OFICINA BRENNAND NO RECIFE E SEU IDEALIZADOR
Recife é uma cidade cheia de encantos. De tudo o
presenciado por lá, o que mais gostei nas minhas muitas andanças pelas ruas
daquela capital nordestina, sem sombras de dúvidas, o povo é o diferencial.
Sim, o povo suplanta a cidade em si e ele é quem de fato faz a diferença da e
na cidade. Eles adoram a cultural local e principalmente sua música, suas
origens e não tem vergonha de ser como são, diferenciados pela possibilidade
que tiveram ao longo dos anos com os contatos todos culturais que tiveram. E
são indiscutivelmente menos conservadores do que os paulistas. A arte que vi
sendo produzida nas ruas é muito rica, exposta, na grande maioria das vezes de
uma forma muito simples, bela e natural. Pretendo escrever muito das
influências, que já sinto muito me tocaram. Tudo o que vem do povo deve ser assimilado
e entendido como algo próprio, natural. Sai de lá maravilhado com o povo nas
ruas, com os contatos feitos nas ruas e praças, com o que consegui absorver de
cultura, da riqueza dos ensinamentos dos mais simples.
Quis fazer esse começo enaltecendo o povo, pois quero
escrever de algo visto por lá que também muito me encantou, mas nascido,
produzido e mantido por alguém bem diferente de tudo o que vi nas ruas.
FRANCISCO BRENNAND não pode e não é um nativo enfurnado dentro da cultura
popular nordestina. É um sujeito cria da elite nordestina, um dos seus
representantes. Oriundo de uma família com incontáveis recursos, algo
inimaginável para qualquer pobre mortal, esse senhor usou toda a grana
amealhada ao longo da vida dos seus antepassados e a sua para criar algo
diferenciado dentro da metrópole nordestina. Não existe quem na cidade não cite
os dois Brennand com uma pitada de orgulho, pois dois dos lugares mais
visitados na cidade são os seus “museus” particulares.
Fui a ambos e escrevo primeiro do denominado INSTITUTO
BRENNAND, o do chamado “Mestre dos Sonhos”. Reproduzo primeiro algo retirado do
catálogo da sua exposição, para que os que ainda o desconheçam, possam fazê-lo.
“Francisco de Paula Coimbra de Almeida
Brennard nasceu a 11 de junho de 1927, na cidade do Recife, capital do Estado
de Pernambuco. Em novembro de 1971, o artista começou a reconstruir a velha
Cerâmica São João da Várzea, fundada pelo seu pai em 1917. Esse conjunto,
encontrado em ruínas, deu início a um colossal projeto de esculturas cerâmicas
que deveriam povoar os espaços internos e externos do ambiente. Hoje, após mais
de 34 anos de trabalho intenso e obsessivo, confrontamo-nos com esse complexo escultórico,
cujo significado dá relevo a um sentido cosmogônico e, ao mesmo tempo,
visionário de Francisco Brennand. O escritor e arquiteto Fernando de Barros
Borba define as características da arte brennandiana como poucos o fizeram.
Todo
esse mundo se apresenta, mais que tudo, com as invenções de Borges e Octavio
Paz, em timbre nordestino. Os espaços sinfônicos, o Taj Mahal no jardim, um
forno antigo atapeado de lâminas e rituais, jarras em penumbra, sentinelas como
peças de xadrez, pilares espetando o vazio, monstros e arcadas trazem-no o
gabinete mágico de Dom Illán de Toledo, utopias de Tlon e de Uqbar, uma cidade
devastada na Índia, um campo ensolarado com pirâmides indecifráveis. É o
romanceiro épico de Brennand. Suas novelas, seus contos breves, quem sabe,
curtos poemas, são esses bicos brilhantes de tucanos, de gaviões, de urubus, os
fálicos fustes coroados por claras e tímidas glandes, pernas de absurdas
mulheres, peixes levantando dolorosamente a boca, frades enfileirados, sapos,
tartarugas, nádegas com cabeças de lagarto (ou serão de bem-te-vis?), cruzes,
marcos heráldicos, totens cegos com peitos, ovos de onde irrompem cobras e, de
repente, a mesa profusamente posta com um banquete de fantasmagorias. Mas para
que descrever? Palavra alguma pode dizer a arte de Brennand. A literatura é
inútil. Ele escreve com a cerâmica”.
É isso, tudo lá é muito louco (pelo menos para mim, um
abusado leigo). O local é um sítio encravado no meio do Recife, rodeado de
habitações populares e ali, algo suntuoso, contrastando com o resto da cidade. Uma
ruazinha estreita, toda asfaltada e após uns poucos quilômetros, algo muito
estranho nos surge diante dos olhos. A reunião desorganizada, meio misturada de
uma intensa obra ceramista, criação de toda uma vida, algo de grande valor,
tudo ali diante dos olhos dos visitantes. Como isso tudo foi possível? Não sei
responder essa pergunta. Sei que tudo foi amealhado, juntado e hoje está
exposto. Não quis escarafunchar e saber mais da vida pregressa do artista, me
reservando a observar e ficar abismado, como a maioria fica diante de tanto
coisa bonita exposta. O lugar é meio mágico e isso fica muito evidente,
primeiro pelo visual e depois quando se toma conhecimento de alguns detalhes da
(re)construção do lugar.
Tudo lá é dividido em dez partes, dez mágicos espaços,
todos imensos, glamorosos e propiciando uma viagem aos visitantes. São eles, na
entrada Os Comediantes, depois o Templo Central, Salão de Esculturas, O
Anfiteatro com suas imensas mandalas, uma praça criada pelo paisagista Burle
Marx, a Accademia com cerca de 300 desenhos, auditório Heitor Villa Lobos, o
Templo do Sacrifício, o Estádio para realização de eventos variados e por fim,
uma loja e café. Tudo permeado pelo verde, tomando conta de boa parte da área
física. Partes das instalações não são permitidas as visitas, pois ali está
instalada a fábrica de peças com o nome Brennand. Tudo feito em série,
atendendo pedidos do mundo todo.
O local era uma antiga fábrica de tijolos e telhas,
herança do pai, instalada nas terras do Engenho Santos Cosme e Damião, no
bairro histórico da Várzea. Tudo ali está cercado por muita coisa ainda
remanescente da Mata Atlântica e também pelas águas do rio Capibaribe. O lugar
é único no mundo, recebendo o toque mais do que especial do artista, em algo difícil
de ser explicado e também difícil de ser entendido. Lendo muito dos que ousaram
escrever sobre o ali contido, vi rasgados elogios, porém em nenhum algo a me
mostrar uma espécie de caminho, de luz no final do túnel sobre as explicações,
as respostas para uma coisa estar ali e outra ali. Na verdade ali tem de tudo
um pouco e o artista viaja, ora versando sobre algo na América, ora na distante
Índia e outros mundos. São versões livres de como entende o mundo.
Num folheto li sobre ali ser uma espécie de “Terra
Sagrada, templo ou até santuário”, mas não acho que Brennand pensou em algo
assim quando criou o espaço. Na sua cabeça tem isso e muito mais. Percebam o
símbolo do Instituto e saquem ali estar nitidamente o de uma entidade do
candomblé, Oxóssi. Aliás, isso outra coisa, quando lá chegamos num grupo,
alguém nos disse que em muitos casos o artista circula muito por ali e
poderíamos, com uma pitada de sorte encontra-lo. Disseram mais, que ele adora
bater papo e responde a tudo o que lhe for perguntado. Dito e feito. Por duas
vezes trombamos com ele e nas duas fiz perguntas a ele. Na primeira sobre o
símbolo lembrando Oxóssi. Ele me explica que gostou logo de cara dele, desde a
primeira vez que o viu, mas que não possui laços fortes com o sincretismo
religioso advindo daí. Foi estético, mas ficava contente que isso de certa
forma possa contribuir para diminuir o preconceito com essa e outra religião.
Na segunda pergunta, ao observar as peças expostas
percebi a retratação de forma significativa do órgão genital feminino, de
variadas formas e jeitos e muito pouco do masculino. Disse a ele que a resposta
poderia ser óbvia, mas queria saber se tinha algo a ver. Ele me disse que
enxerguei somente parte de sua obra, a exposta ali, mas que o fálico também
está representado em variadas peças, em algo que para muito pode passar despercebido,
mas para ele foi coisa pensada. Tirou fotos com todos, falou bastante, indicou
olharmos mais para algumas peças, citou autores de seu gosto e foi paparicado
ao vivo e a cores. Ele, na verdade, vive intensamente aquilo tudo, ou melhor só
vive por causa da continuidade daquele trabalho.
Depois andando mais pela cidade, vejo suas obras espalhadas cidade afora. No cais do recife Velho, na região dos arrecifes uma ilha com um totem seu, na fachada de bancos e empresas, seus ladrilhos, mosaicos e pinturas. Nas calçadas de vários lugares lá a obra imortalizada do bom velhinho. Vim de lá encucado e querendo escrever algo sobre o maravilhamento propiciado pela visita. Sou um ser social, um ser que antes de mais nada enxerga como aquilo tudo foi levantado, no que está por detrás disso tudo. Porém, se for pensar só por esse lado não irei nunca ver as pirâmides do Egito, o que sobrou de Machu Picho ou das ruínas levantadas pelos astecas. E o que vi é tão grandioso quanto isso tudo, independente desse outro lado. Eis aqui esse texto meio bufão e algumas das fotos lá tiradas, dentre mais de cem tiradas.
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