Victor Avalos circula pelo Brasil há mais de quinze anos e nesse período foi construindo um gostar um tanto diferenciado das coisas daqui. O encontro em Bauru SP, interior paulista, participando do IV Festival Internacional de Bonecos, 05 a 13/abril, uma divertida reunião de bonequeiros nacionais e de vários países da América Latina. Seu espetáculo, o “Tomate, Puro Tomate”, reúne no palco, em apresentação solo, rara oportunidade para se presenciar um profissional no quesito balões. Seu personagem faz de tudo travestido como o palhaço Tomato, diverte o público, encanta adultos e no final da apresentação, quando já sem a pintura no rosto outra possibilidade, a de conhecer a fundo uma pessoa conhecedora como poucos do Brasil. Artista internacionalmente conhecido, viaja mundo afora, tendo já passado por 25 países. “Nesses quinze anos de estrada pelo interior brasileiro conheço esse país mais que muitos brasileiros e dessa forma opino sobre o que vejo”, me diz.
“O argentino é um povo muito exigente. Sai nas ruas muito mais que os brasileiros, para quase tudo, bate panelas, mas pode perceber que a coisa não muda. De que serve isso tudo se a coisa não melhora. Aqui no Brasil a coisa melhorou. Eu vejo isso no dia a dia, o Brasil de hoje não é o país de quinze anos atrás. Hoje eu chego no Brasil e é como se estivesse na Europa. Tudo mudou por aqui e o brasileiro parece não ter percebido muito isso, não ter dado a devida atenção para isso. Eu de fora noto isso nitidamente”, me diz quando o instigo a falar sobre algo que está no imaginário do brasileiro, a de que o argentino vai mais para s ruas se manifestar. Diz mais, fazendo uma comparação com as questões culturais em ambos os países: “O trabalho cultural no Brasil não tem igual. O fenômeno cultural SESC é algo inigualável. São mostras, exposições, festivais, shows para todas as idades e no país todo. Isso não existe em nenhum lugar do mundo, talvez somente na França. Uma entidade sozinha fazer isso tudo que o SESC faz é algo único, espetacular”.
Suas comparações não param por aí. Depois de uma semana de intensa atividade em Bauru e mais duas cidades vizinhas, fez questão de assistir todos os espetáculos de seus colegas, pois pratica o que diz da boca para fora, uma interação e integração com culturas diferentes. “Não tem como não sermos diferentes, a personalidade de nossos povos são bem distintas. O olhar do argentino discrimina mais, é mais duro, ansioso. O argentino é do tipo que guarda o pinto antes de terminar o xixi, dá a descarga antes de terminar, o brasileiro não, ele é mais tranquilo e não se escandaliza tanto com as coisas. Vejo o paulista como um povo tranquilo, mas instigado para a rivalidade e o argentino também tem fomentado isso, mas ele gosta do brasileiro. Pode perceber”, continua sua fala, no único instante onde consegui fazê-lo parar para uma séria conversa, na festa de despedida do evento, domingo, 13/04, por volta das 22h.
E daí, enquanto o grupo musical bauruense Kananga do Alemão tocava no palco, não parou mais de falar. Na mesa, o artista plástico Silvio Selva e convidadas por ele, um grupo de dentistas latinas, formado por duas bolivianas e uma equatoriana perdidas como ele em Bauru, reunidas num curso de especialização da profissão o ajudaram no desfiar da conversa no momento em que descamba para o nevrálgico tema, futebol. “Não te respondo quem foi melhor, se Pelé ou Maradona. Sabe por que? São épocas diferentes e cada um teve um importância diferente. No caso do Maradona para a Argentina sua figura extrapolou o futebol. O caso com a cocaína, a sua rica passagem pelo Nápoles, ele representou muito, muitos fincaram posições por causa de suas atitudes e isso ocorre até hoje”, diz. Mas dois temas e seu posicionamento. Religião: “O brasileiro é mais religioso, difícil quem não siga uma por aqui, já o argentino é mais laico, não dá tanta importância para elas”. Livrarias: “As pessoas no Brasil são mais alegres, influência do clima e lá, mais frio, permanecem em lugares mais fechados, todo cheios de roupas. O argentino é muito mais triste e a geografia como sabemos modifica muito os povos. Isso nos torna muito diferentes, algo natural”.
Na sequência das comparações entre os dois povos ele desfere: “O público argentino é mais exigente que o brasileiro. Aqui é generoso. Lá menos. Isso não acontece da mesma forma em todos os lados. Uma vez mais exigentes, para ser aprovado lá e o argentino gostar de fato, tudo precisa ser muito bom, mas bom mesmo. Não pense que eu sou uma pessoa normal. Vivo muito tempo fora de casa, falo isso da cultura brasileira da mesma forma que falo da italiana. Eu observo muito e falo do que vejo. A MPB de vocês é muito interativa, cito vários que gosto muito, desde Marisa Monte, Gal, Vanessa da Matta, Maria Creuza, Tim Maia. E Tom Zé, como esse é bom e depois o inabalável Raul Seixas. Ganhei um vinil dos Mamonas décadas atrás, tenho coisas do funk carioca, Nação Zumbi e Chico Science. Lá na Argentina conhecem pouco disso, mas não eu. Vindo aqui há tanto tempo, consumo muita coisa daqui e levo comigo. Lá chegou algo dos Titãs, os Paralamas gravaram o Fito Paez, Cavalera é sucesso mundial, tem algo do Barão Vermelho e do Cazuza”, diz cantarolando um refrão desse, o “a tua cabeça é cheia de ratos”.
Nas questões mais polêmicas, como a da política que o seu país tem em ralação às ilhas Malvinas, seu posicionamento reflete um pouco do período em que atuou com soldado da Marinha. “Sou totalmente contra qualquer tipo de guerra e seria mais sensato resolvermos primeiro os nossos grandes problemas, depois iríamos ver essa questão de ampliação territorial. Na Patagônia mora hoje uma pessoa por km quadrado. Você imagina o que é isso? Ter aquele novo território hoje para que? Com que intuito? Fico me perguntando, quem vai querer morar nas Malvinas? poucos. Aquilo vai ser só mais uma conquista política. Eu não penso como todo mundo. Sou curioso, tenho um pensamento singular. Todos rimos e sofremos pelas mesmas coisas, sofremos com as guerras, a desigualdade, a intolerância. Tudo aquilo que toca é também tocado. Eu estou aqui, posso morrer aqui, levo coisas daqui, assim como deixo coisas aqui, veja a profundidade disso”, vai destilando sua verve sobre vários temas ao mesmo tempo.
Num certo momento para tudo e diz que por ser diferente é um artista sem recursos financeiros e me pergunta se sei algo sobre os “peseteros”. Na negativa me responde: “São os artistas que passam de cidade em cidade em busca somente do dinheiro e nem olham nada ao seu redor, não se interessam por nada além do dinheiro. Eu não sou assim, sou um trabalhador do espetáculo, o verdadeiro artista é um trabalhador do espetáculo, aqui, na Argentina ou em qualquer outro lugar”. Esse diferencial foi o que chamou a minha atenção. Estiveram reunidos variados artistas envolvidos com o Festival, concepções díspares, mas todos bem focados no seu trabalho e dessa mescla toda, Victor chama a atenção desde o primeiro contato no espetáculo de abertura do evento, domingo 06/04. Bateu aquele click instantâneo, o da certeza de se estar diante de um diferenciado artista, declarado autodidata e com posições fortes, firmes e contundentes. O persegui do início até o último dia do festival, quando na derradeira hora consegui que soltasse o verbo. Sem papas na língua, ao lado das dentistas e também sem medo de ser ou não politicamente correto, repetiu mais uma vez a frase usada por várias vezes e da forma mais irreverente possível: “Sou tomato, mas não sou fruta”.
O mais significativo de tudo isso talvez tenha sido o registro conseguido na saída do Teatro Municipal de Bauru, dois dias antes do final do Festival, quando ainda tentava marcar o bate papo para a entrevista e Victor solta uma frase cheia de neologismos sobre o Brasil. Aquilo, pela forma como foi dito, impossível o registro assim de bate pronto. Insisti até que tudo voltou à sua mente e gravamos com um único pedido, para que a câmera não fosse dirigida diretamente para o seu rosto. Assim o fiz e do resultado a tal frase aqui eternizada: “Um brasileiro com um pandeiro na mão passa a ser outra história. É como um MP3. Passa a ter cinco mil canções. (...) O Brasil é muito endógeno. Em respeito à comida, são muitos jeitos diferentes de vida. É completamente endógeno. É Brasil, por Brasil, para Brasil, com brasileiros, de brasileiros, entre brasileiros, desde brasileiros, desde Brasil, a ver de brasileiros, com brasileiros e brasileiras”. Ufa! Figura marcante não só pela reluzente careca, nem pelo inusitado rabicó amarrado no cotoco traseiro de cabelo, mas sim mais pelo que apresentou no palco e um pouco mais quando alguns privilegiados tiveram o prazer de bate papos, onde salpicou um bocadinho de suas ideias, tudo construído ao longo de décadas de estrada. Victor já se foi, está novamente na Argentina e por pouquíssimos dias. Antes do final do mês embarca novamente, nova viagem, dessa vez para o México. Essa sua vida, mambembeando e cumprindo o papel que vai além do de artista, o de atento observador de gente ao seu lado. Deixa sempre saudades por onde passa, assim ocorreu em Bauru.
2 comentários:
Esse sensível e extrovertido personagem mostra bem a que veio, tivemos o privilégio de conhecê-lo no Festival dos Inhamuns no Ceará e nos hipnotizou com sua performance politicamente incorreta, conseguimos trazê-lo a Bauru, se mostrou amigo, companheiro e sobretudo extremamente profissional mesmo diante das adversidades. Vida longa ao Tomate! Seja sempre bem vindo! Sucesso Victor Tomate Ávalos Perfil Lleno!
Para os fãs bauruenses do Tomate, existe uma possibilidade de retorno a terrinha em breve não é Kyn Junior e dessa vez NÃO PERCAM! Bela entrevista Henrique Perazzi de Aquino, parabéns. Sesc Bauru
Mariza Basso
bom dia ilustre Bauruense,
seus comentários, bastante ilustrativos, nos mostra a visão de um artista MAMBEMBE, que observa não só o movimento artístico, mas também as transformações políticas que passam em nosso País. É bom termos essa análise observativa, para que reflitamos sobre nossa possível evolução como NAÇÂO.. Com relação à instituiçãio SESC, reputo am maior entidade particular desse país, envolvida com o crescimento do país EM TODAS AS ÁREAS DO CONHECIMENTO.É uma entidade que temos que tira o chapéu e exaltar, como poucas nesse nosso CONTINENTE.
UM abração carioca,
Paulo Humberto Loureiro - RIO RJ
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