sexta-feira, 19 de abril de 2013

MEMÓRIA ORAL (140)

UMA VIDA ENTRE GATOS – A SAGA DE LUZIA EM PIRATININGA

Imaginem uma casa com mais de trinta gatos. Elas existem por aí e uma delas em Piratininga, 15 km de Bauru, num cenário mais do que trágico, surreal, pois eles vivem no quadrilátero da residência de Luzia Aparecida João, 72 anos, viúva e residindo sozinha no Condomínio Pontal, local fechado, monitorado por seguranças, com belas residências, aparente tranquilidade e a sua destoando das demais. A diferença são os gatos e o resultado dessa quantidade elevada de felinos, espalhados por tudo quanto é lugar dentro e fora da casa. A sua história começa lá atrás, exatos 11 anos, quando foi ali residir. “Sempre gostei de animais e acabei herdando gatos dos vizinhos que moram aqui perto. Mas tudo cresceu demais. Nem sei mais como chegam. Acho que batem tambor um para os outros, trombeta, passam fax, e-mails, sinal de fumaça, só sei que vã chegando. As pessoas passam na rua veem gatos aqui e no dia seguinte deixam outros”, começa seu relato.

A casa transpira e respira gatos, pois eles são os verdadeiros donos da casa, circulando livremente por todos os cômodos da casa, em perfeita harmonia com um único cachorro. “Desempato um, aparece outro. Pouco tempo surgiram sete, assim do nada. Já cansei de escrever meus relatos para muitos lugares e quanto mais o faço, mais surgem gatos. Minha vida hoje é toda em função deles, não posso mais comprar móveis enquanto persistir essa situação. Outro dia um mordeu o fio da televisão e fiquei dias sem ver TV. Gato dorme em qualquer lugar, até na cama comigo, eles não escolhem lugar”, continua descrevendo sua situação, enquanto procuro um lugar para sentar, procurando entender como está buscando uma solução para a situação.


“O réu maior, primário nesse meu caso é a Prefeitura Municipal de Piratininga, que está sendo intimada a recolher os gatos e eu a entrega-los. Não me recuso a fazer isso. Quero ficar com uns dois, mas não tenho mais condições de ficar com todos. A cidade não tem canil, nem gatil, mas o problema hoje está na esfera do Judiciário, não é mais nem pública. O que não quero e o sei que não pode ocorrer é matarem os gatos. Onde os gatos irão não sei, nem o prefeito sabe, mas aqui não podem mais ficar. Veja a situação que me encontro”, diz. O condomínio tem aproximadamente 80 casas e após duas reclamações de vizinhos um inquérito foi instaurado.

O referido processo é um Mandato de Citação, de nº 458/2012, construída pela Associação dos Proprietários e Moradores do Residencial Parque Pontal. No início lá está: “Fere o direito de vizinhança e caracteriza o uso nocivo da propriedade e manutenção de inúmeros animais em precárias condições de higiene e cuidados, que causem aos vizinhos perturbações de toda ordem, especialmente em razão da sujeira, do mau cheiro e das invasões da propriedade alheia”. Luzia se defende da seguinte forma: “Que posso fazer se os gatos são aqui depositados. Cada gato aqui tem uma história e meu caso aqui é uma espécie de Adoção Forçada. Eu não sei de onde vieram esses gatos, mas não quero vê-los morrer na rua. Busco uma solução, mas enquanto ela não vem, aqui eles tem abrigo e recebo ajuda. Para castrar, a Sociedade Amigos dos Animais de Piratininga, hoje ADAP pagam. Os alimentos recebo de umas três pessoas e uma firma. Eu sou assistida, tem ainda muita gente que gosta de animais”, conta, me mostrando um dos quartos da casa, com uma estante com algumas embalagens de alimentos para gato.

No citado processo o advogado bauruense Hermann Schroeder, que defende Luzia, estipula uma provável multa pelo descumprimento da Prefeitura, de R$ 1 mil reais dia. Isso, claro, ainda está no campo das hipóteses, pois o que se busca é uma solução definitiva para o impasse. “A Prefeitura deverá ser a fiel depositária dos animais. Dona Luzia faz hoje um trabalho que caberia a Prefeitura e não tem mais condições de abrigar quantidade tão grande de animais. Os animais não podem ser mortos, pois o Estado é o guardião deles, isso respeitando Decreto federal 24645 de 1934, que diz: ‘Todos os animais existentes no país são tutelados pelo Estado’. Ela resgata, salva da morte os animais, mas o salvamento mesmo precisa ser dado pela Prefeitura e quando um prefeito descumpre a lei ele pode até ser cassado por causa disso”, ressalta o advogado por telefone.

A história de Luzia sempre possuiu algo no trato com animais. Viúva duas vezes, a primeira na Espanha, quando morou em Mallorca por 9 anos. “Que diferença é o tratamento para os animais, crianças e adultos. Lá na Espanha, antes de deixar o país construí um gatil e deixei ele funcionando. Sempre gostei de gatos, mas não tantos assim. Minha vida deixou de ser normal por causa disso. Aqui no condomínio tinha um grande amigo, o Brizolinha (Marco Aurélio Brizolla, famoso político bauruense), ele morava aqui na esquina e me ajudava a pagar a veterinária. Ele quebrava meus galhos e hoje fiquei só. Vivo de um baixo salário e se não fosse a ajuda do meu filho, não pagaria minhas contas”, resume e finaliza sua história.

Para quem não está acostumado é difícil conviver alguns poucos minutos dentro da residência de Luzia, por causa dos espaços todos tomados pelos gatos e do cheiro proporcionado pela presença deles em todos os lugares. Sua história comove, pois demonstra algo incomum, o amor desmedido pelos animais. Esses, com certeza, transformaram sua vida, pois sua casa reflete essa desmedida opção de não abandonar os já abandonados. Comove, instiga, quem permanece ali por alguns instantes, além de tudo saí dali como se tivesse levado um murro abaixo da linha da cintura. Na despedida ainda me diz: “Outro dia uma senhora me apareceu com um casal e me disse que achou na porta dela e que deveria ser meu. Deixou aqui. Inventam de tudo e tudo acaba sendo deixado no meu portão”.

Ao abrir minha caixa de e-mails, alguns repassados por ela, versando sobre sua saga, epopeia ou seja lá o que for aquilo que tem vivido: “AMIGA, NÃO TÃO AMIGA AQUI DO CONDOMINIO! - Ainda ontem estava falando dos seus gatos e gatinhos para minha veterinária, onde levamos 4 gatinhas abandonadas aqui em minha casa para castrar, e para doação posterior caso for, ou para entregar para a PREFEITURA, para os devidos fins, devido ao processo em andamento, eu pergunto, porque me desovaste a noitinha caladamente seus 2 gatinhos em uma caixa de papelão de fraldas pamper, que se acha emqualquer lugar, posto e saído a mil de minha casa. Te pergunto: PORQUE????? NÃO TENS RESPONSABILIDADE OU CONDIÇÕES DE CASTRAR SUAS GATAS???? SEI QUE TENS. Então não jogue o problema nas costas dos outros, e não foi a primeira vez, e voce sabe do que estou falando, pois você está no meu face, e me chateia muito, se não tens grana para castrar procure nossa ONG e daremos um jeito, vaquinha e tudo o mais, mas POR CARIDADE, não me crucifique mais, estou como aquele filme MULHER A BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS. Estou postando para todos e você vai ler eu sei, então tenha vergonha na cara e a dê para bater, mas eu te perdoo, cada um dá o que tem, e pelo visto não tens nada para dar. TENHO DITO”. Num outro foi também enfática: “Li recentemente um livro, cujo DVD já havia adorado. É a historia de um garoto, filho de comandante no campo de AUSCHWUTZ, que ele na sua ignorância infantil, chamava HAJAVISTA, onde seu papai recebia a visita de HITLER, que ele chamava de FÚRIA, sua consideração pelo campo de muros altos e cercados de arame farpado, o livro é O GAROTO DE PIJAMA LISTRADO, que aconselho, pois emprestei na Biblioteca Pública da cidade, digo isso, porque andando hoje pelo condomínio, vendo os muros altos, com arames farpados, me veio a mente um programa de TV, onde assim que cheguei da Europa, onde residi por mais de 9 anos, uma entrevista da impagável DERCY GONÇALVES, e lhe perguntaram: ‘Dercy qual o maior palavrão que você conhece’, e ela sem pestanejar gritou: ‘C O N D O M Í N I O’, na ÉPOCA NÃO ENTENDI, HOJE ME SENTI A GAROTA DE PIJAMA LISTRADO, CERCADA DE FÚRIAS..... Tenho dito”. E com essas mesmas palavras encerro esse texto, Tenho Dito.

2 comentários:

Anônimo disse...

Henrique

Explico o que entendi.

Ela sensível, o poder público demorando para perceber o que já teria que ter feito muito tempo atrás.

Solução: pressão popular.


Valéria

Anônimo disse...

i, e achei até deprimente, pois me senti constrangida mais uma vez, pela condição que me citas, mas é compreensível, o cheiro de gato é constante, pois com essas chuvas, onde eles vão? dentro de casa é claro, enfim é aquilo que vc viu, qto a colar, vou tentar passar pra amigos ler, mas não sei colar e passar, vou tentar, obrigada amigo, devias ter=me dito antes, adorei suas palavras finais. TENHO DITO. E REPITO OBRIGADA, MIL VEZES OBRIGADA, VAMOS VER O QUE VAI SER.

Luzia Aparecida João