UMA QUITANDA PLANTADA EM CIMA DE UMA BRASÍLIA
Todos que passam ali pela rua Antonio Alves entre as ruas Ezequiel Ramos e rua Primeiro de Agosto já se depararam com uma velha Brasília branca, estacionada todos os dias entre 8h30 e 17h30, ao lado direito, bem defronte a Mercearia Barres e logo abaixo de uma entrada lateral da Nossa Caixa. Em cima e por todos os lados da tal Brasília estão espalhados os produtos, ou melhor, frutas, legumes e verduras, que o simpático feirante João Sidnei Felipe, 54 anos, revende naquele espaço, debaixo de uma frondosa árvore, bem no centro da cidade de Bauru, numa transversal de grande movimento, tanto de carros, como de transeuntes.
A história de João como feirante é longa, mas de uns tempos para cá deixou de freqüentar a maioria das feiras, permanecendo somente na famosa feira dominical, na rua Gustavo Maciel, onde tem uma banca fixa na primeira quadra. “Fiz quase todas as feiras da cidade, mas caiu muito o movimento, pois a freguesia prefere gastar hoje em dia nos supermercados, onde paga com cartão de crédito e vale compra. Na feira só a dinheiro, quase tudo à vista. Encontrei esse lugar vazio e me fixei nele, aqui a concorrência é comigo mesmo”, diz de uma forma onde não demonstra arrependimento.
A rotina de João pouco mudou de uns vinte anos para cá, pois continua acordando muito cedo, sempre envolvido com a comercialização de produtos comestíveis. Já plantou, arrendou terra, comprou de um monte de sitiantes da região, mudou de cidade para tentar vida nova, abriu quitanda e depois de uma muito mal sucedida empreitada com terra, quebrou e começou tudo de novo. “Na minha idade não é fácil começar de novo. Já fiz isso várias vezes e não posso mais ficar dando murro em ponto de faca. Daqui para frente não planto mais, só compro e revendo. Já fiz de tudo com terra, mas perdi o gosto, os filhos cresceram, um está no Rio de Janeiro com os mórmons e a outra numa loja aqui no centro da cidade. A esposa acaba de passar num concurso do DAE e eu após tentar fazer tudo quanto é tipo de concurso, desisti e quando achei esse ponto vazio, decidi aqui me instalar”, vai contando a história de sua família, constituida da esposa Céia, da mãe doente e dos filhos Bruno, 21 anos, Patrícia 18 anos e o temporão Lucas, com apenas 6 anos.
Ele já é muito conhecido na cidade, tendo começado muito cedo como trabalhador no comércio central, em duas lojas que não mais existem, a Bichusky e a Iara. Nesse tempo a vestimenta era outra, só andava de roupa social, calça de tergal e bem alinhado, hoje a situação é bem outra e não liga muito para o traje. “Chegou um tempo em que não queria mais trabalhar para os outros e fui para a feira. Comecei vendendo saco alvejado, abri uma quitanda no meu bairro, o São Geraldo e depois vim definitivamente para as feiras. Aqui nesse lugar já estou desde novembro de 2008, já são oito meses e conquistei muita clientela, acordo cedo, vou no Atacado do Sato, compro a maioria das coisas e muito produtor já passa por aqui para me entregar mercadoria. Já me sinto meio enraizado aqui e não sou o único no centro da cidade, tem outros que também são feirantes. O mundo foi feito para todos”, diz.
Quando a situação esteve muito difícil, João acabou não resistindo e passou a freqüentar uma igreja evangélica. Durante alguns momentos do papo chega a dizer que fala com Deus, uma espécie de aconselhamento divino para as decisões que vai tomando ao longo do dia. Presencio uma delas, quando um casal muito simples, com um carrinho de bebê, para e a mulher pergunta o preço do cacho de banana. Ao saber o preço abaixa a cabeça e se afastam. João não hesita e lhe entrega um cacho inteiro: “Leva para as crianças”. Depois me diz: “Eu ganho o meu, mas não nego nada para ninguém. Reparto o pouco que ganho com muitos e isso me faz um bem danado”.
Não ouço reclamar de nada, ou melhor, de uma coisa ele diz ter certa cautela. “O problema aqui são as notas falsas. Um veio aqui pediu alto e me entregou uma nota suspeita. Fui até o Barres, alegando que iria trocar a nota. Vimos que era falsa e não disse nada para o sujeito, só que não consegui trocar e que quando o fizesse voltasse que pegaria sua mercadoria. Não voltou até hoje. Tentam passar muita nota falsa e um comerciante ajuda o outro, somos unidos por aqui”, me explica. Sua clientela é basicamente de bancários, gente que passa pela rua, comerciários e alguns moradores de prédios vizinhos. “Tem gente que gasta comigo todo dia. Passam logo de manhãzinha e levam tudo fresquinho. Agora, no fim da tarde, até falo que a mercadoria já não está muito boa. A maioria volta mais cedo no dia seguinte”, me responde quando lhe questiono sobre a clientela.
Sua Brasília é uma daquelas peças raras, um tanto enferrujada, mas resistente. Serve de balcão para exposição de tudo. Na parte da frente, em cima do capô e com a porta de trás aberta e levantada, tudo fica cheio de mercadoria. Algumas caixas são espalhadas na calçada e dentro do carro, sobra pouco espaço, pois os bancos também estão cheios. Ganhou a confiança e respeito de todos do quarteirão, tanto que usa o banheiro do estacionamento, quando vai almoçar um marmitex na esquina adiante um outro fica vigilante e no final do dia, algumas caixas são guardadas no comércio do lado. Tiro muitas fotos e como estava no final do dia, pede que volte na manhã seguinte, pois traria couves-flor fresquinhas. Volto e confirmo, seu carro parece um buquê de flor, de tão colorido. João está lá para mais um dia de trabalho, atendendo a todos com uma dedicação de encantar. Eu me encantei e além de cliente, virei seu amigo.
Todos que passam ali pela rua Antonio Alves entre as ruas Ezequiel Ramos e rua Primeiro de Agosto já se depararam com uma velha Brasília branca, estacionada todos os dias entre 8h30 e 17h30, ao lado direito, bem defronte a Mercearia Barres e logo abaixo de uma entrada lateral da Nossa Caixa. Em cima e por todos os lados da tal Brasília estão espalhados os produtos, ou melhor, frutas, legumes e verduras, que o simpático feirante João Sidnei Felipe, 54 anos, revende naquele espaço, debaixo de uma frondosa árvore, bem no centro da cidade de Bauru, numa transversal de grande movimento, tanto de carros, como de transeuntes.
A história de João como feirante é longa, mas de uns tempos para cá deixou de freqüentar a maioria das feiras, permanecendo somente na famosa feira dominical, na rua Gustavo Maciel, onde tem uma banca fixa na primeira quadra. “Fiz quase todas as feiras da cidade, mas caiu muito o movimento, pois a freguesia prefere gastar hoje em dia nos supermercados, onde paga com cartão de crédito e vale compra. Na feira só a dinheiro, quase tudo à vista. Encontrei esse lugar vazio e me fixei nele, aqui a concorrência é comigo mesmo”, diz de uma forma onde não demonstra arrependimento.
A rotina de João pouco mudou de uns vinte anos para cá, pois continua acordando muito cedo, sempre envolvido com a comercialização de produtos comestíveis. Já plantou, arrendou terra, comprou de um monte de sitiantes da região, mudou de cidade para tentar vida nova, abriu quitanda e depois de uma muito mal sucedida empreitada com terra, quebrou e começou tudo de novo. “Na minha idade não é fácil começar de novo. Já fiz isso várias vezes e não posso mais ficar dando murro em ponto de faca. Daqui para frente não planto mais, só compro e revendo. Já fiz de tudo com terra, mas perdi o gosto, os filhos cresceram, um está no Rio de Janeiro com os mórmons e a outra numa loja aqui no centro da cidade. A esposa acaba de passar num concurso do DAE e eu após tentar fazer tudo quanto é tipo de concurso, desisti e quando achei esse ponto vazio, decidi aqui me instalar”, vai contando a história de sua família, constituida da esposa Céia, da mãe doente e dos filhos Bruno, 21 anos, Patrícia 18 anos e o temporão Lucas, com apenas 6 anos.
Ele já é muito conhecido na cidade, tendo começado muito cedo como trabalhador no comércio central, em duas lojas que não mais existem, a Bichusky e a Iara. Nesse tempo a vestimenta era outra, só andava de roupa social, calça de tergal e bem alinhado, hoje a situação é bem outra e não liga muito para o traje. “Chegou um tempo em que não queria mais trabalhar para os outros e fui para a feira. Comecei vendendo saco alvejado, abri uma quitanda no meu bairro, o São Geraldo e depois vim definitivamente para as feiras. Aqui nesse lugar já estou desde novembro de 2008, já são oito meses e conquistei muita clientela, acordo cedo, vou no Atacado do Sato, compro a maioria das coisas e muito produtor já passa por aqui para me entregar mercadoria. Já me sinto meio enraizado aqui e não sou o único no centro da cidade, tem outros que também são feirantes. O mundo foi feito para todos”, diz.
Quando a situação esteve muito difícil, João acabou não resistindo e passou a freqüentar uma igreja evangélica. Durante alguns momentos do papo chega a dizer que fala com Deus, uma espécie de aconselhamento divino para as decisões que vai tomando ao longo do dia. Presencio uma delas, quando um casal muito simples, com um carrinho de bebê, para e a mulher pergunta o preço do cacho de banana. Ao saber o preço abaixa a cabeça e se afastam. João não hesita e lhe entrega um cacho inteiro: “Leva para as crianças”. Depois me diz: “Eu ganho o meu, mas não nego nada para ninguém. Reparto o pouco que ganho com muitos e isso me faz um bem danado”.
Não ouço reclamar de nada, ou melhor, de uma coisa ele diz ter certa cautela. “O problema aqui são as notas falsas. Um veio aqui pediu alto e me entregou uma nota suspeita. Fui até o Barres, alegando que iria trocar a nota. Vimos que era falsa e não disse nada para o sujeito, só que não consegui trocar e que quando o fizesse voltasse que pegaria sua mercadoria. Não voltou até hoje. Tentam passar muita nota falsa e um comerciante ajuda o outro, somos unidos por aqui”, me explica. Sua clientela é basicamente de bancários, gente que passa pela rua, comerciários e alguns moradores de prédios vizinhos. “Tem gente que gasta comigo todo dia. Passam logo de manhãzinha e levam tudo fresquinho. Agora, no fim da tarde, até falo que a mercadoria já não está muito boa. A maioria volta mais cedo no dia seguinte”, me responde quando lhe questiono sobre a clientela.
Sua Brasília é uma daquelas peças raras, um tanto enferrujada, mas resistente. Serve de balcão para exposição de tudo. Na parte da frente, em cima do capô e com a porta de trás aberta e levantada, tudo fica cheio de mercadoria. Algumas caixas são espalhadas na calçada e dentro do carro, sobra pouco espaço, pois os bancos também estão cheios. Ganhou a confiança e respeito de todos do quarteirão, tanto que usa o banheiro do estacionamento, quando vai almoçar um marmitex na esquina adiante um outro fica vigilante e no final do dia, algumas caixas são guardadas no comércio do lado. Tiro muitas fotos e como estava no final do dia, pede que volte na manhã seguinte, pois traria couves-flor fresquinhas. Volto e confirmo, seu carro parece um buquê de flor, de tão colorido. João está lá para mais um dia de trabalho, atendendo a todos com uma dedicação de encantar. Eu me encantei e além de cliente, virei seu amigo.
6 comentários:
E o seu João esteve vendendo as melhores mexericas de Bauru nessa temporada, e tambem umas couve flores maravilhosas a 5 reais, a metade do preço de um famoso supermercado...
MÁRCIA NURIAH
Caro Henrique.
Parabéns pela matéria, está excelente.
Você tem uma sensibilidade e capacidade de ver momentos que pouquíssimos possuem.
Continue assim, nós lhe agradecemos muito.
Aproveito a oportunidade para lhe parabenizar também pela matéria escrita no bom dia a respeito dos comerciantes: profunda, verdadeira e que nos leva a reflexão! " O que vale mais neste pais: ser honesto e pobre ou desonesto e rico.
Valeu garoto campeão ( nosso Coringão é demais), continue assim.
Deste seu fã e amigo.
A nossa sociedade precisa de olhares como o seu
Professor Toka.
Caríssimo Perazzi,
Bon dimanche!
Com meus cumprimentos e agradecimentos p/ nº 67, bastante sugestivo e ótimo, aproveito p/ reiterar-te q continuo aguardando tua RESPOSTA à meu mail sôbre tua participação ou NÃO n'OBRA CINEMATOGRÁFICA q'estou preparando sôbre meu Pai?
Grato, disponha, saudações e felicidades,
Penninha (Osvaldo Penna Jr - Palmas TO)
muito bom o texto !!!
e aí gostou do encontro na Barra ??????/
grande abraço
MARCELO CAVINATTO
Henrique,
Adorei esta história, me fez lembrar uma senhora que fez da esquina de sua casa, uma feirinha...onde certo dia vi, gostei e comprei de um tudo. Fica no Fortunato Rocha Lima.
Um abraço,
Luiza
Queridos,
Estou enviando o conteúdo abaixo porque demonstra um trabalho super bacana que o Henrique faz em Bauru. Entre outras coisas, ele mantém um blog onde registra relatos da memória oral de moradores antigos da cidade. Ali ele relata a história de sapateiros, feirantes e todo tipo de personagens que ajudam a construir a história da Cidade. Divulgo porque acredito que esse tipo de iniciativa pode inspirar a criação de projetos de história oral e escrita, dando vida a personagens anônimos que com seu trabalho e intervenção constroem as cidades com seu jeito de ser. Beijo
Malu Salgado - SP
(Cópia do que enviei para minha lista de amigos)
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