MEMÓRIA ORAL (139)
Na saída da feira dominical, confluência entre o fim dos legumes e verduras e início da Feira do Rolo, encontro das ruas Julio Prestes e Gustavo Maciel, algo chama a atenção pendurado numa espécie de varal no local, uma vistosa bandeira da “República del Paraguay”. Entendida como uma jocosa brincadeira por causa de alguns produtos comercializados naquelas imediações, traduz muito do espírito que permeia um dos espaços mais populares de Bauru, o reencontro da cidade com um cadinho de todos seus segmentos e vertentes sociais. Nessa sempre movimentada “Babilônia” acontece de tudo e ir observando cada movimentação, cada lance, cada mover de peças é algo inebriante, desses a transformar a vida das pessoas. Além de movimentar o pacato domingo bauruense, expõe seu lado mais inebriante, o de sua periferia, toda ali representada.
Uma dessas pessoas tocadas pelo espírito desse lugar era Enis Ortis, professora aposentada de Educação Física e que fazia questão de bater cartão todo domingo por ali. Cada um vem por algum motivo específico, Enis vinha por causa de livros e revistas e passava toda a manhã envolta neles e com eles. Faleceu no último 23/03, sendo homenageada em alguns lugares por onde circulou em vida. Na Banca do Carioca, um pequeno cartaz foi postado diante da principal banca de livros, com sua foto ali na feira. “Essa mulher amava isso aqui acima de todas as coisas. Sua vida passava necessariamente por aqui. Ela não vivia sem essa feira. Fiquei dois domingos sem trabalhar aqui, estava na praia e hoje entregaria um presente que comprei para ela. Não deu tempo”, diz Francisco Carlos Jaloto, o Chico, ou simplesmente Carioca. Falou-se dela por ali a manhã toda e até as bebericagens foram em sua douta homenagem.
Cirso de Jesus, 52 anos é outro livreiro do local. Tudo que revende é espalhado em cima de um imenso plástico, desde bugigangas variadas às revistas, separadas por títulos e livros pelas beiradas. Enis sentava num banquinho e passava horas ali, como se nada mais existisse ao seu lado. “Eu fui ao seu velório. Seu sobrinho me ligou, pois ela ia de duas a três vezes por semana lá no meu ferro velho, na Pousada da Esperança, um pouco longe daqui; tudo para fuçar as novidades que ia conseguindo. Era minha melhor cliente, desde quando comecei há 15 anos. Eu não tenho palavras para te dizer sobre como ela tratava todos dessa feira, um carinho que não percebo em muitas das relações aqui travadas. Caso de amor sincero pela feira e pelos livros”, desabafa com sentida emoção.
Essa, uma das facetas do local, muitas outras ali ocorrem e esse texto sai hoje novamente tendo como tema algo a envolver a tão decantada Feira do Rolo, tudo por causa de algo anunciado tempos atrás e que, pelo visto está prestes a se concretizar. A Banca do Carioca aglutina muita gente, dentre esses alguns que gostam de papear, jogar conversa fora e sentem a falta de um ponto fixo, não só de reencontro, como de continuarem passando para frente suas ideias e o que fazem da vida. Muito já foi discutido e nesse último domingo, 07/04, algo de concreto. Esse escriba é um dos mais entusiastas do tema. Um local definido para o batuque de ideias, idealistas, idealizadores e idealizantes pessoas. Cada um trazendo algo para decorar o espaço, promovendo ali uma balbúrdia de dar gosto, embalar sonhos e reavivar emoções.
Manoel Carlos Rubira é professor, saiu de Bauru anos atrás, aportou em Londrina, permaneceu décadas por lá junto da esposa e no retorno está mais light, menos provocador, mais propenso ao diálogo, algo assim como ser zen com a faca entre os dentes. “Já discutimos isso do espaço aqui na feira e acho que chegou a hora. Brincando pensei num nome, polêmico. Poderia ser o ANUS – Aliança Nacional Urge o Socialismo. Que acha? Proponho que para fazer parte se faz necessário uma lavagem intestinal e mais que isso, ter cú é básico. Idealizaremos um kit do militante ou do participante com os utensílios básicos dessa lavagem”, diz entre risos coletivos. Eu e ele permanecemos boa parte daquela manhã especulando sobre o assunto e fazendo a ideia crescer, tomar formato. Carioca, por uma dessas coincidências da vida, trouxe uma barraca dentro da caixa, uma tal de “Gazebo – Guarda sol de praia”. Pronto, fizemos nossa primeira expropriação ali na cara dura e já temos a cobertura para proteger os adeptos do ANUS (serpa que vinga?) das intempéries da natureza.
E gente pintou por todos os lados e poros, como acontece todos os domingos naquele democrático lugar. “Muito mais democrático que a sede de muitos partidos políticos bauruenses”, diz um que sempre bate cartão por ali, o Tonhão Cabeça de Poeta, piratinguense e atuando como locutor, animador e ambém poeta. Na sequência quem surge é outro adepto da “feiraterapia”, o professor universitário Antônio Carlos Marar, que diz sem pestanejar: “Me diga quando começa e como faço para aderir”. Adesões são fáceis, basta pularem para dentro do ANUS. Bem, tenho que ressaltar que pela polêmica que esse nome certamente trará, com uma faixa grifada em letras garrafais no meio do local, Rubira, chega em casa, pensa melhor e faz outra proposta via e-mail, já imaginando as gravações que poderão ser feitas no local: “Que tal, o nome ser TV DESEDUCATIVA – DESPREVENDO TUDO? Só entrevistaríamos quem nunca é notícia“. Duas sugestões pra lá de polêmicas e muitas outras podendo pintar pela frente.
Esse negócio de entrevistar as pessoas pintou quando foram despontando e parando para um papo por ali personagens inusitados e dos mais “borrachos” na história não oficial de Bauru. Aldo Wellicham já foi radialista, bancário e até jogador de futebol (isso acho que só tentou), mas o que gosta mesmo é de alfinetar o establishment, esteja ele onde estiver. Aderiu ao grupo por osmose. Na roda seguinte chegaram dois que propiciaram um papo dos mais inusitados, Tonhão, árbitro de futebol amador, hoje beirando os 70 anos e ainda com o apito na boca e Neizinho, ponta direita clássico, baixinho, com meros 1m50 e um dos mais velozes que já marcaram presença na história do antes folclórico futebol amador (hoje terra de ninguém). “Esse cara tem história, me lembro de ter perdido um só pênalti em sua carreira e foi comigo apitando. Como corria esse baixinho”, diz Tonhão, versando ainda sobre uma irônica decisão da FPF em proibir marcação de pênaltis para o glorioso Noroeste, por pura perda de tempo, pois certamente irão desperdiçar a oportunidade. “O campo do Arca, onde hoje é o supermercado Assaí era um santuário. Autêntico campo de várzea, que deveria ter sido preservado, já fui jogado por cima do alambrado por zagueiros durões. Tonhão já foi cercado ali várias vezes, um deles o então dirigente e vereador, Valter Costa, manda-chuva daquele pedaço”, conta Nei. Num caloroso abraço prometem voltar para recontar e reviver histórias da bola.
Quando vislumbramos Carioca deixando um espeto de porco entre livros, enquanto atendia a clientes, Rubira deu a sacada: “Olha só, para não esfriar a carne deixou bem embaixo de um Stalin. Quentura garantida”. Foi a sacada para ter a certeza de que o lugar só poderia ser ali mesmo e dali para frente ficamos lembrando de quem bate cartão por ali e já poderia ter seus nomes inscritos como convidados (ou convocados, sei lá!) para aderirem ao agrupamento de complementação da agitação ali localizada. E nomes de frequentadores habitués do local foram sendo lembrados, como Benedito Requena, Rubens Collacino , Almir Ribeiro, Duílio Duka, etc. Outros como parceiros indissolúveis do movimento, como Lázaro Carneiro, Wellington Leite, José Carlos Mendes Brandão, Vitor Martinello, Rose Barrenha, Bordini, Roque Ferreira, Oscar Sobrinho, Bergamo, Sivaldo Camargo, Clodoaldo Meneghello e muitos outros. “E mulheres, cadê elas, isso aqui junto de minha banca não pode vir a se tornar um Clube do Bolinha”, esbraveja Carioca. Nisso desponta no horizonte, duas beldades, as professoras Aline Maffi, de Sociologia e Isabella Serrano, de História, que ao tomarem conhecimento da ideia aderam de cara e já se propõem a filmarem, baterem fotos e escrevinharem sobre o deseducativo ajuntamento ou seja lá o que nome terá. O importante, ressalvo, é que tudo comece, já nesse próximo domingo, 14 ou no máximo no outro, 21 de abril. Está lançado o Espaço da Fuzarca e da Desordem Consentida e Assumida. Eis mais um nome, outros virão. Que venham muitos outros e mais pessoas, entupindo o loca, fervendo as manhãs.
E gente pintou por todos os lados e poros, como acontece todos os domingos naquele democrático lugar. “Muito mais democrático que a sede de muitos partidos políticos bauruenses”, diz um que sempre bate cartão por ali, o Tonhão Cabeça de Poeta, piratinguense e atuando como locutor, animador e ambém poeta. Na sequência quem surge é outro adepto da “feiraterapia”, o professor universitário Antônio Carlos Marar, que diz sem pestanejar: “Me diga quando começa e como faço para aderir”. Adesões são fáceis, basta pularem para dentro do ANUS. Bem, tenho que ressaltar que pela polêmica que esse nome certamente trará, com uma faixa grifada em letras garrafais no meio do local, Rubira, chega em casa, pensa melhor e faz outra proposta via e-mail, já imaginando as gravações que poderão ser feitas no local: “Que tal, o nome ser TV DESEDUCATIVA – DESPREVENDO TUDO? Só entrevistaríamos quem nunca é notícia“. Duas sugestões pra lá de polêmicas e muitas outras podendo pintar pela frente.
Esse negócio de entrevistar as pessoas pintou quando foram despontando e parando para um papo por ali personagens inusitados e dos mais “borrachos” na história não oficial de Bauru. Aldo Wellicham já foi radialista, bancário e até jogador de futebol (isso acho que só tentou), mas o que gosta mesmo é de alfinetar o establishment, esteja ele onde estiver. Aderiu ao grupo por osmose. Na roda seguinte chegaram dois que propiciaram um papo dos mais inusitados, Tonhão, árbitro de futebol amador, hoje beirando os 70 anos e ainda com o apito na boca e Neizinho, ponta direita clássico, baixinho, com meros 1m50 e um dos mais velozes que já marcaram presença na história do antes folclórico futebol amador (hoje terra de ninguém). “Esse cara tem história, me lembro de ter perdido um só pênalti em sua carreira e foi comigo apitando. Como corria esse baixinho”, diz Tonhão, versando ainda sobre uma irônica decisão da FPF em proibir marcação de pênaltis para o glorioso Noroeste, por pura perda de tempo, pois certamente irão desperdiçar a oportunidade. “O campo do Arca, onde hoje é o supermercado Assaí era um santuário. Autêntico campo de várzea, que deveria ter sido preservado, já fui jogado por cima do alambrado por zagueiros durões. Tonhão já foi cercado ali várias vezes, um deles o então dirigente e vereador, Valter Costa, manda-chuva daquele pedaço”, conta Nei. Num caloroso abraço prometem voltar para recontar e reviver histórias da bola.
Quando vislumbramos Carioca deixando um espeto de porco entre livros, enquanto atendia a clientes, Rubira deu a sacada: “Olha só, para não esfriar a carne deixou bem embaixo de um Stalin. Quentura garantida”. Foi a sacada para ter a certeza de que o lugar só poderia ser ali mesmo e dali para frente ficamos lembrando de quem bate cartão por ali e já poderia ter seus nomes inscritos como convidados (ou convocados, sei lá!) para aderirem ao agrupamento de complementação da agitação ali localizada. E nomes de frequentadores habitués do local foram sendo lembrados, como Benedito Requena, Rubens Collacino , Almir Ribeiro, Duílio Duka, etc. Outros como parceiros indissolúveis do movimento, como Lázaro Carneiro, Wellington Leite, José Carlos Mendes Brandão, Vitor Martinello, Rose Barrenha, Bordini, Roque Ferreira, Oscar Sobrinho, Bergamo, Sivaldo Camargo, Clodoaldo Meneghello e muitos outros. “E mulheres, cadê elas, isso aqui junto de minha banca não pode vir a se tornar um Clube do Bolinha”, esbraveja Carioca. Nisso desponta no horizonte, duas beldades, as professoras Aline Maffi, de Sociologia e Isabella Serrano, de História, que ao tomarem conhecimento da ideia aderam de cara e já se propõem a filmarem, baterem fotos e escrevinharem sobre o deseducativo ajuntamento ou seja lá o que nome terá. O importante, ressalvo, é que tudo comece, já nesse próximo domingo, 14 ou no máximo no outro, 21 de abril. Está lançado o Espaço da Fuzarca e da Desordem Consentida e Assumida. Eis mais um nome, outros virão. Que venham muitos outros e mais pessoas, entupindo o loca, fervendo as manhãs.
5 comentários:
adorei sua iniciativa, e que o ANUS tenha sucesso!!!!!!, pena é que não tenho carro para poder conhecer, mas....quem sabe?????
Luiza Aparecida João - Piratininga
Henrique
Quando começa?
Onde fica?
Quem pode ir?
De que horas a que horas?
Levo o que?
Convido quem?
Posso reproduzir?
Gostei de tudo, só tem uma coisa, eu estou aqui nas barrancas do Mato Grosso, pertinho de prudente, mas no primeiro domingo que estiver por aí, faço questão de rever a feira e espiar esse negócio de nome esquisito...
Balance os alicerces.
Paulo Lima
Prezado Henrique,
Lendo essa sua matéria, mostrando os tipos que compõem a sua cidade, na expressão mais popular, dá-nos vontade quase que imediata de vivenciar um pouco desse jeito modesto e muito natural de viver
Nós cariocas, já perdemos a muito tempo essa forma de viver, a partir do instante que não temos tempo de parar para conversar com o seu vizinho e etc...
Certamente iremos vivenciar isso ainda esse ano.Talvez isso nos faça bem e possamos mudar um pouco o nosso olhar para o outro.
Obrigado pela matéria bem escrita e retratada e um forte e fraternal abraçito carioca
Paulo Humberto Loureiro - Rio de Janeiro RJ
Muito bom este post, terá efeito bola de neve..
parabéns Henrique
fraterno abraço
Marcelo Cavinatto - Barra Bonita SP
Legal, Henrique!
Tamo dentro!
Abração
W.Leite
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