quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (134)


TRÊS HISTÓRIAS DE UM MESMO REDUTO DE SAMBA E CARNAVAL

1.) RAINHA DO ESTRELA DO SAMBA
Quando muitos pela aí insistem em colocar as tais taludas pra desfilarem na frente de suas baterias, o bloco carnavalesco Estrela do Samba de Tibiriçá se mostra cada vez mais voltado para suas origens, história de vida, sempre valorizando os seus, os da sua comunidade, a do distrito rural distante 15 km da cidade de Bauru. Essa sambista nata, com o traquejo e a malemolência que o Carnaval precisa, ela sabe muito bem o que quer, possui muito samba no pé e vai dignificar ainda mais a festa quando os olhos estarão atentos para quem de fato e de direito deve ser mostrado, valorizado, incentivado durante a festa. Eu a vejo sambando, esbanjando simpatia em todos os ensaios do bloco, realizados nos domingos lá na rua defronte a casa dos Baté. Não pode ver a bateria iniciar a batida e já se mostra atenta, disposta e a partir daí, algo acontece, um estalo interno, ela segue normalmente para a pista e samba, mostra para tudo e todos do que é capaz. Soube cativar e conquistar seu espaço, algo pelo qual a direção do bloco acerta em mão cheia ao lhe dar o título de rainha da bateria, a que representa o bloco no asfalto, com os pés no chão, suando e mostrando para quem quiser ver o que é isso do samba tradicional, feito com muito garra, amor e valorização de quem sua a camisa o ano todo e neste momento quer ser, estar e ser feliz por alguns dias. Nada contra as taludas serem valorizadas, pois muitas sambam muito bem, mas essa aqui está lá o ano todo, persiste e insiste na pegada do bloco. Não seria justo colocarem ali junto da bateria alguém sem vinculação com a comunidade, daí, esse pessoal do Estrela do Samba, demonstra mesmo serem os uós do borogodó. Eu saio nesse bloco, dos poucos onde estarei na avenida este ano, até por falta de capacitação física para me desdobrar mais, porém, estou em estado de plena felicidade por me certificar de que, o lugar onde escolhi para sambar sabe valorizar os seus. Quando vejo essa RAINHA sambando, rindo muito, feliz da vida, a certeza de que o bloco estará arrasando na avenida. É com esses que eu vou...

2.) REI DO ESTRELA DO SAMBA
Toda escola de samba ou bloco de Carnaval escolhe sua rainha, mas acabam por se esquecer do REI. Pois o bloco lá do distrito de Tibiriçá, distante 15 km da cidade de Bauru possui um e ele é o que dá as cartas nos ensaios e desfiles do inusitado congraçamento humano formado junto aos sambistas do lugar. Rei é o rei e isso basta. O título lhe foi outorgado pela sua presença de espírito, por estar inserido no contexto do que prescreve os estatutos do bloco, escritos em lugar nenhum, mas na cabeça de todos. Por onde chegue é logo chamado de rei e assim sendo, nada melhor do que ser logo oficializado e dar início aos serviços. Grandão, quase dois metros de altura, coisa de uns vinte dias atrás bateram em sua moto, quebrou o braço em alguns lugares, está com tala e sentindo dores, mas o Carnaval falou mais alto e não conseguiu ficar de fora, vendo tudo sentadinho em sua poltrona real. Teve que cair na folia. Vai desfilar e depois, volta aos seus aposentos para o devido repouso que a convalescença necessita. Rei tem histórias lindas do seu envolvimento com o samba e Tibiriçá. Ano passado, ele lá na avenida todo paramentado de rei, roupa impecável, sorrindo por todos os poros, quando um carro quebra momentos antes do desfile começar e solicitam a todos uma ajuda para empurrar. Ele se recusa e sua justificativa é aceita por todos: "Sou o Rei, não vou ficar empurrando carro com essa roupa. Me poupem". E não só foi poupado, como respeitado. Os súditos realizaram o serviço braçal e ele continuou impávido, lindo, leve e solto na avenida, desfilando com a galhardia que lhe é peculiar. Isso do Carnaval ter também um rei e ele estar ali reinando junto da rainha é algo ainda pouco usual, mas quando vejo isso aqui acontecendo na prática, vejo dos encantos mil e de suas possibilidades dentro do imaginário popular ali ocorrendo. Esse rei é rei de fato e de direito, alguém escolhido não por seu sangue azul, mas pelo acarinhamento que aquela comunidade possui para com ele. Estarei desfilando na segunda de carnaval, sendo comandado, sem nenhum problema por esse REI, alguém pelo qual me submeto às suas ordens sem maiores problemas. Esse é dos merecedores de respeito e consideração. Viva o REI!

3.) PRINCESINHA DO ESTRELA DO SAMBA
Escolhi o bloco Estrela do Samba para desfiar três textos nessa manhã de quarta e assim, escrevendo desses personagens, estou homenageando tudo e todos envolvidos com essa festa popular, a maior do país, o Carnaval. O bloco Estrela do Samba é possuidor de um diferencial além do imaginado, pois surgiu e se mantém num distrito rural, Tibiriçá, distante 15 km de Bauru. Ali a coisa flui de uma forma onde só é mesmo possível entender quando ali presente, vendo tudo com os próprios olhos. Não adiante analisar à distância, sem sentir, cheirar, tocar, provar, ver e ouvir aquilo tudo de pertinho, rostinho colado, parede meia. Eu faço isso há alguns anos, junto da companheira Ana Bia e estamos cada vez mais envolvidos, magnetizados com o que ali vivenciamos. Não existe mais como estar no Carnaval de Bauru sem estar ao lado dessa gente de Tibiriçá, carnavalescos por osmose, algo de pai pra filho desde sempre. Os Cosmo, também conhecidos como Batés criaram algo pra lá de valoroso. Veja o brilhantismo dessa foto e desta menina, desde a mais tenra idade ali ouvindo samba e o fazendo junto aos seus com amor e dedicação. Ela não desgruda de um pequeno estandarte, algo como sua própria pele e quando lhe disse que a iria fotografar, deixou a peça de pano sob os cuidados da mãe e se atirou no chão. Fiquei estático, atônito e registrei rapidamente a cena. Ela é dos que se entregam de corpo e alma ao amor pelo lugar, a aldeia onde moram, sua gente e tradições. Vi sua irmã chorar copiosamente quando lhe disseram que não poderá sair sambando no asfalto esse ano, por causa de um problema no joelho, impedimento médico. Muitos por lá são assim, fazem de tudo e mais um pouco para estar ali nesse rico, raro e anual encontro carnavalesco. Os observo à distância, tento entender dos meandros dessa coisa maluca do amor desmedido pelo lugar e assim também me envolvo, me deixo levar. Essa pequena bailarina do asfalto é um belo exemplo de como as coisas se dão nas entranhas de Tibiriçá e dos envolvimentos todos dessa gente com as coisas de lá. Eu, na qualidade de intruso e forasteiro, me deixo levar e ao ser aceito, aproveito, me esbaldo, sem excessos, pois sei, essa permissão não é concedida a todos. Se entenderam que sou dela merecedor, valorizo a autorização e sigo em frente.

UMA HISTÓRIA DE DUAS PESSOAS SE ENTRELAÇANDO JUNTO AO TOMATE
OS MUSOS DESTE ANO - LULINHA E MARIA CECÍLIA
Um dos momentos mais cheios de pompa dentro da antecipação do desfile do bloco burlesco, farsesco e algumas vezes carnavalesco, o Bauru Sem Tomate é Mixto é quando da escolha anual dos MUSOS, aqueles cujas caras, identidades são a do próprio bloco. Um personifica o outro e vice versa. Acertamos em cheio nas escolhas anteriores e nas deste ano, damos o pontapé inicial para que daqui por diante o seja com um casal. Os dois escolhidos para serem os MUSOS deste ano são dois tomateiros desde sempre, Agnaldo Lulinha Silva e Maria Cecilia Campos. São gente de nossa laia, ou seja, estão na lida contra as injustiças deste mundo, sempre colocando o bloco na rua, a cara na tapa e sem medo de ser feliz, se posicionam, pessoas marcantes, admiráveis e cheias de muita luz. Foi uma escolha por consenso, quase por unanimidade, pois quando Nelson Rodrigues profetizou a famosa frase, com certeza não conhecia esses dois. Escreveria laudas e laudas de ambos, pois além da sapiência de serem gente da melhor espécie e qualificação, guerreiros até não mais poderem, fizeram de suas vidas algo verdadeiramente em prol da transformação do mundo em algo mais palatável.

Lulinha é sindicalista, Cecília é professora. Ambos são lutadores, esgrimistas das boas causas. Lulinha sabe como ninguém andar em cima de uma motocicleta e Cecília executa com o mesmo brilhantismo uma aula de sociologia. Lulinha sabe lidar com essa gente toda envolvida nos movimentos sociais e Cecília lida com a devida maestria com legião de alunos. Cada um na sua, mas no frigir dos ovos muita coisa em comum, daí terem sido escolhidos juntos, no mesmo balaio, pois estão do mesmo lado, lutam por algo muito parecido e o ideal, o grande motivador deles não saírem da cancha de jogo são idênticos. Ambos acreditam nas pessoas, principalmente nas mais simples e por causa delas acordam cedo e dormem tarde. Não são empreendedores na forma como hoje o termo é utilizado, mas empreendem algo dos mais dignos dentro da concepção humana, pois querem um mundo mais igualitário, onde as diferenças desapareçam e todos possam ser valorizados, cada um pelo conhecimento que possui. Cada um ao seu modo e jeito não desiste de seus sonhos e por causa deles estão pela aí, fazendo e acontecendo. Cada um com sua sapiência bem peculiar, especificidades bem particulares, mas quando em ação, na junção dos saberes, a melhor contribuição que podem dar para tentar fazer deste mundo algo onde o ser humano seja o centro das atenções e não, como hoje, isso das leis de mercado, valerem mais do que as pessoas. Um luta lá, outro cá, mas vez ou outra estão juntos, irmanados e coesos, como quando no bloco, numa passeata de protesto ou de mãos dadas numa forte corrente a defender a classe trabalhadora.

Esses são nossos musos, gente como a gente, mas com aquele algo a mais. O bloco do Tomate tem o maior orgulho de ter gente como eles em seus quadros. Só pode ser mesmo algo de inestimável valor duas pessoas como eles sentirem a necessidade de estar ligado ao Tomate, ou seja, se aqui estão é porque aqui é um bom lugar e se aqui estão é mais que bom, pois com suas presenças o grupo todo fica mais valorizado. Cada um do grupo pode desfiar um baita rosário de coisas boas, histórias e relatos de onde eles estiveram, estão ou estarão enfurnados, pois são desses não dando descanso para suas vidas. Não existe orgulho maior para todos nós do que poder prestar essa singela homenagem para tão valorosas pessoas. Eles encarnam o espírito tomatista como poucos, exemplo para tudo e todos. Eles e nós só queremos transformar esse mundo e se deixarem a gente vai deixar isso tudo uma belezura sem fim. Ninguém segura esses dois, colocando buscapés nos costados de todos nós, não deixando a palavra desistir fazer parte de nossas vidas. Dia 22/02, na praça Rui Barbosa, pouco antes do bloco descer o Calçadão a gente fala mais deles dois. Por hoje só isso, amamos eles dois, nossos musos.

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