DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (49)
BETO MORREU, VANZOLINI FOI EXCOMUNGADO, STF E CONGRESSO
ASSINARAM UNIÃO ESTÁVEL, ESQUENTA ESFRIOU, OU NÃO SERIA NADA DISSO!
Amanheço fora de minha aldeia já no domingo, distante mais
de 700 km. Dessa forma, estive impossibilitado de comparecer às últimas missas
do padre Beto, ministradas em dois templos católicos e acredito, não o faria
mesmo estando aí, pois no mesmo horário estaria acontecendo o encerramento do
Festival Internacional de Bonecos. Esse sim, senti muita falta em não ter
podido comparecer, nem no sábado, nem no domingo. Abdiquei de freqüentar missas
e não o faria nem nessa, histórica pelo visto, pois enquanto batuco essas
linhas tomo conhecimento que Beto foi excomungado. Bombou de gente, filmaram
seus últimos pronunciamentos de tudo quanto é jeito usando a batina e sua fala
deve ter sido das mais significativas, com muita emoção, carga de algo que só
ele pode sentir naquele momento, o de após tantos anos, passar para o lado de
cá. Começa outro ciclo a partir de hoje.
Minha tristeza hoje ao acordar não foi tanto por isso, pois
Beto é novo e tem uma vida já consolidada, cheia de novas oportunidades pela
frente. Assédio para que faça isso e aquilo não lhe faltarão. Se tiver
pretensões políticas, já o vejo como um dos postulantes à Prefeitura Municipal.
Se for picado pela mosca azul, tomara que toda a dialética juntada ao longo de
tantos anos de estudo esteja a serviço de Bauru. Torço por isso, para que deixe
de ser só moderno, sendo também um ser social ativo no posicionamento ao lado
dos mais necessitados, dos trabalhadores, dos excluídos e rejeitados, contra o
cruel sistema político que nos apunhala em cada movimento. Seria de uma
utilidade sem fim vê-lo colocando em prática o que prega para uns poucos, em
conversas até agora reservadas, expandindo para uma prática realmente
transformadora. Aguardemos. Mas escrevia sobre minha tristeza matinal e ela se
deu ao ligar o rádio logo cedo e escutar um samba de um mestre, Paulo
Vanzolini, que octogenário, faleceu nessa manhã. Um dos grandes da MPB, desses
comprovando que o samba tem muita gente boa também em São Paulo. Depois de
Adoniran Barbosa, Vanzolini é o segundo nome da constelação paulista dos nossos
mestres musicais. Ele é muito mais que o autor de “Ronda”. Recentemente o
Chico, lá da Banca do Carioca, Feira do Rolo me emprestou os quatro CDs de um
maravilhoso trabalho dele. Gileteei todos e com direito a reprodução da
capinha colorida de todos. Gasto eles em minha vitrolinha. É para chorar.
O brasileiro que hoje toma conhecimento nacionalmente de
quem é o ex-padre Beto (virou assunto nacional), pouco conhecia de Paulo
Vanzolini. Dentro da hipocrisia que rege a maioria de nossos meios de
comunicação, onde o patrão ouve Tom Jobim, mas põe para rodar Belos e Telós,
Paulo não é tocado. Prolifera nas FMs e TVs o que de pior temos e até o tal do
Esquenta!, na TV Globo, comandado pela Regina Casé, quando mescla o ruim com o
bom, percebo hoje abrir mais espaço para continuar esmerdalhando os ouvidos
brasileiros. Trata-se de coisa pensada, pois nada é feito sem sentido nesse
país. Assim como prevalece o lado mais conservador das igrejas, num discurso querendo
que todos continuem manada, a música é só mais uma extensão disso, outro elo
dessa corrente.
Ao botar os pés nas ruas hoje cedo, estampado na capa de
revistas e em manchetes garrafais na dita grande mídia, algo sobre o STF –
Supremo Tribunal federal estar sendo massacrado pelo Congresso Nacional. Pura
falácia de quem nos engana diariamente. Uma briga de dois poderes, que
considero, sem tirar nem por, farinha do mesmo saco. As prioridades que os
próceres desses dois poderes possuem não são as do povo brasileiro, estando
muito distantes da realidade do dia a dia de quem rala nas ruas. Eles não estão
nem aí para cuidar do que é nosso, muito menos defender nossos interesses.
Mandam em nós, é verdade, vivendo nababescamente num outro mundo, anos luz
distante de nós todos. Hoje, num encontro que tiveram, com certeza já selaram
um acordo de cavalheiros colocando fim a uma guerra que nunca ocorreu de fato.
Foi tudo inventado, montagem para ludibriar a todos, pois tudo continua como
dantes. Um tentou mandar mais que o outro e esse outro, deu um recadinho para
aquietarem-se e na acomodação, viverão novamente felizes espoliando nossas
forças até não mais poderem. Não defendo nem um, nem outro. Muito pelo
contrário. Rejeito a ambos, pois nosso sistema político, enquanto não mudar,
essa excrescência observada continuará tomando conta de nossas vidas. Não sou
cético, sou realista. Tem mais, mas ralei muito hoje e estou exausto, sem
vontade de navegar e ver as últimas palavras do que o agora somente Beto
declarou do seu novo momento. Amanhã talvez. Hoje, o que embalará meu sono será
a voz rouca de Vanzolini e uma bola leitura ao lado do berço. Tchau, pois estou
um caco. "Levante sacode a poeira, dá a volta por cima..."
Ilustrações de Beto Maringoni, Angeli e Fausto Bergocce.