TONINHO, O
COLETOR DE LAVAGEM DO CENTRO VELHO DE BAURU
O velho
centro de Bauru e suas ruas de comércio possuem tipos bem característicos, pitorescos
e até exóticos. Cada cidade possui seus personagens mais do que próprios. Em
alguns casos impossível não reparar na excentricidade de alguns nas inevitáveis
trombadas do dia a dia. ANTONIO FRANCISCO DE MELLO, o popular TONINHO AROEIRA,
64 anos de idade e há mais de vinte circulando pelas ruas centrais de Bauru é
um desses. Estatura mediana, corpo franzino, fortalecido por décadas de
exercício diário e pele bronzeada pela continuidade da exposição ao sol é mais
do que famoso, primeiro por ter exercido a profissão de técnico de Judô na
Associação Luso Brasileira por quase três décadas, quando todos que lá passaram
guardam dele boas recordações. Depois, impossível não reparar no que começou a
fazer pouco antes da aposentadoria, ocorrida no ano de 2000.
A
aposentaria só acelerou o processo de colocar em prática o gosto por
incrementar o que já fazia pelos lados de uma chácara adquirida nas imediações
do Cemitério Jardim do Ypê, pelos lados do Recanto Águas Virtuosas. Lá
denominou a chacrinha como sendo a Estância Aroeira, onde começou criando
suínos, depois passou a também fazê-lo com caprinos, hoje atuando também com
reciclagem de caixas de papelão e latas de alumínio. Daí, tudo o que lá ocorre
tem uma relação umbilical com o centro da cidade, pois desde então bate cartão
junto aos comerciantes em busca de lavagem, a sobra de alimentos dos restaurantes,
servindo de alimento para suas criações e nas lojas em busca do papel
reciclado. “Imagina fazendo isso há quase trinta anos, todos os dias. Conheço
todo mundo aqui pelo centro. As caixas eu pego nas lojas, as boas eu reciclo e
revendo para as mudanças residenciais e as que não servem para essa finalidade,
vão direto para a reciclagem”, diz sobre suas atividades.
O que mais
chama a atenção de todos à sua volta é sem sombras de dúvidas a questão da
lavagem. Com um desgastado Ford C10, modelo Pantaneiro, na cor marrom, que o acompanha
há mais de dez anos, a carroceria deste é quase toda tomada por doze tambores
azuis, desses reforçadas, onde o próprio Toninho, munido somente de sua
inseparável luva, fica num sobe e desce buscando a lavagem dos restaurantes e
depositando nos tambores. Observado por muitos nessa rotina, nem isso o
incomoda. “Começo minhas atividades aqui no centro por volta das 14h e só para
depois das 18h, todo santo dia, inclusive aos domingos. O Paulo do X Burguer
ali da praça Rui Barbosa é o mais antigo a me ceder lavagem. Paro o
caminhãozinho todo dia ali em frente. Depois recolho também óleo vegetal,
inclusive aos domingos na Estância Grill da rua Treze de Maio e outros lugares.
Loto a carroceria e só no final do dia é que coleto os papelões, quando
estaciono ali na rua Azarias Leite e tenho a exclusividade disso nas quadras,
dali até a estação. Com ela cheia sigo para o Aroeira, onde descarrego tudo”,
continua contando sua história.
Muitos dos
que o conhecem chegam a dizer: “Toninho, você não precisa disso. Você mesmo
ficar aí pegando lavagem, tão aviltante”. Ele ri disso tudo, pois não enxerga
nada de aviltante em nada do que faz. Uma atitude como outra qualquer e ainda
por cima, concilia fazend o que gosta, a sua maior distração na vida, além de
estar com a família é cuidar das coisas
da estância. “O serviço que muitos possuem vergonha em fazer eu faço e numa
boa. Tem mais, quando um comerciante precisa tirar o lixo das suas lojas,
muitas vezes me chamam e faço sem maiores problemas o rescaldo de tudo. Vivo
disso, reciclo tudo o que me serve e ganho com isso. Tem um caseiro que me
auxilia, ele mora lá na estância com a família. Somos nós que fazemos tudo.
Aqui na Azarias, o Zé do Kuekão e o Paulinho, do Beco do Armarinho me dão a
maior força”, conta sem parar de fazer seu serviço, no leva e traz que lota a
traseira do seu meio de transporte.
Os lugares
onde estaciona sua F10 são escolhidos. Na Azarias Leite,quadra 4, entre o
Calçadão da Batista e a avenida Rodrigues Alves, o local preferido, quando
existe vaga disponível é defronte a banca de brinquedos da Natália, ela também
ali no mesmo local há mais de vinte anos. “Ele é meu velho conhecido. Chega e
já larga tudo aberto, até com a chave no contato. Um acaba olhando e cuidando
da atividade do outro. Todo dia ele para aqui para conversar, pergunta se está
tudo bem, impossível não ficar amigo dele. Eu vigio para ele e não deixo
ninguém suspeito se aproximar”, conta Natália, sentada numa cadeira junto de
sua banca ali na calçada. Toninho continua no entra e sai das lojas. Nisso
passa pela mesmo calçada o Zé do Kuekão, lojista antigo e cumprimentam-se
cordialmente, como se fazem todos os dias. Percebe-se que, para os que se
reencontram todos os dias, o cumprimento é num simples gesto, palavras
carinhosas de quem se trombam repetidas vezes. E Toninho segue revendo a cada
entrada nas lojas, pessoas queridas, que já amontoam o que ele passa coletar. Quem
se predispõe a acompanhar um bocadinho que seja da rotina desse valente
batalhador percebe isso logo nos primeiros momentos.
Para quem
observa atentamente os movimentos do Toninho, percebe-o mancando um pouco da
perna direita. “É o meu joelho. Basta o tempo querer mudar, dói mais e como
paro pouco, manco mais. Isso é um resquício dos meus tempos de judô. Não guardo
somente as alegrias, o amor pelo esporte e pelos diários exercícios, mas tem
disso também me acompanhando”, diz. Nesse dia, começo de ano, havia um algo
mais a ser notado. Impossível de não ser visto fixado atrás de sua orelha um
galho de alecrim. “Esse é para trazer bons fluidos no começo do ano. Com ele
nada de ruim acaba se aproximando de mim”, diz isso e já sai, dessa vez munido
de uma carriola, para coletar com mais facilidade os papelões. Desmonta caixa
por caixa antes de ir ajeitando tudo na carroceria do caminhão.
A
trabalheira toda é compensada com a revenda de tudo o que faz. “Só no final do
ano passado devo ter revendido aproximadamente umas 150 leitoas. Cabrito foi
menos, mas a procura também é muito grande. O que tenho sai. Essa é a época do
ano onde a limpeza é quase geral. E depois de tanto tempo, podia até parar,
descansar, ir fazer outra coisa, passear mais, me divertir, mas eu tenho algo
dentro de mim a me dizer que não posso parar. Com certeza só tenho mesmo, que
ficaria doente. E desse jeito, continuo. Vou seguir por aqui até quando puder,
até deixarem e enquanto tiver forças para continuar. Parar eu não quero e os
próprios comerciantes me incentivam a não parar”, conclui.
Antes da
despedida peço a ele alguma história interessante desses anos todos. Toninho
pensa um pouco e solta uma. “Achei um sacão de roupa no meio das coisas que já
estavam na carroceria. Vi que não eram coisas de lixo e fiquei intrigado.
Revirando tudo achei um papel de onde era, do Torra Torra, meu cliente. Fui lá
e descobrimos o engano. Não era lixo. Devolvi tudo e fiquei de bem comigo mesmo”.
Lembra de outra, história bem parecida: “No meio de uma das muitas caixas
coletadas, um monte de remédios, todos dentro do prazo de validade. Não sei
como vieram para ali, mas sabia de quem eram. Era da Drogasil Catedral e quando
fomos conferir, percebemos que havia ali mais de mil reais. Tudo foi devolvido.
De que me vale eu ficar com coisas que não são minhas. Prefiro ficar de bem
comigo mesmo”. Esse é o jeito Toninho de tocar sua vida, fazendo o que faz e de
um jeito só seu.
4 comentários:
Belíssima história Henrique Perazzi de Aquino,amo Bauru e mato saudades lendo notícias como essa!um maravilhoso 2014 a vc e família.
Ana Karina - bailarina
Homem trabalhador sem dúvida,mas outro dia pedi uma caixa para ele e ele não me deu ,uma só, tinha um monte lá,mas fazer o que né,cada um sabe onde o calo aperta.
Denilse Souza
Meu querido amigo/irmão Henrique.
A cada dia que passa você se faz maior e melhor, com suas lindas e emocionantes crônicas denominadas "memória oral", escrevendo ou resgatando a História dos personagens praticamente anônimos da nossa querida Bauru. Anônimos ou invisíveis na sociedade. Mas sei, VALIOSÍSSIMOS para você, para mim, para alguns poucos mais.
Conheço o Toninho Aroeira desde a época em que eu trabalhava numa Banca de Jornal e Revistas que ficava enconstada na parede do Hotel Itamaraty (hoje abandonado)ali na esquina da Rodrigues com a Monsenhor Claro. Todos os dias ele passava por ali e já era um figura pela sua beleza estética e moral!
Parabéns meu amigo por mais essa pérola, de número 153.
Que venham outras e outras tão gostosas de apreciar e guardar na memória!
Abraços do duka.
duiliodukadesouza@gmail.com
Grande Henrique,
Bom dia:
Parabéns por mais um texto.
Espetacular: como todos os anteriores e, querendo Deus, os posteriores.
E o livro?
Já está mais que na hora....
A comunidade acadêmica e o público em geral estão reclamando de você e sua demora .........
Do amigo de sempre,
Professor Toka
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