sexta-feira, 24 de outubro de 2014
MEMÓRIA ORAL (168)
A IGREJA DO DIABO NO TEATRO E A PRÁTICA DISSO NA ELEIÇÃO BRASILEIRA – O ENCAPETAMENTO BESTIFICA (E BEATIFICA) AS PESSOAS O teatro em alguns momentos acaba nos mostrando exatamente a vida como ela é. Ontem fui ao Teatro Municipal de Bauru assistir mais uma apresentação dentro do FACE – Festival de Artes Cênicas de Bauru (www.facebauru.art.br) e a demoníaca peça, ‘A IGREJA DO DIABO’, uma adaptação de texto escrito quase cem anos atrás por nada menos que Machado de Assis e interpretado magistralmente pelo grupo ribeirãopretano Cia Boccaccione (http://www.boccaccione.com.br/). Dias atrás, ao comentar com um amigo sobre o nome da peça, eis sua resposta assim na lata: “O que mais temos em Bauru e país afora, meu caro, são as tais igrejas do diabo, hoje só pensando no deus dinheiro, esse em primeiro lugar, enriquecimento ilícito e abuso da exploração da fé pública”. Concordei assim de bate pronto, não tem como remediar que se formos mesmo ver os bastidores das maiores e menores hoje por aí, na verdade professam mesmo é a sacanagem explícita e generalizada, uma enganação total e escrachada da fé, baitas empresas comerciais, com fins meramente acumulativos. “A relação dicotômica encontrada nas contradições humanas norteou a criação do espetáculo. (...) Cansado de ser desorganizado, de ficar com as circunstanciais sobras das diferentes manifestações de fé, o Diabo tem a idéia de fundar uma igreja e organizar seu rebanho. Após comunicar deus de seu futuro ato, volta à terra e com muito sucesso faz a igreja que idolatra os defeitos humanos”, prescreve o folheto do Face. Quer dizer, o sucesso da igreja é absoluto. Viva Machado de Assis, que já sacou isso há cem anos lá atrás!
A sacanagem está por todos os lugares e domina mesmo o mundo. Meu sobrinho quase cai ontem num golpe de uma empresa que queria comprar todo seu estoque, levar tudo e pagar com cheque pré datado. Por pouco não perde até as cuecas. Meu amigo Mauro, do mercado lá do Gasparini caiu nesse conto e vendeu tudo o que arrebanhou de gado para um único cara. Deixou o cara levar tudo e dias depois, ao descontar o cheque, viu sua vida em ruínas. Os golpistas estão por aí e fazendo e acontecendo, desde um simples golpe do bilhete premiado, até a ganância do sujeito que cai na artimanha por vislumbrar um desmedido lucro no negócio. “Tá tudo dominado”, diz o gaiato. Tudo mesmo, digo eu, tudo adepto da tal igreja, a que mais cresce no planeta. Ontem mesmo antes de dormir, abro pela última vez a internet e lá a capa da edição chegando às bancas da revista veja (minúscula mesmo), com a última tentativa aecista e tucanista de virar a mesa e ganhar o pleito eleitoral na cara dura, na dita mão grande, engambelando o incauto eleitor. Botaram Lula e Dilma na capa e escreveram que o doleiro preso, prestando juramento secreto de delação premiada (se é secreto, como está na revista?) disse que ambos sabiam de todo o desvio da Petrobras. Isso a dois dias do pleito, exatamente quando Dilma assume a liderança com 8% de vantagem sobre o oponente. Se isso não é coisa do diabo, não sei mais o que venha a ser essa tal de Igreja Diabólica.
O diabo é mesmo matreiro, faz que vai e quando percebemos vai mesmo. Na peça, a orgia carnal é sacralizada como coisa diabólica, mas se assim for, como não participar de tal festim, tão suculento. O sexo fora dos padrões “papai e mamãe” é mesmo coisa do diabo, daí já fico sem saber se devo também adentrar essa tal igreja, pois coisa que não suporto é coisa tudo certinha, dentro dos padrões da dita normalidade pregada pela sociedade em que vivemos. Daí minha cabeça funciona (sai até fumacinha) e percebo que assim como tudo na vida, essa tal de igreja do diabo tem várias ramificações, umas mais diabólicas, outras menos. Umas pegando mais pesado, outras menos. Ri muito na peça quando o diabo pegou no pé de uns fiéis que queriam voltar atrás após algum tempo na igreja e já queriam cometer atos humanitários, ajudar o próximo, compartilhar o subtraído, essas coisas. Entrar na tal igreja é uma coisa, sair deve ser outra. O negócio é assim mesmo, o cara vê a facilidade ali diante dos seus olhos uma vez, depois vicia, mas chega um momento em que cai em si, quer voltar atrás. Isso, na maioria das vezes, quando é pego em fragrante delito, daí chora, se diz arrependido e pede perdão. Alguém aí já não viu esse filme? Criticar a ação do outro todos fazem que é uma belezura, mas reconhecer o seu próprio defeito, isso nunca, nem quando é pego com a mão na botija.
Impossível não voltar para o caso da eleição em andamento. Não existe santos, nem de um lado, nem de outro. Existem sim, os mais diabos e os menos diabólicos. O neoliberalismo em si, assim como capitalismo é a própria essência do diabo encarnado na Terra. Essa desmedida loucura pela acumulação só pode ser coisa do diabo, assim como esse desenfreado consumismo, tão desnecessário. O supérfluo acima de tudo e de todos. O individualismo predominante nos dias de hoje é um dos mandamentos dessa igreja. Pregar a mentira e fazer ela se passar por verdade é outro mandamento. Ludibriar o semelhante, tentar mostrar que o seu lado é menos maléfico que o outro idem. Na comparação dos dois concorrentes ao pleito, um já escancarou que o neoliberalismo é mesmo o seu negócio, privilegiar a iniciativa privada e sacanear com todos os direitos trabalhistas é outro, pois para uns continuarem ganhando muito, a massa que sua a camisa precisa ser explorada e muito. Não existe outra saída. Um faz isso declaradamente e o outro, tá com um pé dentro da igreja, tentado a todo instante cair de boca, mas ainda povoa esse nosso mundo de médicos humanitários, de edificações populares, de programas sociais para atender o pobre, de cursos profissionais para tentar minimizar a situação do não preparado e tal e coisa. A disputa se dá entre o diabinho e o diabão. Eu, como tô com um pé dentro e outro fora da tal igreja, ainda não totalmente influenciado por ela, prefiro o diabo, no caso a que menos maldade promove.
Ainda da peça, no meio dela um discípulo diabista percorre os corredores do teatro e distribui um jornal, o “DEMONEWS”, com uma manchete de primeira página, “Igreja do Diabo cresce no mundo inteiro”. No texto de convencimento algo assim: “Hoje em dia as pessoas vivem um momento de ruptura com qualquer religião que as impeçam de ser elas mesmas. A partir daí, onde encontrar mais liberdade que na igreja do Diabo?”. Nela, afinal, ninguém tem compromisso com nada, a não ser consigo mesmo, com seus próprios desejos. Impossível não fazer uma alusão direta com o que produz de nefasto a mais perversa e sórdida revista semanal brasileira, a veja (minúscula mesmo – querem que entre no mérito da questão?). E mais, quando vi no meio da peça atores interpretando personagens das religiões católica, muçulmana, judaísmo e evangélica, aquele discursinho pra lá de conservador, preconceituoso, reducionista, tudo farinha do mesmíssimo saco, a certeza de que o diabo ganha terreno e sua igreja é a que mais cresce. Assistam esse trechinho da peça:https://www.youtube.com/watch?v=JyRbSbbm5Hs.
A peça é ótima, faz pensar e pensando a gente saca melhor sobre isso tudo à nossa volta. Agora mesmo quando vejo a diabada tucana fazendo de tudo e mais um pouco para incutir que suas diabices são santificadas e as do adversário é que são as cavernosas, chego a conclusão de que o diabo sabe muito bem ocupar espaços. Encerro esse texto parabenizando um garotão bauruense, servidor público municipal e homem de teatro, o Fábio Valério (fabiovalerio.blogspot.com.br), idealizador do espaço alternativo mais encantador da cidade, o do grupo Protótipo Tópico (http://www.prototipotopico.art.br/ ), que brilhantemente traz para Bauru esse festival cheio de alvissareiras novidades. Não existe como não aplaudir em pé uma iniciativa como essa, com a cara jovem e ousada dele e de todos naquela casa endoidecedora e diabólica (sic). E para os que querem conhecer na íntegra o texto do Machado de Assis, eis o mesmo em áudio livro: https://www.youtube.com/watch?v=JyRbSbbm5Hs. E para as eleições do próximo domingo, algo nada diabólico, ou seja, um pedido para votemos observando quem dentre os dois produz menos dessas coisas e mais faz pelo tal do povo brasileiro. Daí, voto nela.
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