segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

MEMÓRIA ORAL (154)


OS LIVROS DE UM ZÉ ENCANTARÃO O MUNDO DE MUITOS EVANDOS
O que seria do mundo se não fosse os lunáticos, os que amalucadamente arregaçam as mangas e transformam esse “quente” (ufa!) e inconstante pedaço de terra num pedacinho melhor de se viver? Diante de um mundo cada vez pensando em resolver o problema do individuo isoladamente e não coletivamente, alguns ainda se predispõem a fazê-lo e quando promovem lá sua marolinha, pensam que fazem pouco, mas fazem muito. Fiz esse preâmbulo todo para apresentar um que já tinha ouvido falar, lido muito, mas não ainda tinha tido a oportunidade de conhecer pessoalmente. EVANDO DOS SANTOS é um ex-pedreiro, hoje um dos nomes mais falados quando o assunto é o das bibliotecas populares no Brasil, tudo por causa da realização de um antigo sonho, o da criação da hoje realidade Biblioteca Tobias Barreto, no subúbio carioca da vila da Penha.

Sua fama cresceu um bocadinho mais semana passada quando apareceu no programa do Luciano Huck, na TV Globo, mas esses só o procuraram por causa do seu passado e de tudo o que já havia feito. Os feitos são muitos e também muitos já conhecem. Alguns deles ao invés de descrevê-los, faço a citação de links onde o algo mais possa ser buscado. Vejam isso: http://oglobo.globo.com/rio/evando-dos-santos-que-gente-nao-inventa-nao-existe-10439050. Mais isso: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=6995&cod_canal=39. Tem mais: http://www.gicult.com.br/noticias/1509-pedreiro-sergipano-funda-maior-biblioteca-comunitaria-do-pais.html. Muito mais poderia indicar, mas isso qualquer um poderá fazê-lo clicando seu nome e o da biblioteca sob sua direção no google ou qualquer outro site de busca.

Evando é o que se pode chamar de cabra macho, não por causa de braveza ou algo parecido. Bravo, aliás, eu nem sei se ele é, o que sei pelas conversas que tive com ele ao telefone é tratar-se de uma figura das mais simpáticas, desses que já te atende e antes do alô tasca logo no ouvido do interlocutor um trecho de um livro, uma frase de algum escritor famoso ou até mesmo uma lembrancinha a rememorar o homenageado Tobias Barreto. Pois bem, eu liguei para ele na semana passada e seu telefone estava comigo desde ano passado e não o vi na televisão no Huck, mas sim numa matéria na revista Carta Capital. Tinha um problema com livros e buscava alguém que pudesse abrigar um acervo literário e daí começa a minha história com ele.

Passei a semana passada toda no Rio e parte do que fui resolver foi finalizar a distribuição do acervo de livros de um colecionador, JOSÉ PEREIRA DE ANDRADE, meu sogro, falecido há dois anos atrás e cuja parte da herança foi uma maravilhosa biblioteca contendo mais de 20 mil livros. Seu Zé Pereira, como gostava de ser chamado, advogado e procurador do município do Rio de Janeiro, leu demais a vida toda e juntou tudo o que conseguiu num apartamento. Contei dele a história aqui retratada nesse mafuá, em 23/07/2010, no “Um passeio histórico pelo centro do Rio com dr Zé Pereira”: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=jos%C3%A9+pereira+de+andrade. Sobraram pouco mais de mil livros do acervo, mas ainda muito de Machado de Assis e da Gramática do Século passado, algo de sua preferência. E daí assim do nada, o telefone do Evando, que havia conseguido ano passado e não acessado, me cai às mãos e ligo.

A conversa foi rápida. “Filho, eu não estou mais pegando livros, mas diante do que me fala desse senhor, vou aceitar. Você tem como me trazer aqui? Eu acho que já estou gostando dele antes mesmo de receber seus livros. Traga logo”, foram mais ou menos essas suas palavras. Um outro amigo carioca, o designer Guy Leal, veio com sua camionete buscar os livros no Grajaú e os levou até a vila da Penha, próximo do Largo Bicão distantes aproximadamente uns 15 km. Caixas e mais caixas, carregadas por mim e pelo Guy, abarrotando a carroceria, sendo entregues ainda no período da manhã da última sexta, 10/01. Ainda da conversa com Evando algo me calou fundo. Parte do acervo que havia sido desprezado por muitos dizia respeito à antiga Gramática e seus expoentes. Na recusa diziam que, poucos ainda se interessavam pelo estudo do tema. Ouvindo-o sobre suas preferência, quando disse de seus estudos sobre o tema, quase cai das pernas. O grosso do que lhe enviaria era justamente sobre esse tema.

Os livros foram entregues e fiquei de ligar para verificar se tudo foi feito a contento e continuar a agradável conversa iniciada e dessas que nunca terminam, pois falar de livros e de quem vive no meio deles é algo interminável. Só voltei a ligar hoje, segunda, 13/01 e já em Bauru SP. Como é procedimento de rotina ao atender o telefone, fez questão de recitar algo de Tobias Barreto. Daí não parou mais de falar: “Esses livros chegaram em muito boa hora. Ainda estou separando eles, um por um com todo o carinho e atenção. Ele adorava Machado de Assis, não? E os de linguagem, um mais importante que o outro, irão enriquecer não só os meus estudos como criarei uma estante só para eles. Mas não quero somente colocar esses livros assim sem mais nem menos numa estante, queria que me enviasse algo sobre o dono dos livros, uma foto dele, um perfil para que as pessoas saibam quem foi essa pessoa, um ser que gostava de tanta coisa bonita”. Danou a falar muito mais e isso me impressionou bastante, de como as grandes homenagens podem mesmo vir dos mais inesperados lugares. Isso me fez lembrar-se da máxima: “Os melhores perfumes as vezes estão nos menores frascos”.

Evando dos Santos, o livreiro mais que doido lá do subúrbio carioca quer homenagear a pessoa do Zé Pereira de Andrade, uma que leu tudo o que pode, comprou também tudo o que pode e certa vez, poucos meses antes de falecer, havia me confidenciado algo assim: “Será que valeu mesmo a pena eu ter juntado tudo isso? O que vai ser disso tudo quando eu morrer?”. Seus livros tiveram que ser desmembrados em vários locais, todos honrados lugares, pessoas que realmente sabem dignificar a importância de um livro e por fim, o reconhecimento num fecho de ouro, com a parte final sendo entregue numa das mais dignas bibliotecas populares do mundo. Ainda mais quando o ouço repetindo uma de suas frases preferidas, o título de uma matéria que o jornal O Globo fez com ele: “O que a gente não inventa não existe”.

Encerro definindo quem melhor poderia fazer o Perfil desse Zé dos Livros para ser fixado lá na biblioteca do Evando dos Livros, um outro amante disso tudo, um dos melhores amigos do Zé, o teólogo Zwinglio Dias, que quando de sua morte escreveu o que pode ser lido a seguir: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=TRIBUTO+A+UM+AMIGO... Ele, com certeza, irá revisar e ampliar para essa outra homenagem. Quero levar num emoldurado quadro, pessoalmente lá na vila da Penha, junto de Ana Bia, uma das filhas do Zé e minha companheira de todas as horas. Escrevo isso assim de uma só talagada, quase sem revisão, emocionado e cada vez entendendo menos (ou entendendo tudo) de como essas pessoas envolvidas com livros produzem boas e emocionantes histórias. Essa aqui é só mais uma e não me canso de tentar ir contando ao meu modo e jeito algo do que compreendo delas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Genial,
parabéns.
És um Mecenas em pleno século XXI.
Sinto-me orgulhoso em compartilhar suas emoções.

Do amigo de sempre,
Professor Toka

Anônimo disse...

Henrique

Bela história, humanitária, singela e bem a sua cara.
Também gostaria de poder conhecer o seu finado sogro e também o livreiro carioca lá do subúrbio. Quanta gente bonita espalhada por esse mundão, hem?

Paulo Lima