sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

FRASES DE UM LIVRO LIDO (66)

A DOR QUE SENTI RELENDO “MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO”
Após quase uma semana trabalhando fora de Bauru, de ontem para hoje enfrentei uma longa viagem, quase 750 km de estrada dentro de um ônibus. Foi ali que aproveitei para me desplugando do mundo virtual reler um livro dos mais saborosos, o “MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO”, de um escritor que adorava escrevinhar sobre a marginalidade brasileira, os que vivem à margem, quase apartados do dito convívio normal. JOÃO ANTONIO seu nome, uma pessoa que tentarei reler tudo o que escreveu ainda nesse ano. Consegui todas suas obras do acervo do meu falecido sogro, José Pereira de Andrade, um devorador de literatura. Logo na abertura do livro, algo que me tocou significativamente, o texto de abertura, transcrito aqui com alguns cortes e escrito na Boca do Lixo, São Paulo, janeiro de 1963:

“Sobre o meu nome poderão se ouvir as melhores e as piores coisas. Jamais acreditem. Uns costumam dizer – ‘Não presta’. Outros – ‘É uma boa pessoa’. Ainda há aqueles que dizem que escrevo bem. Estejam tranquilos, que esses três tipos são inofensivos como passarinhos. Apenas boa gente que fala demais. Agora, há um grupo que se expressa – ‘É um belo rapaz’. Quanto a esses eu recomendo à boca pequena – ‘Muito cuidado!’. Ali estão os que fazem elogios tontamente e traição cruamente. Para começo direi que temo o julgamento desta conversa deste aqui. Provavelmente, dirão que estou fazendo pose e armando uma presepada bruta para entretê-los e, o meu livro aparecido. (...) Escrever é um ato de coragem e humildade. Não estou, pois, para truques. (...) Qualquer boteco é lugar para se escrever quando se carrega a gana de transmitir. Gana é um fato sério que dá convicção. (...)Tudo o que tenho feito em minha vida apenas tem me dado noções de minha precariedade. Um sentimento de falência, certo nojo pela condição dos homens e até ternura, às vezes; quase sempre – pena. Mesmo nas etapas das quais saio vitorioso, nunca se afasta o gosto da frustração. Competir para mim é imoral, portanto: profissional, amorosa, familiarmente, meus acontecimentos não tem me preenchido nada. De transitoriedade e de insuficiência tem-me sido essas coisas do amor, da profissão e da família. A verdade é que não consigo comunicação. Nem o exterior comigo. Eu não aprendo a aceitar nada pela metade. E é este sentimento de culpa que me fica. Agarrei-me à literatura aos onze anos. Neste amor já houve longos espaços de paixão maluca e houve esmorecimentos explicáveis, que eu, com estes meus arrebatamentos só apronto confusão. E levo tanta aflição por dentro. Mas é o amor de sempre. E vou caprichando que, afinal, a literatura é a minha única terapêutica. A alquímia literária me esgota. Qualquer página me custa. Escrever é outra dimensão e é única comunicação de verdade com o mundo porque falando com as pessoas, eu não me consigo transmitir. E quanto tento... (...) Tenho levado castigos mas tenho esperanças. Um malandro, meu amigo, me dizia:
- A gente cai, a gente levanta, na queda já se aprendeu. Pode ser que ali na esquina a gente dê uma sorte.

Parece-me que tenho uma das mais puras bossas para a malandragem, entre as muitas que vi. Mas nunca vi ninguém com tanta vocação de otário. Logo, minha vida é um trapézio. Mas a minha responsabilidade é grande – eu não tenho rede que amenize as quedas. Para mim, certas fugas não valem. Os porres resolvem os problemas do dono do bar. E certos vícios, com autenticidade, são até virtudes. Não declinarei número de sapato, nem de colarinho, peso, e derivantes porque realmente não sei. Não quero detalhar minhas amizades malandras, que isto não é novela. E tem mais duas propriedades – não sou besta e nem delator. Mas foi lá. Nas beiradas das estações, nos salões do joguinho, nos goles dos botecos, que via a Malagueta, Perus e Bacanaço”.

Eu chorei sozinho lendo isso e me vejo em muito do que ali li. Eu sou um pouco disso tudo. Como eu gosto de João Antonio, demais da conta. Queria que todos soubessem disso. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Henrique, a primeira vez que li "Malagueta, Perus e Bacanaço" também foi num ônibus. De Bauru para MS.

Não deixe de reler: "Abraçado ao meu rancor". João Antônio, o melhor de todos!

Abraços

Beto Xavier