terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

RETRATOS DE BAURU (237)


HISTÓRIAS CARNAVALESCAS RECOLHIDAS NA E DA SARJETA

1.) ROSE BARRENHA E SEU PATINETE
Rose foi funcionária pública municipal, primeiro da área da Saúde (é psicóloga desde os tempos do bloco Loucos por Alegria) e depois, até quando se aposentou na Cultura. Acumulou irrerevência, picardia e o jeito de fazer tudo o que muitos outros achavam custoso demais. Encerrou suas atividades dentro de uma biblioteca de bairro, num dos tantos altos pontos dentro de sua nada conformada vida. Foi tentar algo novo pelos lados de Piraju, onde dá prosseguimento ao seu modo de tratar o semelhante dentro de uma igualdade não mais tolerada hoje. Por causa disto, seguidos murros em ponta de faca. O tempo passou, Rose sendo para-raios foi juntando energias diferenciadas em seus costados e chega neste momento de sua vida sem muitas condições físicas de descer o Calçadão da Batista junto do bloco Bauru Sem Tomate é MiXto. O pessoal do bloco, todos da mesma laia e lida onde ela navega e toca sua vida, não a deixou desistir. Ela disse daria seu jeito e desfilaria, mesmo cheia de dores, apregoando sem condições de bailar nas sete quadras do Calçadão. Dias antes do Carnaval visita parente e por lá vê dentre as coisas do filho do casal um largo patinete motorizado e o estalo surge assim de bate pronto. "É com isso que irei desfilar", pensa. E assim o faz, para deleite e alegria dos tantos amigos tomateiros. Ver Rose flanando, navegando, sobrevoando, pairando no ar junto aos demais foliões foi mesmo para ter a mais absoluta certeza: esse bloco é mesmo, não só desconsertante, como consertante. Rose, hoje passados três dias do desfile, reclama das dores, mas não se arrepende do feito e feliz da vida, dessa forma e jeito dá vai contornando os problemas, driblando as depressões e dores, tocando o barco, mesmo quando o vento sopra ao contrário. É de gente como Rose no e com o Tomate, o seu motor gerador, o grande motivo dele resistir, persistir e insistir por oito anos nas ruas de Bauru, sendo, fazendo e acontecendo. Sem gente como Rose não seríamos merda nenhuma.

2.) GILBERTO TRUIJO E O ESFORÇO PARA TOMATEAR
O advogado Gilberto Truijo faz história em Bauru, primeiro como o mais alto nome dentro de todas as Comissões de Direitos Humanos que a OAB regional já teve nestas plagas. Dignificou a função pela forma como a executou, sempre ao lado dos menos favorecidos. Em seu portão, até hoje, muitos sem condições de pagar honorários e o faz por escambo, trocando, por exemplo, leitoa pelo serviço executado. Truijo tem uma das pernas atrofiada, anda com pesadas botas, muleta e para descompensar mais, perdeu anos atrás sua companheira de todas as horas. Uma das válvulas de escape foi se juntar ao pessoal do bloco Bauru Sem Tomate é MiXto, guarida para embalar e dar sentido para a continuidade da vida. Mais do que integrado ao grupo, segue participando de tudo, mesmo hoje, acometido de probleminhas de alcova, ou seja, alguns outros de ordem médica, impossibilitado de bebericar álcool e consumir muita gordura. É também diabético, o que lhe restringe mais os movimentos. Neste Carnaval queria descer, tentou várias formas, desde alugar uma cadeira de rodas, como o fazer dentro do banco do carona do carro de som. Não deu certo nem coisa, nem outra. Juntou forças, tomou seu mais forte fortificante, passou sebo nas canelas, cheirou um pó de mico e chega para a desfile de Uber, desce, pedindo somente algo para os organizadores: "Desçam devagar, não quero tropicar". E assim foi feito, muitos se escorando uns nos outros, todos chegaram ao final do percurso, sãos e salvos, alguns com escoriações, contusões e mais dores, mas todos alegres, contentinhos por estarem unidos e coesos, junto de grupo provocador, contestador e o único a levantar a voz no Carnaval bauruense contra os desmandos desta cidade dita e vista como "sem limites". Truijo é uma das tantas caras alvissareiras deste agrupamento humano, uma onde cada membro ativo (ui! cadê esses?) consegue tocar o barco adiante por se escorar um no ombro doutro. Assim seguem fortalecidos e tentando passar por esses bicudos tempos sem ninguém soltar da mão do outro.

3.) HELENA AQUINO ESQUECEU DAS DORES JUNTO DO BLOCO
O tempo passa, o tempo e algo além dos aviões de carreira vai tentando se colar junto da gente. Helena Aquino que o diga. Advogada de formação, toca sua vida, hoje aposentada e lendo tarot, algo a mover desde muito tempo, quando trocou o exercício da profissão pelas cartas na mesa. Não se arrepende, vive só numa casa em região perto do centro da cidade, sai com amigos pela aí, tenta curtir a vida ao seu modo e jeito. De uns tempos para cá a reclamação é somente uma, dores nas pernas e a impossibilidade de continuar saindo como dantes. A vontade continua dentro de si, mas as dores a restringem de botar o bloco na rua. Sua salvaguarda sempre foram os livros, sua tábua de salvação para desde a insônia, como para continuar sendo essa pessoa a entender o mundo sem se deixar levar pelo ressentimento homofóbico. Quem lê muito não pode mesmo ser alguém a defender o esmerdalhamento do país nesses tempos bolonaristas e milicanos. Ela toca sua vida, reclama das dores, mas insiste. Quase declinou de sair este ano como bloco Bauru Sem Tomate é Mixto, mas buscou forças lá no fundo, pediu um vestido, fez nele umas intervenções, deixando-o mais carnavalesco e assim surgiu de Uber junto do bloco. Não me peçam para descrever como se safou das dores, mas deve ter incovado alguma força interior, superior, raízes da natureza e o faz leve, límpida, fagueira e esbanjando alegria, abraçando a tudo e todos. O bloco neste ano foi também muito disto, essa reunião do que tinham tudo e mais um pouco de motivos para permenecerem em suas casas, mas não resistiram, deram seu jeito e barbartizaram, numa clara demonstração de garra, disposição e de muita forma interior. Helena é tomateira desde o início da coisa, esteve e estará junto ao grupo, remando contra esses tantos moinhos de vento querendo e fazendo de tudo para nos atrapalhar a caminhada e a vida. Não existe nada igual a essa demonstração de força de vontade de tantos como ela, os tais imprescindíveis para o fortalecimento do Tomate.

4.) OSCAR VEIO DE CAJADO E COM O FILHO A TIRACOLO
Oscar Fernandes da Cunha é professor de História na rede pública e padece nos últimos tempos de problemas nas pernas, causadas pelo peso atual da constituição corpórea a sustentá-lo em pé. É um dos fundadores do bloco Bauru Sem Tomate é MiXto e dele não arreda pé, pois ciente de estar dentre tantos outros com a mesma verve da resistência instalada junto ao motorzinho do corpo. Está difícil dar aulas em pé, mas resiste e em casa, a terapia é continuar em pé, desta feita diante do fogão, produzindo pães artesanais, sua especialidade, depois do desagravo ao momento atual vivido pelo país. Resiste, insiste e persiste, pois como sabe muito bem, depois de certo tempo de quilometros rodados, a vida não mais permite peças de reposição se sim, só de manutenção. E assim, recauchutando daqui e dali, apertando uns parafusos, soltando outros, afrouxando a repinboca da parafuseta, segue a vida. Pediu uma camiseta especial, tamanho dito por ele mesmo como M, longe de Médio, mas sim, de Mamute. Ri do dito, apregoava das dificuldades que teria para descer o Calçadão, mas daria seu jeito. Deu e foi lindo vê-lo chegando junto do filho, esse sua muleta, a escora necessária para chegar lá na outra ponta com a certeza de o fazê-lo sem percalços. Oscar já desceu esse mesmo Calçadão com fantasias homéricas, como a do Homem Borracha, envolto numa bóia gigante, câmara de ar de caminhão, tudo para desdizer das enchentes na cidade. Hoje o faz mais comedido, com um cajado às mãos, porém sua verve nunca está totalmente recolhida, prometendo preparo mais provocativo para os próximos encontros. Churrasqueiro de mão cheia, abrilhanta os convescotes do bloco, com seu avental sempre impecável e seu jeito nobre, cheio de categoria na forma como trata um assado. Presença obrigatória no bloco, desses que o grupo trará para o desfile nem que for de maca, ele comparece e ao ser visto, a certeza do bloco sobreviver, dando o seu jeito. Ele não é o único com problemas de forno na descida do Tomate, já sendo pensado uma ala reunindo os com junta avariada e com pouca graxa nas juntas.

5.) MARCIA PESTANA MOTA DEU A VOLTA POR CIMA NO BLOCO
Inesquecível, irretocável e incontornável a passagem de Marcia Pestana Motta pela Casa dos Conselhos, quando ainda num imóvel atrás da Beneficência Portuguesa. Ela sabia como ninguém receber e tratar todos os assuntos ali encaminhados, com a devida sapiência e maestria. Deitou fama por causa de sua forma elegante, sincera para com tudo e todos. O tempo passou, ela se aposentou e a Casa dos Conselhos foi pras cucuias, desmobilizada por quem não aposta em Conselhos Municipais propondo a transformação de uma cidade. Isso uma coisa, outra os percalços da vida e a necessidade que todos possuem em algum momento da vida de dar um breque, desacelerar, ficar na moite, esperar a coisa melhorar e só depois voltar a carga. Com Márcia assim se deu. Anos atrás foi muito ativa junto ao bloco, estando em várias de suas atividades, mas pelos problemas de sempre, esses que nos impedem de barbarizar nas ruas, a saúde, se afastou e agora, neste ano, volta à carga com tudo renovado. Ninguém a segurou este ano, estando em tudo o que aconteceu e foi marcado para acontecer, tendo como chancela o nome do Tomate. Foi das primeiras a comprar a camiseta e das primeiras a chegar na praça, local da concentração dos tomateiros antes da descida do Calçadão. Está literalmente tirando o atraso, recolocando as coisas no seu devido lugar. Linda pessoa humana, sincera até as vísceras, dessas a dizer na lata de algo pelo qual não se sinta confortável, tendo no bloco um dos locais de descarrego, com a certeza de estar junto a tantos outros da mesma laia e opinião. Vê-la sorridente, flanando entre tudo e todos é a mais absoluta certeza deste bloco ter uma missão e ela estar sendo devidamente cumprida, a de trazer e propiciar a alegria entre esses tantos que, num momento como esse, quando o país se emburrece de forma conservadora, os iguais de juntam e unidos se fortalecem, seguem a justa caminhada. Sem portos seguros de ancoragem, seríamos todos muitos mais tristes, desconsertados e perdidos nesse mundão cada vez mais insano. Quando diante de agrupamento de iguais, a caminhada segue seu ciclo com menos percalços. Márcia descobriu isso e é feliz da vida.

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