sexta-feira, 21 de março de 2014

MEMÓRIA ORAL (157)


HALLIGALLI REINA NO QUESITO GINGADO E MALEMOLÊNCIA
O Carnaval possui personagens indescritíveis. Esse o caso de tudo o que envolve esse distinto senhor, EDSON ROBERTO LUCIANO, mais conhecido nas hostes bauruenses como HALLIGALI, o nome de uma malemolente dança, que acabou não vingando muito por aqui, mas acabou grudando em sua pessoa e dela não mais se desvencilhou. Conto a história de um e de outro, cada uma a seu tempo. Edson completou 68 anos em março passado, tendo exercido a função de Chefe de Trem na extinta Cia Paulista de Estrada de Ferro. Isso mesmo, esse senhor virou cidadão do mundo quando através das viagens férreas conheceu outras possibilidades, regiões distantes, povos com culturas diferentes e a partir daí construiu um mundo cheio de pluralidade. Virou aquilo que se pode denominar de cidadão do mundo e como agravante, pouco antes, conheceu e se apaixonou por uma cidade maravilhosa e um ritmo musical contagiante, o Rio de Janeiro, o samba e sua gente. Isso transformou sua vida, ela nunca mais foi a mesma.

O tempo passado na ferrovia já é coisa do passado, pois está há quase duas décadas aposentado. Muito perto dessa data ocorre outra coisa também contribuindo para essa guinada. Foi o falecimento de sua esposa, deixando-o viúvo, com um casal de filhos, hoje também com dois netos. Nesse tempo ele já era o Halligalli, nome dado a ele por amigos que o viram dançando alegremente num programa da TV bauruense, perto dos seus 18 anos e num ritmo ainda desconhecido. Jogador de bola em times amadores de Bauru não escapou da gozação. “O twist e o halligalli não emplacaram direito no país, mas a dança era inebriante. Frequentava o Icaraí, um clube de negros, lá fiz um grupo com mais três pessoas. Quando me apresentei no programa na TV Canal 2, descendo e subindo o corpanzil, meu amigos da Portuguesinha, onde jogava bola me viram e me apelidaram com o nome da dança. A coisa espalhou”, conta.

Halli, assim mesmo na forma abreviada e como muitos o chamam pela cidade, virou sinônimo de “homem samba”, pois o pratica por todos os lugares possíveis e imagináveis, não só em Bauru, como na região e por onde mais o convidarem. “O samba está grudado em mim, mas não consegui fazer o mesmo com minha filha, ela tornou-se evangélica. Digo para ela uma coisa bem simples. Sua mãe não volta mais, tenho que viver e o faço da melhor forma possível”, continua seu relato. O local do nosso encontro foi na quadra da Escola de Samba do Cartola, onde ele é uma espécie de Rei Momo Hours Concurs, ou seja “não tem pra ninguém”. Fala isso não de forma pedante, mas porque sabe fazer a coisa, tem uma espécie de mola dentro do corpo, um gingado que faz escola, cria adeptos e súditos por onde passe. Por onde circule, com toda certeza, a alegria o acompanhará, essa sua sina.

Enquanto se veste conta outra faceta sobre esse negócio de ter se eternizado como um nato Rei Momo. “O Cartola me dá o título e me deixa disputar quando quiser, mas como você sabe, Bauru ficou quase dez anos sem ter Carnaval de rua, tudo ficou muito parado por aqui e nesse período, voltei para o Rio e agora peguei mais que gosto, quero estar lá todo ano nesse período. Chego uns cinco dias antes e só saio uma semana depois. Venho fazendo isso de forma tão sequencial, que não tenho mais como parar. Precisaria ter algo muito significativo do lado de cá para me fazer voltar e passar o Carnaval em Bauru”. Em tempo, o interregno da festa em Bauru se deu por questão religiosa, quando vereadores evangélicos pressionaram a Prefeitura para não mais dar verba anual para escolas de samba. Hoje a verba voltou e a festa idem, vicejando ano após ano.

E dessa forma Halli aportou no Rio de Janeiro e lá conquistou a simpatia de muitos daquele lado praieiro do país. “Eu vou nas escolas, frequento várias, conheço as pessoas, vou nas festas. Só para ter uma ideia, fico num hotel ali perto do Sambódromo e da Central do Brasil, na boca do barulho, o San Diego. Sei que é de alta rotatividade, mas meu negócio é só a pernoite e a proximidade com a festa, o resto é só diversão. Vou pra lá, eu e minha mala, com cinco bermudas, uma sandália, dez camisetas e o cartão do banco no bolso. Nenhuma calça comprida, pois se levasse alguma, seria peso morto, pois não a usaria”. Seus detalhes são para endoidecer os acomodados de plantão, pois diz não ter medo algum dos tais perigos do Rio. “Perigo tem em qualquer lugar, inclusive aqui em Bauru. Se tiver medo não saio de casa e o que mais quero é poder continuar saindo”, diz.

Quando o questiono sobre essa sua paixão pela Cartola, sua escola do coração em Bauru, me diz: “Moro aqui perto do seu barracão, no bairro Colina Verde, venho em vários dos ensaios, conheço todo mundo por aqui. Na verdade sou mais que um conhecido, sou um dos fundadores da escola. Isso aqui antes se chamava bloco Nega Maluca, tinha lá o mestre Landinho. Junto disso reuníamos várias pessoas no bar do Guetão, na esquina da Primeiro de Agosto com a Saint Martin, daqueles agrupamentos nasceu a escola e eu quase virei mestre de bateria. Anos depois, minha mulher com câncer no útero e eu naquele ano ia concorrer pela primeira vez a Rei Momo. Eu ia desistir, mas ela não me deixou, me fez ir, torcia muito por mim e daí ganhei em homenagem a ela. Tá vendo essa roupa aqui, com ela eu fiz barba, cabelo e bigode, foi a última do desfile na Rodrigues Alves”, conta vestindo a dourada roupa, guardada com esmero em sua casa e só retirada para eventos especiais, como a sessão de fotos proposta por mim e pela revista AZ.

Na sua empolgação em relatar sua história, ele vai e vem com ela, ora conta algo bem lá de trás, ora volta para o presente. O bom m esmo é deixar tudo por sua conta e risco, pois não existem meios de interromper tão iluminada pessoa. “Sabe como eu não perco a voz no Carnaval?”, pergunta e logo a seguir responde. “Gargarejando semente de romã, com a casa para ir fortalecendo a garganta. Tem também uma pitada de óleo de copaíba para fortalecer a voz”. Quando termina essa frase já muda de assunto e começa a falar novamente do Rio. “Eu só vou pro Rio de ônibus, só quase sócio da Reunidas, muitas idas e vindas o ano todo”. Nisso que se aproxima é Milton Tito, outra peça chave dentro da estrutura da escola e quando o vê corre para o abraço. Faz questão de deixar seu depoimento curto e grosso, numa só frase: “O Hally quando chega essa época faz uma falta danada pra gente”. Esse o sentimento de todos por ali, desde o do carnavalesco Zé Horácio, do presidente Pasqual Storniolo, como do seu dirigente máximo, o ex-vereador Paulo Madureira.

Portelense de coração, coração dividido com a Cartola, uma lá, outra aqui, sem nenhuma confusão. Traz consigo e mostra para todos uma camiseta de Harmonia da Portela, mas é da roupa de Momo o comentário seguinte. “Essa aqui quem me costurou foi o melhor de todos, o finado Robertinho Godoy, costureiro de mão cheia. Igual a ele poucos, melhor acho difícil, o cara sabia tudo de costura”. Nisso quem passa ao seu lado é Luiz Madureira, responsável pelo carro alegórico da águia, o símbolo da Cartola e tudo é interrompido para novos abraços. Quando volta o assunto já é outro. “No Rio o importante é o sotaque, a gente acostuma logo. Tem que ter as manhas para se dar bem por lá. Já me sai de boas e quando percebia que a coisa ia esquentar ia até o dono da birosca e perguntava por alguém, isso para pensarem que conhecia alguém ali do pedaço. Nisso já me aconselhavam estar em lugar errado e até me ajudavam a sair da enrascada. Eu trabalhei no Rio antes da ferrovia, comandando uma equipe de mais de cem pessoas, sou macaco velho nas coisas cariocas, amor mais que antigo”, continua seu relato.

Quero encerrar com ele me falando algo do seu envolvimento com o samba em Bauru e já vai sacando mais histórias. “Frequento muito as serestas da Luso Brasileira, as do GREB e no Made in Brazil. Caré é do meu tempo, desfilava quando a Batista era ainda de paralelepípedo. Na minha idade todo mundo que é sexy como eu tem problema de pressão e para não ter problemas nas pernas uso uma joelheira sem problema nenhum. Ela me segura em pé”. Nisso outro abraço, dessa vez a de “Bubu”, ou melhor, Maria Lucia Silveira Fonseca, membro dos cativos do Cartola. Abraço dado volta para terminar o relato. “Tenho 110 kls e quando chego numa casa de samba, mulher que entra comigo, todos já possuem uma certeza, a de que é ótima dançarina e vai ter exibição”. Sim, Halli tem essa fama toda por causa das exibições que faz, todas gratuitas, daí ser pessoa das mais requisitadas, tudo para presenciarem seu show. E do dia do seu aniversário me contou outra, essa para encerrar, quando lhe disse se poderia acompanha-lo na festa. “Não vai dar. Elas, algumas amigas me convidaram e nem sei onde vai ser a festa. Sei que vai ter samba e que dançarei muito”. Esse o Halli, impagável em tudo o que faz. Confesso uma para encerrar de vez esse relato. Virei seu amigo, como se nos conhecêssemos de longa data, em dez minutos de papo. Entrei para o rol dos seus fãs, admiradores, os ditos veneradores de sua magia.

Um comentário:

Anônimo disse...

parabens pela materia henrique...
Pasqual Storniolo