sexta-feira, 19 de julho de 2024

DOCUMENTOS DO FUNDO DO BAÚ (195)

CURTAS HISTÓRIAS DO LADO DE CÁ DO MUNDO

01 - O ENGRAXATE DA CORRIENTES

Eu bem vi uns três engraxates aqui espalhadois pela grande Buenos Aires. Deve ter mais. Vivemos tempos onde o sapato engraxado virou artigo de luxo, tal o tipo de pisante destes tempos, preferenciamente tênis, inclusive com senhores da terceira idade. Eu praticamente aboli o sapato e daria prejuízo certo para os ainda a insistir nessa honrasa profissão. Lembro das história do seu Cláudio Amantini, que começou nela nos áures tempos dos anos 50 da Estação da NOB e praça Machado de Mello. Já tivemos muitos em Bauru e, pasmem, outro dia me deparei com um menino com uma caixa lá perto da praça Rui Barbosa e depois tentei reencontrá-lo, pelo inusitado nos tempos atuais, mas não mais o localizei.

O daqui, não resisti, ele atendia um senhor. Tiro a foto, ele percebe e vou puxar conversa. Conta que, deve ser o último na Corrientes, daí aínda lhe sobram alguns clientes, como o senhor na foto. São "gatos pingados", mas ainda, a fonte de sua renda. Chegou a me mostrar onde guarda seus apetrechos, com chave e cadeado, servindo também para alguns amigos guardarem outros objetos no seu apertado espaço debaixo da cadeira. Trata-se, como se vê, uma profissão em extinção, porém, guarda lembranças inenarráveis. "Eu ganho pouco, mas tenho praticamente clientes fixos, muitos passando aqui, por não mais conseguirem engraxar seus sapatos e sabendo que ainda atuo, deixam os seus aqui comigo", conta. Permaneço alguns instantes o observando antes de voltar a caminhar pelas ruas da cidade grande, hoje meu objetivo.

02 - O CATADOR DE RECICLADOS DO ONCE

Eles, os catadores de reciclados, assim como no Brasil, estão por toda a parte aqui na grande Buenos Aires. A diferença é que os de Bauru, na maioria dos dias do ano, trabalham com altas temperaturas e os daqui, como nessa semana, em muito baixas. Neste da foto, passo ao seu lado quando estava à procura de livros, nas imediações do Once, o bairro daqui correspondendo no Brasil ao Saara carioca ou à 25 de Março paulistana. O vejo com um saco de pão duro às mãos e vez ou outra, dando uma paradinha no serviço, enfiando a mão no saco e mastigando enquanto labuta. Não tem como continuar a fazer o que me movia pela cidade, catar cadernos, pois tarado por estes, estava diante uma imensa papelaria e iria vasculhar umas novidades. Vi vários iguais a ele, mas este o vejo com o saco de pão pendurado na lateral e a cena me faz parar ali no meio da rua.

Ele percebe, me aproximo, digo se posso fotografá-lo e começamos a travar uma rápida conversa. Falo do saco de pão e sua resposta: "Foi o que consegui hoje. Tem dias que consigo algo melhor. Em alguns dos lugares onde recolho papelão, me dão o que comer e carrego sempre aqui do lado. Hoje não consegui nada além do pão e isso aqui é um serviço bem pesado. Com ele sustento a mim e mais duas pessoas. Elas estão por aí, catando papéis que os comerciantes colocam na beirada da calçada. Não dá pra boberar, pois se o fizer, outros levam os papéis e assim consigo menos no dia. Até para parar e conversar, acabo perdendo alguma porta e de recolher algo". Abro a carteira e lhe dou algo, nos despedimos e ciente de que, as histórias destes, tanto de lá, como de cá são as mesmas. O explorador de lá e o mesmo de cá. E a amargura da vida deste aqui é idêntica ao de todos os a executar o mesmo serviço Brasil afora. Me fui pensando em onde dorme o simpático catador argentino? Terá abrigo e qual a distância que irá percorrer puxando o carrinho até conseguir pesar e vender o que recolheu?

03 - O TAXISTA ACABOU VIRANDO UBER E TAXI AO MESMO TEMPO

Não é novidade por aqui e ainda o é no Brasil. Muitos taxistas aderiram ao sistema Uber e trabalham em ambos os serviços. Circulamos por aqui muito de Uber e por três vezes, quem se apresentadiante de nós é um carro com as cores de táxi. Para um deles digo que, no Brasil os taxistas ainda são reticentes e não aderiram ao sistema Uber. Ele me responde que, aqui também, porém usa um argumento muito forte para me dizer, não ter havido mais jeito: "Se o inimigo é muito poderoso, chega um momento e não existe mais como resistir". Disse trabalhar para ambas as bandeiras. Quando lhe estendem a mão chega como táxi e quando lhe chamam pelo aplicativo, chega como Uber. Assim toca sua vida, rodando pelas ruas de Buenos Aires.

Seu argumento me faz pensar em como é mesmo muito difícil fazer o enfrentamento com certos grupos poderosos, alguns asquerosos e, como neste caso, chegando com muita força, impondo um serviço e praticamente aniquilando, dificultando ao máximo ao outro. Particularmente, impossível gostar do sistema de Uber, não pela praticidade oferecida, que é ótima, atendimento em cima da pinta, preços muito melhores que os dos táxis, porém, sabe-se, são perversos em relação aos direitos trabalhistas, oprimem e impõem um sistema opressor, onde quem nele atua, possui poucos direitos. Alguns estão sendo conquistados pouco a pouco, com muita luta, como o direito a ter seu veículo consertado em caso de algum acidente, onde o veículo esteja totalmente impedido de circular por um tempo. Ou seja, só mesmo com muita organização, luta, perseverança para enfrentar os tentáculos de quem chega com tanto poder. Isso se reflete em tudo o mais nestes tempos.

04 - A ÍNDIA QUE VEIO PRA CIDADE GRANDE E FOI VENDER ROUPA NAS CALÇADAS

Também fui as comprar aqui no Once, o bairro com essa finalidade aqui em Buenos Aires. Gente do país inteiro aqui aporta e compra, atacado e varejo, com grande circulação diária de pessoas. Vejo também toda a colônia de negros africanos, pela beirada das calçadas, vendendo principalmente roupas e óculos. Dominam esse nicho do mercado. São grandões e falam entre si em seus idiomas. Estes são os negros que hoje vejo pela Argentina. Sei, por ler que, a participação do negro na história do país foi importante, mas sempre reduzida, oprimida, assim como a do indígena. Estes são bem visíveisd dentro da cultura argentina, pois isso permanece no traço, no visual que vemos pelas ruas. O argentino nato, quer queiram ou não os brancos, possui um traço indígena marcante, bem evidente e isso se mostra calaramente nas ruas.

Nas andanças pelo bairro mais comercial desta cidade, num momento junto com Neiva, nos deparamos com uma senhora baixinha, andando em andrajos, toda enrolada em seus panos, alguns típicos do traje dos Andes e parada, estática num local, com aquele olhar fixo em algo no nada, talvez buscando entender onde veio parar e o que estaria fazendo num lugar como este. Ela marcou minha tarde e sua imagem não me sai da cabeça. Num livro aqui na residência Airbnb onde estamos, leio sobre os povos indígenas daqui e como foram tratados ao longo da história. Os mapuches até hoje padecem e muito. Muito mais neste desGoverno de Javier Milei, quando cada vez mais encurralados e, como vi na figura da senhora na rua, sem eira nem beira, sem rumo certo, perdidos e pior, sem esperança. Triste demais a cena da senhora que vimos na ida de nossas comprinhas e na volta ela no mesmo lugar, em pé, sem se mover. Insuportável situação.

05 - A LOJA DE PRODUTOS GAUCHESCOS E PAMPEIROS

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