrados do país, com gente uniformizada e seus megafones, fazendo sua eterna campanha contra os avanços naturais da vida. Seguindo orientação dos pensamentos de Plínio Côrrea de Oliveira (http://www.ipco.org.br/), desferiam um arrazoado de besteiras contra qualquer tentativa de progresso.

Voltei ao carro para buscar minha máquina fotográfica. Clico eles e dois meninos vêm na minha direção. Não tinham mais que treze anos. Me perguntam se quero assinar manifestação contra o aborto. Digo ser favorável e começo a ouvir que sou a favor da morte, contra a vida, etc e etc. Como discutir com dois meninos que decoraram algumas frases, numa decoreba triste e insana? Escapo deles e continuo nas fotos. Atravesso a rua e um senhor me faz perguntas. Me entrega o tal cartão amarelo, no qual estão coletando assinaturas dos incautos, onde pregam contra o PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos) e alguns absurdos (sou favorável a todos), como: Corrosão do Direito de propriedade, Aborto, Legalização da prostituição, Casamento Homossexual, Adoção de crianças por casais homossexuais, Implantação de sovietes nos moldes da Rússia comunista (sic), Enfraquecimento da polícia, Desmoralização do Judiciário, Educação Socialista desde a infância e outras 510 aberrações. Eles estão juntando assinaturas no tais cartões e enviando ao Congresso Nacional, onde defendem também um: "Queremos que o Brasil continue a ser a Terra de Santa Cruz!". Podia até discutir, debater, mas seria pura perda de tempo.

Estão em caravana pelo interior e algumas das coisas que criticam, fazem em praças e ruas, só que ao seu modo, um tanto pernicioso. Vejo adolescentes ali e doutrinados desde pequenos naquele negócio obtuso e com intenções que não lhe são reveladas, mas ficam evidentes para aqueles conhecedores dos seus métodos. Fico a olhar, mas não perco muito meu tempo. Já vi muitos deles Brasil afora, mas por aqui, fazia tempo. Um deles me diz serem todos de São Paulo e estarem numa missão de pregação pelo interior. Deixo eles lá na praça e antes fico a constatar como tem gente que assina tudo, mesmo sem saber direito para que finalidade é, o que está embutido naquilo, que agrupamento é aquele ali. Vão tascando a assinatura e os dados pessoais. Nosso povo cai em cada ladainha. Esse agrupamento é dos que me irrita profundamente. Nada posso fazer, além de escrevinhar contra. Eles lutam por uma coisa, eu pelo oposto. Deixo eles para lá, torço para que chova logo, pago minhas contas (uma parte delas) e volto ao trabalho. No final do dia, Ana Bia quer que vá com ela ali naquele mesmo lugar, no primeiro comício da candidata a presidente pelo PV, Marina Silva. Se for, irei com o colante da Dilma no peito e como observador. Veremos, até o final da tarde, a praça talvez me receba novamente.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

UM AMIGO DO PEITO (40)*

"MANITO" ASSOPRANDO FORTE NO ANIVERSÁRIO DE 25 ANOS DO TEMPLO BAR
Tenho algumas boas histórias vividas dentro de um dos mais antigos e tradicionais bares de Bauru, talvez o único que possa ostentar a denominação de "Herói da Resistência", no quesito de privilegiar a boa e verdadeira MPB. Parece que foi ontem, mas na verdade já são 25 anos de ininterruptos trabalhos do TEMPLO BAR. E para comemorar a data redonda e a reabertura do bar, após mais um período de férias do Fernando e da Sônia, nada mais que MANITO, o saxofonista, que entre milhares de coisas já feitas, tocou (ainda toca, eles continuam em exposição) com os Incríveis. Presenciei um antológico show deles, num dos retornos, acredito que em 1998/99, por aí (vídeo está no Youtube, postado por seu realizador o cinegrafista Xico Coffani). De lá para cá, Manito continuou na estrada e tenho também minha historinha com ele. Do tempo que residiu em Bauru, anos 90, por aí, levei um LP do Bocato, um que parece um embrulho feito com papel craft e barbante, contendo uma música dedicada a ele, o "Mano Manito". Acabei por presentear o músico, que não tinha o LP e fiquei sem. Relembrei isso e ouço, que o mesmo ainda está guardado. Não me arrependo, mesmo não encontrando até hoje outra peça de reposição.

Do show de ontem (serão três dias em Bauru, 28 a 30/07), mais dois músicos conhecidos do público bauruense, maestro Badê no piano e Lallo, no baixo. Fernando inovou para o evento, tirando o piano do palco e levando-o num esforço danado para o canto onde as apresentações eram feitas antigamente, debaixo das fotos de ambos e praticamente na entrada do banheiro. Foi uma surpresa para os músicos e agradou em cheio aos que lá estiveram. O repertório é velho conhecido, mesclando de tudo um pouco, jazz, xaxado, MPB e os clássicos, com "New York, New York" (pedido da Ana Bia, ao meu lado). Tocaram além da conta, em três etapas (chegamos antes do começo da segunda e saímos antes de começar a terceira, mais de meia noite e lá vai fumaça), com um descanso para o cigarrinho na calçada e colocarem as conversas em dia com os amigos presentes. Aproveito para perguntar a Manito onde encontrá-lo em Sampa. "É simples. Toco toda quarta, quinta e sexta na Cantina Maranello, esquina na Tabapuã com a João Cachoeira. Mas, pule setembro, vou operar da hérnia e o médico recomendou que não posso assoprar nada", me diz. Fica a dica para os paulistanos ou bauruenses que por lá passarem.

Na saída, Fernando, mais contente que pinto no lixo, não faz as contas nessas horas, sabe que põe dinheiro do bolso (faz isso há anos). Sorri, pois isso move sua vida e me pergunta: "Volta amanhã, mas traz o De Camargo. Cadê ele? Ele não pode perder essa" (fico de ligar para o Sivaldo). O bar, aos 25 anos, cresce, amplia instalações e vai servir delivery em breve. Já na calçada, conheço Wilson Lacerda, 57 anos, papeando com o Pez (melhor profissional de som na cidade - em breve um Memória Oral com ele), junto a outros fumantes e pergunto sobre uma conversa que presenciei entre ele e o maestro Badê, sobre seu apelido, Dizzy. "Sou músico, toquei muito tempo piston, hoje o instrumento está lá em casa meio que aposentado, mas viajei muito com o maestro e hoje vim aqui rever essas duas feras. Vim porque a música está no sangue, de vez em quando preciso ouvir de novo isso tudo. O apelido foi dado por Badê, nos tempos que tinha meus 23 anos, assoprava forte e ele me vendo, disse que era o próprio Dizzy Gillespie. O negócio pegou e assim fiquei conhecido", conta. Fui embora com a Ana pouco antes dos músicos voltarem ao palco para a última parte do espetáculo, Dizzy sobe novamente as escadas e eu vou repor meu sono, pois amanhã (que no caso já é hoje, quarta) tem o segundo show deles e um gratuito do Noca da Portela, no SESC.
* O amigo do peito, nesse caso é o Templo Bar, que frequento desde o nascedouro. Fidelidade é isso.

terça-feira, 27 de julho de 2010

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (11)

BICHA, TODO MUNDO É BICHA - UM PASTOR E PERCY ME FIZERAM LEMBRAR D'O PASQUIM, ANOS 70
Abro os jornais de hoje e a polêmica é sobre o pedido da retirada do termo LGBT do texto de um projeto contra a discriminação. Um vereador evangélico, pastor Sakai (sempre ele), sugere que o termo desapareça e em seu lugar a colocação de um singelo "orientação sexual". E isso trava o curso do processo. Algo tão simples a gerar algo grandioso, pois demonstra a mentalidade de um segmento conservador (e perigoso). Sakai afirma que o prefeito acataria sua gugestão e o prefeito disse que não fará isso (bola dentro). Se nessa questão tão simples existe esse entrave, imaginem em outras, como o caso de uma possível legislação como a que foi recentemente aprovada na Argentina, oficializando o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Seria o caos, não? Esse pequeno fato, a nos mostrar a ponta da imensa cauda de perversidade e falta do que fazer de políticos acostumados a fazer uso da religião, demonstra que essa gente com poder, seria um retrocesso de anos luz em qualquer país. Bato na madeira só de pensar.

Foi ler isso hoje cedo nos jornais e lembrei de imediato de um email recebido em 04/03/2010, do artista-plástico Percy Copieters (falecido pouco depois, em 08/04), quando me indicava a leitura de um texto dos mais irreverentes, publicado no semanário O Pasquim nº 54, de 02/07/1970 (exatos 40 anos atrás), escrito por Tarso de Castro. Leiam primeiro o texto irreverente lá publicado, para depois entender onde quero chegar:

BICHA - http://www.partes.com.br/imprensa06.html (CLIQUEM ALI E LEIAM DE ONDE PERCY ME ENVIOU)
Millôr Fernandes chegou da Europa e é bicha: Martha Alencar é bicha e o marido dela, o Hugo Carvana bicha; o Sérgio Cabral, por sua "vez, tem vergonha, acha que pai de família não deve confessar isso mas eu sei é bicha; o Paulo Francis, que fica fazendo aquele bico, é bicha; o Chacrinha, nem se fala, é bicha; o Gérson mesmo jogando pra burro, é bicha; o Fortuna é bicha, bicha declarada, o Armando Marques é bicha; a tia da namorada do Denner é bicha; a namorada do Denner é bicha; o Denner é bicha; o Edvaldo Pacote é bicha, a Gal Costa é bicha; a Elis Regina é bicha; o Nelsinho Motta é bicha; os Luiz Carlos Maciel são bichas, os Monteiro de Carvalho são bichas; os Monteiro de Carvalho são bichas, menos um, por falta de tempo, o Ricardo Amaral é bicha; aquêle amigo do Ricardo Amaral é bicha; o Jaguar é bicha; o Jaguar é bicha; o Jaguar é bicha; o Jaguar é bicha; o meu contrabandista é bicha; ele é bicha; o Flávio Rangel é bicha; o Pedro Álvares Cabral era bicha; o Antônio Houaiss é bicha; o Ulisses é bicha; o Maneco Muller é bicha; o Fernando Fernandes é bicha; o Vinícius de Moraes é bicha; o Carlos Drummond de Andrade, que ainda não me deu aquela entrevista, é bicha; o Sérgio Cavalcanti é bicha; o Jaguar é bicha; os contatos de publicidade, o Ewaldo e o Paulo Augusto, são tremendas bichas; e o chefe dêles, o Grossi, é bicha; o lvon Cury é bicha; o Daniel Mas, sem qualquer apelação, é bicha; como bicha é, também, o Antônio Guerreiro; o José Silveira é bicha; o Manolo é bicha;

o Chico Buarque é bicha; o Caetano Veloso é bicha; o Gilberto Gil é bicha; o Roberto Carlos é bicha; o Erasmo Carlos é bicha; o Zózimo Barroso do Amaral é bicha; o Jaguar é bicha; a Márcia Barroso é bicha; a Scarlet Moon de Chevalier, digo, a Scarlet é bicha, a Moon é bicha e a Chevalier é bicha; meu Deus, como o Paulo José e Dina Sfat são bichas; ah, sim, o Ênio Silveira é bicha; como esquecer que a Danusa é tão bicha como a Leão; bicha, também, pois, a Nara Leão, e o Cacá Diégues, que é marido dela, é bicha; e o Glauber Rocha, como todos os baianos, é bicha; a Rosinha, mulher do Glauber, é uma tremenda biçha; o Antônio Guerreiro é bicha; o Jaquar, que eu ia esquecendo, é bicha; o José Hugo Celidônio é bicha; nunca vi ninguém tão bicha quanto o Rogerio Sganzerla; bicha, mesmo, paravaler, é o lbrahim Sued, que não pode ser mais bicha; Doval é bicha; Jairzinho é uma bicha radical; falando em bicha: como vai você, Henfil; Minas Gerais é um viveiro de bichas; Ziraldo, por exemplo, quem pode negar? É a maior bicha de Caratinga; aliás, se vocês não sabem, esse tal de Caratinga também era bicha; o filho do Jaguar, tão pequenino já é bicha; também, o professor dêle é bicha, sô; ah, Virgem Santa, o João Saldanha é bicha; o César Thedim é bicha e a Tonia Carreiro, para provar o dito, também é bicha, falando nisso, o John Mowinckel é bicha; e o Pedrinho Valente, embora ainda não saiba, é bicha; a êsse lá sabe: o Ivo Pitanguy é bicha; há alguém mais bicha do que o Sérgio Bernardes? há, o Jaguar; ah, que saudades que eu tenho da bicha Cláudio Abramo; Afonso, Afonsinho, Afonsão, todos bichas; os Afonsos em geral, todos bichas,- tenho melancolia do Rio Grande do Sul porque as bichas que aqui são bichas não são bichas como lá; Olavo Bilac é bicha; o bigodinho do Oscar Niemayer não me engana; é bicha; ora Tom Jobim, vai ser bicha lá com a bicha do Frank Sinatra; como se não bastasse, de bichas, é claro, agora ainda anda por aí aquela bicha da Florinda; a bênção, minha bicha Baden; falando em bicha nada melhor do que uma bicha do Jorge Ben depois da outra; Charles Anjo 45 é bicha enrustida; você é bicha; o leitor, todos os leitores, são bichas; fala, bichonilda Sérgio Noronha; a Olga Savary é bicha e o livro dela é mais bicha ainda; Paulo Garcez é a chamada bicha respeitável; Jango é bicha; Brizola é subverbicha; e a Wanderléia, segundo a bicha do Flávio Rangel não a do no sentido possessivo mas do êle, Flávio - é bicha ternurinha; e quem diria, hem? todos os Macedos Soares são bichas; Rubem Braga anda caindo de tanto ser bicha.

Este parágrafo é bicha.
Por outro lado, Maria Bethânia é bicha; a democracia é bicha; êle é bicha mas eu não sou louco de dizer; salve a bicha mais bicha de Londres, a bicha do Ivan Lessa; o Jaguar é bicha, o Ferreira Gullar já representou o Maranhão no concurso nacional de bichas; todos os componentes do velho PSD são bichas; Paulo Mendes Campos é a bicha mais intelectualizada que eu conheço; falando em bicha, vocês lá viram que coisa mais incrível o gênero bicha-barbuda que é o Carlinhos Oliveira?; bicha para falar a verdade, mas bicha mesmo, é o Hélio Fernandes; criança, nunca verás uma bicha tão grande quanto a Maria Raja Gabália; fala minha bicha Marlene Dabus; você é tão linda, Teresa Souza Campos, mas é bicha, Joaquim Pedro e MeIo Franco e, portanto , bicha, pois todos os MeIo Franco são bichas; a Danusa Leão, insisto, é bicha; olha aqui, ô Matarazzo, não queira me comprar:, tôda a familia é bicha; e tem mais: vocês lembram da Maysa, ex-Matarazzo? Pois é bicha, bicha é a torcida do Flamengo; e a do Botafogo se existisse, bicha seria; os velhinhos do Vasco são bichas; o Fluminense, vocês sabem, andam de salto alto; todos os brasileiros são bichas; Europa, França e Bahia - tudo bicha; Ásia, África, América e Passo Fundo, tudo bicha; inclusive o Jaguar, tudo bicha; é a maior bichite da história do mundo; que, por sinal, é bicha.
O único macho do mundo é o Nélson Rodrigues.


Lindo, maravilhoso, mas imaginem algo assim nos dias atuais. Com certeza geraria mais espanto do que gerou em 1970, pois hoje, mesmo com todos os avanços, estamos mais conservadores e diante de um pensamento único a nos guiar, mais bestializados, portanto. Pois, mesmo não tendo a genialidade de um Tarso de Castro, tento fazer, num pequeno parágrafo, a reprodução com personagens aqui da terrinha bauruense o mesmo texto de antanho. Eu tento, mas mesmo saindo uma coisa fraca, fica valendo a intenção, que é a de cutucar com vara curta a imbecilidade humana. Vamos ao meu texto:

BICHA
Todo mundo sabe que o Teatro Municipal é um reduto de bichas, assim como a Câmara Municipal, o prédio da Prefeitura Municipal e até os lugares onde circulam as mais engravatados pessoas da cidade, como o Fórum e os Sindicatos, Associações, Institutos e até os Cemitérios. Nada escapa da bichice. Até nas igrejas evangélicas os bichas marcam presença, mesmo que de forma enrustida. Nas católicas, então, vixe nossa. Os jogadores do Noroeste, sabem que por lá existem aqueles que são bichas e dentro dos plantões policiais, todos fazem vista grossa, mas os bichas circulam livremente e em paz. No Alameda Quality Center dá muito bicha, assim como no Shopping Center e no 21 Center. Eu tenho muitos amigos que são bichas e outro tanto que tenta esconder a situação. Tem aqueles que tapam o sol com a peneira e aqueles que se escondem dentro de um armário de quatro portas. Tudo bicha enrustida e mal amada. O meu cabeleireiro é bicha, assim como frentista do posto a abastecer meu carro. O caixa do supermercado também é e o gerente do banco faz gênero sério, mas não deixa de ser. O guarda de trânsito com certeza é, pois para apitar daquele jeito, só mesmo sendo bicha. O melhor texto do Jornal da Cidade é escrito por um bicha e o do Bom Dia idem, assim como o locutor do rádio e o apresentador de TV. O engravatado industrial, com carrão do ano, duas amantes, circulando pela Getúlio é bicha, assim como o camelô que me vende uma quinquilharia. Meu chefe é bicha e o seu também. Na feira, até o japonês do pastel é bicha, imaginem então o dono do bar da esquina. Tudo
bicha. Os meus adversários são bichas, assim como os amigos e parentes. O cantor da noite é bichona, meu político preferido é bicha e aquele que não receberá meu voto também, assim como o cara que me nega um financiamento. Vocês se lembram da Casa da Eny? Muito bicha batia cartão por lá. Nos distritais nos domingos tá infestado de bichas e entre os corredores matinais, expondo seus biceps, ferve de bicha. O cara da auto-escola, o do táxi, o porteito da indústria, o traficante da esquina, o vendedor de carros, o entregador de pizza, o dono da fábrica, o time de basquete quase inteiro, os estudantes da UNESP e da USC, a molecada no sinal, o dono da churrascaria, o sério pastor da igreja, o jornaleiro nem se diga, o engenheiro e o médico, todos são bichas. Não escapa ninguém, ou melhor, escapa sim, vejo alguém, aquela linda travesti na esquina da Nações. Essa não é bicha, é macho paca, pois para estar ali, assumir aquilo tudo na cara de todos, só pode ser muito macho. Quem se assume bicha, também não o é, pois coragem não lhe falta. Já o resto é tudo bicha. Inclusive quem chama os outros de bicha. E não pensem que não deixo de ser bicha. Assumo aqui, diante de todos, ser como a maioria, BICHA. E que levante a mão quem também não estiver na mesma situação. E viva a diversidade, a bichice.
Gente, o meu texto deve ter ficado ruim paca, mas é minha forma de protestar e de prestar solidariedade aos discriminados de hoje. Queria fazer o texto citando nomes, mas como tem gente, que com certeza não entederia bulhufas, preferi amenizar e fazer sem os nomes, mas te digo, você aí que me lê, isso mesmo, você, tu é bicha. E quem for contra que atire a primeira pedra.
OS QUE SOBRARAM E OS QUE FAZEM FALTA (10)

MURICY RAMALHO PROVOU NÃO COMPACTUAR COM O LADO PODRE DO FUTEBOL
Sempre gostei do posicionamento do treinador de futebol, Muricy Ramalho. Um tanto turrão, em outras até mal-educado, mas sempre sincero e contundente. Desses a não perder o oportunidade e de expressar o que lhe vai no seu interior, sem tirar nem por. Na recusa dada ao oferecimento para ser treinador da Seleção Brasileira de Futebol, algo inimaginável, no passado, ou seja, a recusa de um treinador pelo cargo máximo no futebol nativo e com possibilidades de ser o treinador brasileiro na Copa de 2014, a realizada no Brasil. As justificativas foram perfeitas. Primeiro, para dar exemplo aos filhos, pois não se rasga um contrato assim (o dinheiro nem sempre está no melhor lugar para se trabalhar), depois para honrar o compromisso assumido com o clube que lhe abriu as portas quando estava desempregado. A melhor, talvez embutida, a de não fazer parte de um staff pernicioso, onde vinga o pior jeito no nefasto do mundo dos negócios atual, o do lucro a qualquer custo. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, impondo condições desfavoráveis ao país para a realização da Copa 2014, querendo que o país patrocine o banquete dessas entidades sanguessugas (CBF e FIFA), é um patrão nos moldes de tudo o que se deve repudiar hoje em dia. Isso também deve ter pesado na recusa de Muricy.

Dele, além da admiração já existente, algumas frases, de uma antológica entrevista dada para a revista Brasileiros, edição 19, de fevereiro de 2009 (tenho aqui no mafuá), com título na capa, “Um trabalhador dos gramados”. Leiam o pensamento de um homem de bem, dessa linhagem dos que sobraram, num mundo onde todos pensam e agem mais ou menos iguais, como gado:

- “Não existe nada sem o trabalho. Aqui no Brasil as pessoas têm um pouco de vergonha de elogiar um bom trabalho. Não só no futebol, em qualquer lugar, o brasileiro tem vergonha de elogiar o cara. Você escreve pra cacete, é demais no que faz, mas o cara tem vergonha de falar isso. Então, em vez deles falarem isso para você, falam que a sua revista é muito boa, a sua revista vende muito, não é porque você é bom escritor, é porque a revista é boa. Ou o time é bom, ou a esteira é boa, o campo é bom, ou a raquete é boa. No Brasil nós temos um pouco essa dificuldade de elogiar o cara, o trabalho dele. (...) No futebol o que as pessoas mais usam é a paixão, a emoção. No futebol o amor e o ódio estão por um fio. De manhã os caras amam o jogador, à tarde odeiam o cara. É por causa do emocional, só que eu não posso entrar nessa. (...) No futebol, poucos, mas muito poucos, você conta nos dedos aqueles que dividem a derrota. A maioria foge mesmo, você fica sozinho mesmo. Eu já passei muita coisa do futebol, nada para mim é mais novidade. A derrota é solitária. É, mas eu não fico aí pelos cantinhos reclamando. Eu trabalho, depois vou para casa e procuro saber no que posso melhorar. (...) Alguns caras da imprensa estão ali e não sabem do que estão falando. Eles foram numa escola que tinha uma matéria do ‘quanto pior melhor’. Eu não gosto dessa matéria. Se você pega os melhores caras do esporte, esses caras que são bons, que entendem de futebol, não brigo com eles. Porque são técnicos, sabem do que falam. Agora molequinho igual tem por aí que quer aproveitar uma brecha para aparecer. (...) Eu sou melhor na derrota, quando o cara me pressiona eu sou melhor, e sou pior para a pessoa me enfrentar”.

São falas simples, objetivas e ditas com sinceridade. Um cara assim não daria certo dentro do esquemão da CBF. Será que existe carta-branca para se trabalhar dentro da CBF? Muricy não aceitaria trabalhar se não fosse dessa forma e mais, não agencia jogadores, como a maioria faz hoje. Fez bem em cair fora e cresceu seu prestígio, pelo menos junto a mim.

domingo, 25 de julho de 2010

FRASES DE UM LIVRO LIDO (38)

O ACROBATA PEDE DESCULPAS E CAI - FAUSTO WOLFF (ED. CODECRI RJ, 1980)
Nesta semana escrevi aqui sobre Brizola Neto e antes um pouco sobre o fim do Jornal do Brasil. E quando falo dessas duas coisas, algo não me sai da cabeça, FAUSTO WOLFF. Esse bravo jornalista gaúcho, radicado no Rio de Janeiro por décadas, onde morreu dois anos atrás, foi um fervoroso brizolista e escrevinhou por muito tempo, mantendo uma coluna diária até seus últimos dias, no hoje quase extinto (edição impressa circula somente até 30/07) Jornal do Brasil. Fui rever seus livros aqui no mafuá. Tenho quase todos, além de um calhamaço, um catatau de mais de mil páginas, com suas crônicas impressas do JB. Dos livros, esse aqui, um dos primeiros que comprei e li dele, ainda tenho aqui num amontoado da editora Codecri (a do rato que ri). Colecionei Pasquins e durante um tempo eles mantiveram essa editôra, que fez muito sucesso durante décadas. Na minha estante, mantenho uma fileira só com os da Codecri. Hoje, diante de um dia dos mais empoeirados, quando iniciamos aqui na casa dos pais uma reforma tão aguardada (a sala veio abaixo e tudo aqui de perna para o ar - escrevo com o nariz cheio de pó), tirei esse lá da estante e fui ver as frases que havia marcado, quando o li pela primeira vez, em 1984 (a edição do livro é de 1980), ano do meu casamento com a Wilma Cunha e das Diretas Já.

Algumas poucas que fazem o deleite deste velho e incorrigível marujo:
- "Mas hoje eu preciso viver pois bateram no meu quarto. Vou andando. Passo pelo botequim, ligeiro. O dono vê e, certamente, lembra da conta. Será que ele não sabe que eu gostaria de pagá-la? Ou será que ele pensa que eu sou um desses estranhos seres que adoram andar fugindo?".
- "Nem comunista sou mais e não o sou há algum tempo. Neste momento, quero que Deus vá à merda. Vou me arrepender disso quando sentir dor de dentes novamente. (...) Serei o meu próprio Deus: pecador e confessor. Preciso socorrer-me. Amar ou pegar. Agredir ou sorrir mas, antes de tudo, socorrer-me".
- "A mulher quer carinho. Mas que carinho tenho para lhe dar? Ela que busque carinho na sua tradição de hábitos e costumes; vá à missa, se suicide. Eu não tenho tradição, missa ou talento para o suicídio. Não tenho nada para lhe dizer".
- "Eu não tenho dinheiro mas muita gente também não têm. Não é hora de me preocupar com quem rouba. Os políticos, os comerciantes, os ricos, enfim, têm algo em comum: são todos ladrões. Dia chegará em que os ladrões não mais existirão. Nem o vocábulo existirá. Apenas o roubo. Mas eu já não estarei vivo".
- "Os meses passavam rápido. Tão rápido como o dinheiro que saía do meu bolso para o bolso dos açougueiros, médicos, dentistas, cobradores. Os cobradores, de um modo geral, eram de livros. E era tão fácil vender-me livros. Ele via como eu os namorava. Diziam que era fácil pagar. E eu acreditava. Dinheiro".
- "Se preciso trabalhar por que fico assim deitado? Por que não saio de cima desta cama, deste fedor, destas moscas que andam por cima da minha cara? Todas as mulheres que conhecerei no futuro, depois da foda dirão: 'Mas voce não se esforça? Todos estão trabalhando, todos estão tentando, e voce?'. Interessante, sempre há alguém para o cargo de herói e para me dizer que eu não sou herói".
- "Não quero mais ser lúcido. Quero a liberdade da falta de dignidade que é a dignidade total. A liberdade de ser jogado de um lado para outro. A liberdade, mesmo que a custa de porradas.Fazer de minha dependência a minha independência e da minha prisão, a minha liberdade. Ser o oposto, o contrário".
- "Para prender as pessoas que se afastam do contrato social, a coletividade paga outras pessoas. Estas, por sua vez, vestem uma farda a fim de que possam ser distinguidas das outras, caso contrário, também, correriam o risco da prisão. Aliás, a coletividade paga muito mal a esses cidadãos, haja visto a violência com que me empurram para dentro de uma camioneta".
- "...saberei como curar a posição humana: ter dinheiro. Sem sabão, como tomar banho? Sem dinheiro, como comprar sabão? Sem banho como passar normalmente desapercebido? (...) Para procurar emprego preciso de uma camisa limpa. Eu entreguei todas à lavadeira. Sem dinheiro, como fazer com que ela as devolva? Quero fazer com que a minha mulher tenha orgulho de mim. Sem dinheiro, como comprar orgulho para ela? Sem dinheiro, como comprar presente para meu filho? Sem presente para meu filho, como arranjar um sorriso da minha mulher? Como comprar a confiança. Preciso procurar um emprego e para tanto preciso apanhar um ônibus. Sem dinheiro, como apanhar um ônibus? Como falar, como comer, como dormir, como fumar, como andar, como beber, como pedir, como amar, sem dinheiro?".

Esse livro foi uma das primeiras porradas no estômago que recebi via literatura. Sua leitura sempre me era dolorosa (e ainda dói). Millôr Fernandes fez a apresentação do livro e lá deixou um recado para os leitores: "Na novela de Fausto Wolff o personagem não tem nome. Talvez o seu nome seja o da capa do livro. Talvez não seja".
UMA CARTA (50) E OUTROS RELATOS DOMINGUEIROS

ÓBVIO ULULANTE * (carta publicada hoje, na Tribuna do Leitor do Jornal da Cidade)
Fiquei fora de Bauru por doze dias e no retorno, ao ler as edições do JC, algo me chama a atenção. A manchete de capa do sábado, 17/07 me diz muito, “Bauru teve seu maior crescimento dos últimos 11 anos”. O motivo é mais do que evidente e diz respeito ao que acontece no país num todo. O motivo é o governo Lula, diferente dos seus antecessores, quando crescemos, expandimos e somos pujantes. Deixamos de atuar com o pires na mão. Melhor propaganda para Lula impossível. Eis o principal motivo de no final do segundo mandato ostentar 80% de aprovação ao seu governo. Alguma dúvida?
Adoraria estar aqui naquele sábado e recepcionar o candidato Alckmin e seu agora fiel escudeiro, Quércia, naquele encontro com cabos eleitorais na ITE, mostrar a manchete e observar a fisionomia de ambos, useiros e vezeiros em não reconhecer o óbvio ululante. Acho lindo vê-lo falando em rever os valores do pedágio. E por que não o fez quando no governo? Por outro lado, o candidato Serra, parece reconhecer que o Bolsa Família custa pouco e chega aos pobres. Para reconhecer que, o seu partido quando no poder, com FHC, foram piores que o do sapo barbudo é um pulo.
Continuando com os JCs na mãos, leio manchete de 1ª página de 20/07, “Bauru bate recorde de financiamento para casa própria na CEF”. É a continuação do caso do crescimento. Nunca estivemos numa situação tão confortável. Assisti no Rio de Janeiro em 16/07 o comício de Dilma na Cinelândia e lá o presidente Lula estava radiante, pois acabara de chegar de uma reunião com todos os superintendentes da CEF e o assunto era esse recorde. Lamento, mas acredito que o povo acertadamente está a preferir a continuidade disso tudo a voltar a um período de incertezas, privatizações, inimizade com vizinhos, subserviência ao Império do norte e bravatas eleitoreiras. Afinal, ninguém respeita os que se agacham.
* (a expressão "óbvio ululante" é de Nélson Rodrigues e caiu como uma luva para meu texto).


OUTRAS COISAS: Na última quinta, 22/07, fiquei em débito com muita gente. Meu triglicerides estava acima do limite e derrubado, fiquei em casa a me recuperar, perdendo duas raras oportunidades de rever pessoas queridas. Na primeira, o lançamento do livro "Memória da terra", poesias do José Carlos Mendes Brandão, no Automóvel Clube, 20h (preciso encontrá-lo e comprar o livro, que faz uma valorização do contato do homem com o campo e o meio ambiente - mais caipira impossível). Na segunda, na mesma noite, também às 20h, no mesmo horário do outro (não sei como faria...), um raro encontro de violeiros no Teatro Municipal de Bauru, com Levi Ramiro e amigos (dentre eles Norba Motta), denominado de Circuito Syngenta de Viola Instrumental. No mesmo dia, meu filho, queria ir assistir o filme do Woody Allen, o "Tudo pode dar certo" (acho que iremos hoje). Não fiz nada. Já na sexta à noite, junto do amigo Sivaldo Camargo e Edward Albiero (João Alcará, Nilma Remildes, André Bazan e Ademir Elias passaram por nós), recuperado do susto colesteriano, estivemos primeiro no SESC, 20h, no show do guitarrista jazzístico norte-americano John Stein, acompanhado de duas feras, primeiro o Bocato, no trombone e Zé Eduardo nazário, na bateria. Foram momentos raros de extrema felicidade, ainda mais porque, do balcão do bar, onde ficamos, não parava de passar gente conhecida a nos alegrar a vida. De lá, batemos cartão no Amadeus, novamente eu, Siva e Edward, quando presenciamos Denise Amaral cantando ao lado do marido, no piano e do irmão, na timba. Um encontro familiar. De lá, só mesmo um sono reparador. Nas fotos, como sempre, embaçadas (minha marca registrada), um destaque maior para Bocato, querido músico que gosto de escutar por onde se apresente. Edward acabou resgatando histórias antigas, de poucas décadas atrás (afinal não somos tão velhos assim), quando, como naquela noite, saia com sua máquina fotográfica, a registrar os shows pela cidade afora. Reviveu um pouco disso, agora com uma potente registradora fotográfica, a dar inveja na minha Sony, tão maltratada sob meus cuidados. O bom de tudo foram as histórias.