terça-feira, 10 de setembro de 2013

MEMÓRIA ORAL (148)


DOIS EMPREENDEDORES MENINOS NO SAGUÃO DO CINE CEARÁ
No saguão do 23º Cine Ceará, grandioso evento cinematográfico brasileiro, patrocinado por lei de incentivo e com apoios dos governos do Estado do Ceará e da Prefeitura Municipal de Fortaleza e ocorrendo no imenso Vila das Artes, Centro Cultural Dragão do Mar, na capital cearense, esse ano homenageando o cinema português e tendo como estrela principal, a atriz e cantora Maria de Medeiros muitos chamam a atenção. Ela estreou seu filme como diretora e fez o show de abertura, mas algo mais a ocorrer por ali durante a semana do festival desperta interesses. Na noite de abertura, sábado, 07/09, muitos ficaram de fora do evento de abertura, por absoluta falta de espaço e, dessa forma lotando o saguão externo, fervilhante burburinho, alto astral cultural circundando o local.

O vento, sempre presente, amenizava o calor e a efervescência emanada muito contribuiu para esquentar ainda mais o animo de dois “meninos”, Alan Nascimento, natural de Fortaleza e Rivanei Alencar, de Juazeiro, ambos com 23 anos e detrás de um diferente balcão de negócios, aliás um imponente quiosque, localizado num dos cantos. Um pequeno, porém chamativo letreiro, redondo e com a caricatura de ambos, informava o nome escolhido por eles para o pequeno e criativo negócio montado, a Guarderia dos Meninos. “Guarderia é um nome espanhol e é isso aqui que você bem vê, esses balcões cheios de coisinhas, muitas coisas. Fazemos e vivemos disso”, começa me explicando Alan, após o interpelar, encantado pelo magnetismo de ambos no contato com o público rodeando os produtos expostos.

Na verdade, a Guarderia não é um simples balcão, trata-se de uma micro empresa individual, iniciativa do Sebrae para aquecer novos negócios de pequenos empreendedores e dessa forma possam abrir pequenas empresas, manter e gerir algo próprio. “Eu tenho CNPJ e tenho também uma maquininha de cartão de vendas”, explica Alan. Eles dois tem tudo isso, estão legalizados e os que me leem poderia me perguntar: Mas fazem o que mesmo? Explico. Vendem brindes, mais especificamente três, imãs de geladeira, caixinhas de fósforo e bottons. Não pensem que esses três itens são comuns. Nada disso, a dupla foge do trivial estampando tudo o que se possa imaginar neles e vivem disso, mambenbeando-os basicamente em eventos culturais na capital e pelo interior do estado.

“Já deu para perceber gostarmos muito de cor, NE? Não gosto de fazer peças com fundo escuro. Adoro cor, Frida Kallo, por exemplo, é um dos nossos ícones”, continua o entusiasmado Alan. Na banca dos meninos prevalece isso, a alegria e a cor é parte essencial disso tudo, chama a atenção e atrai os clientes. As estampas dos trabalhos vendidos por eles são quase todas garimpadas na internet e na maioria das vezes, símbolos universais de domínio público. Na frente de tudo, duas caixas lotadas de bottons, diversidade encantadora. Num lugar como esse é rotina ir vendo muita gente escolhendo vários de uma vez, separando e colocando numa cestinha de ferro. “As cestas eu trouxe da 25 de Março. Quando estive por lá, bati os olhos e vi ser o que precisava. Facilita a escolha dos que levam vários de uma só vez”, diz.

Os bottons, carro chefe de tudo o que produzem são vendidos em dois tamanhos, 3,5 e 5,5 cm e os preços são bem convidativos. Os imãs em tamanhos variados, cortados do tamanho da estampa e as caixinhas no tamanho padrão. Essas, pelo que conta acabam sendo utilizadas mais como peças de decoração do que propriamente para acender algo. Tudo é muito simples de ser feito e na simplicidade acabam se sobressaindo, pela criatividade empregada, tudo feito artesanalmente e só revendendo em eventos específicos. “Acabamos de voltar de um no interior do estado voltado para o jazz. Ficamos numa feirinha cultural montada por lá, o mesmo feito por aqui. Regularmente estamos também num bar de comida natural, muito famoso aqui em Fortaleza. Esse é o nosso público, consumidores de arte, basicamente os que gostam do que também gostamos”, continua Alan.

Alan é o interlocutor dessa dupla de pequenos empreendedores, pelo menos nesse momento, pois enquanto fala comigo, seu parceiro e sócio, Rivanei, mais tímido, fica a atender os clientes. E ele conta mais de como surgiu o interesse, principalmente pelos bottons: “Fazia uns serviços para uma igreja e lá conheci um colega que fazia isso. De início fiquei observando e depois criei coragem, fiz uma parceria para pequenas revendas até criar coragem e comprar o equipamento. Depois de começar, veio a ideia de ampliar, daí começamos a fazer também os imãs e as caixinhas”.

Aproveito para perguntar sobre sua cidade, Fortaleza e me explica aquele algo mais não existente em nenhum catálogo turístico: “A cidade possui intensa vida cultural, 70 teatros, mas os jornais locais falam pouco disso. A verdadeira programação do que rola diariamente pela cidade passa batido das páginas culturais dos jornais. O próprio turista que lota a cidade desconhece os seus extremos. Num deles uma ponte, onde o rio Ceará encontra o mar, no outro a Serra da Caucaia e o rio Cocó, esse também dando no mar, desaguando na praia de Sabiaguaguá. Fortaleza infelizmente ostenta ser a 11ª cidade com maior índice de desigualdade do mundo. Quer ver a pobreza vá até a periferia, porém lá é também fonte de muita cultura e resistência”.

A banca deles ferve de gente, interesse renovado no público permanecendo por aproximadamente duas horas por ali à espera da abertura do portão para o show com a cantora portuguesa. Ela circulou pelo saguão, deu entrevista para o Canal Brasil, posou para fotos, tudo ali, quase ao lado dos “meninos”. Eles bem que gostariam, mas mal puderam estender seus olhos para os lados, tal o movimento da banca. E mesmo com o agito todo, boas vendas, o que fazem não é algo assim tão lucrativo, pelo contrário, sobrevivem. Dormem nas viagens em albergues, pousadas, cavam patrocínios, viajam como podem, contam os tostões, tudo para continuar fazendo o que gostam, como gostam e no meio de pessoas que gostam do que fazem. E são felizes dessa forma, sem tirar nem por, isso estampado nos seus rostos.

5 comentários:

Anônimo disse...

Henrique
Algo bem parecido com o que você faz, hem?
Escreveu isso propositalmente, né?
Tocante o desprendimento dos que tocam suas vidas sem necessidade absoluta por enricar a qualquer custo.
Siga em frente.
Paulo Lima, seu chapa.

Mafuá do HPA disse...

Paulo,
Obrigado.
A vida me ensinou a mamberbear e faço disso minha maior arte.
"Mas é preciso viver e viver não é brincadeira não", diz uma acertada letra musical.
Brinco e encaro tudo sempre com a bandeira a meio pau, mas como agora, saio á luta sem pedir licença, pois contas me batem à porta.
Tchau e um abracito aqui de longe
Henrique

Anônimo disse...

fagulhas de nossa brasilidade e diverdidade.
um abração carioca em voces
Paulo Humberto e Roseli - Rio RJ

Anônimo disse...

Henrique

Diante de um grandioso festival de cinema na capital do estado do Ceará você foi se ater a dois meninos e suas coisinhas. Seus relatos de Memória Oral revelam isso, que as histórias mais simples, a dos anônimos em muitos dos casos são tão ou mais importantes que a dos atores principais. Enfim, quem são mesmo os atores principais?

Valéria

Anônimo disse...

Querido, que texto lindo, perdão não ter agradecido logo, nossa vida ficou um loucura durante o Cine Ceará.
Obrigado mesmo, terminamos o texto com os olhos molhados.
Que nesse e-mail possamos trocar figuras e construir uma amizade.

Grato

Alan Nascimento