sexta-feira, 30 de setembro de 2011

MEMÓRIA ORAL (110)

SEU ORLANDO, O MAIS ANTIGO E O MAIS VELHO JORNALEIRO BAURUENSE
Orlando Pavan, 71 anos está à frente da mesma banca de revistas a nada menos que 32 anos (desde 1979), no ponto mais famoso do centro de Bauru, localizado na rua Primeiro de Agosto nº 6-80. Proprietário da Banca Pavan, ele bate vários recordes e o primeiro é pela longevidade à frente do negócio, o segundo por ser o mais idoso em atividade e o terceiro, que ele assume sorrindo é o de sua banca ser a que mais vende jornais e revistas na cidade. Casado com a dona de casa Aparecida Maria Inforzato Pavan, 67 anos, não se esquece da data do casamento, 18/09/1965 e de algo mais. “Naquela época era representante do Motel Clube do Brasil, tinha escritório no edifício Pioneiro, vendia os títulos e viajava fazendo cobrança, tudo de lambretinha. Cheguei a ir até Três Lagoas, conheci esse interior todo, Panorama, região de Ribeirão Preto e num dia saí daqui cedo e fui bater em Paranavaí”, conta.

De suas recordações dessa época, uma ele não esquece jamais: “Minha lua de mel eu passei em Poços de Caldas e fomos os dois de lambreta, carregando junto duas malas. Como vou esquecer isso”, me diz. Conta também algo sobre o interesse pelo ramo de revistas: “Quando comecei não tinha ainda cabelo branco e minha primeira banca foi na vila Falcão, no posto ao lado da antiga Fundação, naquela época movimentada. De lá apareceu o negócio no centro, vim e não parei mais. Eu abro todo dia das 7 às 20h. Saio de casa todo dia às 6h, com minha pickup, vou na distribuidora, na Folha e no estadão e pontualmente levanto as portas no horário que a cidade já conhece. Eu tenho uma pequena chácara atrás do BAC e ia mais lá, mas hoje o filho que me ajudava montou uma firma de água e o neto, vem me ajudar direto, mas não fica esse tempo todo. A molecada de hoje se não tiver um envolvimento com isso, não gostar, eles não ficam. Mecher com isso é um bom negócio, mas é uma prisão. O neto me traz o almoço todo dia e no domingo ele fica aqui por uma hora, enquanto vou almoçar em casa. Esse o único dia”, relata.

Nisso passa um dos muitos que batem cartão por ali só para pedir uma ajudinha para seu Orlando e ele o percebendo meio alcoolizado, tira uma moeda de R$ 1 real do caixa e lhe entrega. “Tem uns que passam diariamente, como esse que diariamente vem buscar. Falou que a hora que se aposentar vai me devolver tudo. Tem tam bém os que percebo que é para droga e para evitar problemas até acabo dando”. Seu balcão possui uma organização que só ele entende, onde vai juntando as encomendas feitas, como a de uma senhora que entra e pergunta se já havia chegado a sua. “Já chegou o que meu neto quer? E se não for esse, posso vir trocar?”, pergunta. Acaba por me contar a história de um dos tantos clientes de tantos anos, mostrando tudo marcado num caderno: “Esse aqui vem todo começo de mês e me deixa R$ 600 reais e vai levando revistas, todas as semanais, outras variadas, coleções. Se passar paga o restante, se sobrar devolvo”.

Faz quase tudo sózinho, desde a rotina pela manhã, como o trabalho interno na banca. “Dá trabalho, pois recebo, faço a devolução, confiro, guardo nas prateleiras e fico numa constante arrumação. E uma característica minha é ainda não ter aderido à venda pelo cartão. Tudo em dinheiro ou cheque e tem dado certo". Nisso entra um que nunca viu na vida e lhe pede R$ 5 reais para ajuda numa operação de vista, com uma lista na mão dos comerciantes vizinhos. Abre o caixa e entrega o valor: “Dou de R$ 10 a R$ 20 reais por dia e contribuo com o Amaral Carvalho, Vila Vicentina, Sorri, Esquadrão da Vida, Albergue Noturno e outros. Faço minha parte e só não fico mais, até às 22h, como até pouco tempo, pois fui assaltado, o centro fica muito abandonado a noite e eu era um dos únicos abertos até aquela hora”, diz.

Olho para um poster do Super-Homem, papel laminado, pregado na sua parede frontal há um bom tempo e ele rindo me diz: “Esse aí tem história. Está aí a pelo menos uns 25 anos, faz parte da banca. Até hoje me pedem a revista, outros querem comprá-lo e estou pensando numa reforma na banca, mas sem tirá-lo do lugar. Faz parte da paisagem daqui. Falo da reforma e penso também em parar, em vender. Já apareceram alguns candidatos, mas ainda não deu certo. Quando isso acontecer irei para a chácara e talvez até mude para lá. Mas tudo isso é doloroso para mim, pois tem criança que o pai entrou aqui segurando no colo e hoje eles vem aqui com os filhos. Não é uma decisão muito fácil. Já tiveram jornaleiros mais velhos, como o japonês lá da Duque, mas hoje acho que sou eu mesmo”.

Toco num assunto que faz parte da rotina do seu di-a-dia, o do roubo de revistas e três histórias são verdadeiras peças literárias: “Todo dia pego um, sempre pego. Faço devolver e deixo ir embora. Uma vez um cara de dinheiro, toda semana comprava uma revista semanal e dois jornais. Não colocava em cima do balcão. Mostrava de longe, dizia o que estava levando e pagava. Vinha sempre com a banca cheia de gente e demorei para pegar ele. Fiquei de olho e vi numa vez quando pegou a Veja e enfiou no meio do jornal. Veio pagar e lhe disse se não ia ficar com a Veja. Foi lá pegou uma e pagou, mas nada da escondida. Tive que perguntar da outra, a do meio do jornal. Pagou de cabeça baixa e já tinha o cliente como perdido. Voltou em meia hora e me fez fazer a conta de dois anos de Veja, o tempo que me roubava, com o preço atual e pagou em dobro. Disse ter-lhe dado uma lição, pois não precisava daquilo. Compra comigo até hoje. Uma outra, de uma senhora, que ia me roubando e a revista caiu do meio de suas pernas no meio do salão. Disse: ‘Fecha as pernas, dona’. Essa nem olhou para trás, deixou tudo no chão e sumiu. Outro é de um amigo que falava muito do filho, morava aqui num hotel e certo dia veio com o garoto. Ficamos conversando na frente e o garoto no fundo da banca. Vi quando enfiou três revistas debaixo da camiseta. Chegou para o paí e disse que iria na frente, pois poderia ficar conversando mais. Tive que dizer ao pai para conferir nas coisas dele e citei até as revistas. Dia seguinte voltou aqui e fez questão de me dizer que ele nunca havia ensinado aquilo para ele, que com certeza, isso devia ser coisa da ex-mulher”.

Depois de tantos anos, seu Orlando possui boas histórias para contar, como a de um amigo que infelizmente não vê mais por ali: “O seu Mauro, diretor lá da ITE. Ele vinha todo domingo, comprava de pacote, inclusive as rifas das instituições. Depois que o tiraram da faculdade, nunca mais veio. Era um dos melhores fregueses e só comprava comigo”. Nelson Teodoro, 51 anos é outro dos clientes antigos, comprando revistas e jornais só ali e isso há mais de vinte anos: “Os donos de outras bancas mudam muito e seu Orlando já é quase da família. Não consigo comprar em outro lugar”. A relação é assim, de pura amizade, inclusive com os ditribuidores, como o caso de Cacá, um que segundo ele está nesse ramo antes dele, ou seja, se entendem no olhar. “Outro dia me aparece aqui um representante da Abril e dizendo que queria reformar me disse para apresentar o orçamento, que veria se conseguiria bancar. Um outro ao falar do mesmo assunto, me puxou para um canto e falou para não fazer reforma nenhuma, pois tudo está tão bonito, uma verdadeira banca à moda antiga, como poucas pelo interior”.

Seu Orlando segue sua rotina, sem muito reclamar, mas com algumas na ponta da língua: “Se a reforma vingar é porque com o passar dos anos está cada vez mais difícil só com revistas. Preciso introduzir mais coisas, cigarros, umas outras coisas. O que atrapalha as bancas não é a assinatura, mas hoje estão vendendo jornais e revistas em todos os lugares, desde supermercados, açougues e até nos sinais. Mas não tenho muito do que reclamar. O record de vendas mesmo ainda são os pornôs, depois os jornais, gibis, as semanais, como a Veja e a Caras. As gays também vendem muito. Tem aqueles que compram uma G Magazine e dizem que é para um envergonhado amigo e pedem para embrulhar”. Se deixar seu Orlando não para de contar histórias e numa frase define bem o seu negócio: “Não existe concorrência em banca, o que existe é atendimento. Eu deixo todos à vontade, não implico e nem sou chato. Voltam por causa disso”.
OBS.: Quase todas as fotos são minhas, só a última é da fotógrafa Juliana Lobato, do Bom Dia, que passava pela banca e foi convocada para registrar uma minha junto do seu Orlando.

10 comentários:

Anônimo disse...

Oi Henrique,

tenho recebido seus e-mails, muito interessantes, um verdadeiro garimpo das coisas boas, antigas, preciosas e outros muitos predicativos. vou começar usar suas informações para minhas pautas em um programa de TV que estou prospectando.
Me aguarde

bjs saudosos

tania guerra

Anônimo disse...

Muito legal o registro, Henrique!
Abraço,


Romi Rosane Fischer
(41) 8852 8833
(41) 3024 1458

Anônimo disse...

Legal Henrique, conheço bem o seu Orlando, fomos colegas de profissão quando eu tinha banca.
Muito bem lembrado, grande figura!
Abrax.
Luiz Manaia (ralinho).

Anônimo disse...

Amigo Henrique, foi uma coisa muito boa acompanhar a matéria sobre o Sr Orlando, nosso jornaleiro de cada dia. Parabens mais uma vez pela iniciativa - vindo de quem vem, não é nenhuma novidade. Patrimônio histórico e memória oral é uma área muito importante, sensível. Continue valorizando nossa querida Bauru. Aproveitando a oportunidade: vamos promover, em agosto/2012 a lª MEIA MARATONA "Cidade de Bauru"
buscando destacar nossos atrativos turísticos - o trajeto utlizará as avenidas Nações Unidas, Edmundo Coube e Nações Norte. Conto com o amigo p/ sugestões e divulgação.
Abraços
Tito Pereira

Anônimo disse...

"tenho visitado seu blog, e me surpreendo com a sutil habilidade que questionas fatos tão polÊmicos, levando nos a refletir por um TODO.! Parabéns."

MARCIA MAURICIA SILVA

Anônimo disse...

HENRIQUE,
coisa linda...Isso é fazer História...
Abs.
MURICY DOMINGUES - PROFESSOR
ps - você está arquivando tudo? Por quê não publica, futuramente, em E-Book?

Anônimo disse...

GRANDE HENRIQUE!

PARABENS PELA LINDA REPORTAGEM.

E O SEU LIVRO DE CRÔNICAS, QUANDO SAI?

QUERO IR A MANHA ( TARDE, PODE SER NOITE ) DE AUTÓGRAFO!

FAÇA LOGO GAROTO,



UMABRAÇO,BOM FINAL DE SEMANA... QUE O NORUSCA GANHE AMANHA E O CORINGÃO A TARDE. ... PENSO QUE LINDO A ESTREIA DO ADRIANO DOMINGO VINDOURO, SAIRÁ GENTE PELO " PADRAO " DO PAULO MACHADO DE CARVALHO.

DESDE SEU ETERNO FÃ E ANSIOSO PARA COMPRAR O LIVRO..

PROFESSOR TOKA.

Anônimo disse...

Adoro seus textos... vc precisa fazer um livro desse material
bjs
Neli Viotto

Anônimo disse...

SEU ORLANDO

QUE BELA LEMBRANÇA, A DO PROFESSOR MAURO DA ITE. NÃO SEI SE ESTÁ VIVO? ALGUÉM PODE ME RESPONDER. DEPOIS O QUE FIZERAM COM ELE, ACREDITO QUE NÃO SAIU MAIS DE CASA. ERA UMA GRANDE PESSOA. CONTE A HISTÓRIA DELE POR AQUI, SEU HENRIQUE.

DE UMA EX-ITEANA CAROLINA J.

Anônimo disse...

Henrique não nega o "pezinho na história"...

Muito boa a matéria" Gostei.

Bjo,
Ana Maria Rebello
(21) 8223-2334
anarebel@hotmail.com