segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (40)


EXPERIÊNCIAS DE COMO IR DESATANDO ALGUNS NÓS... – ANDANDO NA CONTRAMÃO E PELAS VICINAIS
Outra vez uma pessoa chegada recentemente à Bauru me faz a mesma pergunta feita por Ana anos atrás: “Mas o que existe de fato para se fazer nessa cidade? Gosto muito de sair, mas não vejo assim tantas possibilidades...” ( estudante Lili). Existir elas existem, diria que até aos borbotões, mas necessitando serem escavadas, algumas vezes até com as próprias unhas. Diante do que nos apresenta jornais, TVs e rádios como Agendas de atividades, existe um algo mais, ainda escrito nas entrelinhas e é por essa linha que sigo e não me arrependo. Conto aqui, nas próximas linhas somente três atividades pelas quais tive o prazer de botar o “bloco na rua” nesse final de semana. Segunda talvez seja um dia propício para começarmos com falatório mais sério, centrado, mas como ainda não conseguei me desvencilhar por completo de tudo o que me aconteceu no final de semana, acredito que para desatarraxar esse nó terei que por para fora um bocadinho do vivenciado nesses dias. Vamos aos relatos:

EXPERIÊNCIA 1 – O TEATRO DE RUA DO SILVIO SELVA – No convite  feito por Silvio Selva estava embutido um algo mais. A peça que ele dirige chama-se “A farsa do advogado Pathelin”, baseada na fábula “A raposa e o corvo” e seria apresentado ao ar livre, mais exatamente debaixo das árvores do parque Vitória Régia, sábado e domingo, sempre às 17h e com elencos distintos nos dois dias. Ter a possibilidade de assistir algo baseado no teatro feito nas praças da Idade Média, aquele que viajava de cidade em cidade, chapéu na mão a recolher dinheiro, tudo instigante. Na sinopse isso: “O texto critica e satiriza os costumes de duas das mais fortes classes sociais da França do século XV, os comerciantes, os homens de leis e o fanatismo religioso, apesar de medieval, se destaca pela sua atualidade. Os personagens são todos canalhas e mentem descaradamente para conseguir vantagens”. Levei o filho, que lá encontrou vários amigos. Assisti ao lado de duas pessoas especiais, Geraldo Bergamo e Roque Ferreira, contando com um agradável papo com Paulo neves e também de Silvio Selva. Não podia esperar nada mais agradável. Da peça em si, o que já esperava, uma similaridade muito grande com as injustiças provenientes da convivência com o viver hoje dentro de um estado neoliberal, onde o deus dinheiro está acima do bem e do mal, tudo pode e tudo permite, desde que para atender seus interesses. Impossível não fazer comparações com a atuação inescrupulosa vislumbrada em muitas ações de poder espalhadas por todos os cantos. Cobra comendo cobra, um deus nos acuda, pega pra capar, terra do “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.

O Silvio parece ter escolhido o texto a dedo, pois padece dos mesmos males que eu. O ter consciência de classe hoje em dia é mesmo algo muito doloroso, sofrimento ampliado, dilacerando os que ainda insistem em lutar, em lançar suas lanças contra inexpugnáveis moinhos. Mesmo assim continuamos insistindo. A montagem passou a mensagem a que se destina. Deu o toque. Os atores deram o máximo de si, alguns se iniciando no mundo das artes cênicas, muitos de outras cidades espalhadas pela região e algo que muito me tocou. O juiz foi interpretado por um ator, que durante o dia exerce a função de jardineiro, um operário na acepção da palavra. Um amante das artes, que tudo fez para ali estar naquele dia e realizar seu sonho. Nada mais gratificante do que numa modorrenta tarde de sábado, a existência de um algo assim, um acontecimento sui generis dentro de tudo o que estava programado para acontecer em Bauru naquele dia. Umas cem pessoas, todas saindo de suas casas com o intuito de ver algo diferente, algo que não teriam mais a possibilidade de ser visto com frequência em outras oportunidades. De tudo, para mim, além do papo com o diretor e o ator no final do espetáculo, um algo mais, papo debaixo das árvores com nada menos que Bergamo e Roque. “Saio cada vez menos de casa, pois encontro cada vez menos possibilidades como essas, onde flui um papo com assuntos específicos, agradáveis”, confessa Roque, referendado por Bergamo. Isso, ainda bem, é possível em certos lugares, com certas pessoas, muitos ao acaso, como o ocorrido entre nós.

EXPERIÊNCIA 2 – UMA GRAVAÇÃO DE FILME COM SAMBA UMBANDISTA – Sábado à noite, quando a roda de conversa do Convívio se desfaz, Ana me convida para irmos numa gravação de um documentário feito por alunos do 2º ano de Rádio e TV, curso de Comunicação Social FAAC Unesp Bauru. Havíamos participado semana passado no bar La Pinguetta de algo com eles, tendo como pano de fundo a apresentação do grupo de samba eminentemente umbandista, o Balaio de Sinhá. O repertório deles é daqueles preparados com o maior afinco, cuidado, esmero, só músicas que tem algo mesmo a ver com o sentido da existência do grupo. Pois não é que, ao chegarmos ao local da gravação, o arborizado recanto do bar Aldeia, onde atuaríamos como figurantes, quem está se apresentando no palco é o grupo Balaio de Sinhá, tendo como cantora a Joelma Moura, toda paramentada com as vestimentas brancas de praxe. Uma bela recepção pelo grupo de jovens estudantes, um cenário de bar, gente conversando enquanto rolavam as cenas no balcão e no meio do salão. E a divina possibilidade de desfrutar novamente de um samba tocado e cantado com dignidade, empenho e algo buscado lá do fundo de cada um dos integrantes. Fico ali embasbacado com cada detalhe, cada gesto, o refino nos trajes e na sensibilidade do repertório. Impossível não cantar junto nas mais conhecidas.

Uma interação com os jovens, pouco vista em outros ambientes. Tenho meus 53 e sei que por ser de uma geração diferente, muita coisa não bate, empatias mais lentas. Ali nada disso aconteceu. Tudo foi tão rápido, aproximações assustadoramente rápidas e papos fluindo como se tivéssemos todos a mesma idade. Ninguém estava ali para dar aula para ninguém, mas sim, trocar experiências, ouvir, ver e sentir. Revi Alberto da Casa da Capoeira, também atento ao toque dos tambores e atabaques, papeamos com Liz e Ricardo, donos do Aldeia e cheios de novidades para esse ano, tudo depois do Carnaval. Dos jovens, um deles, Tulio José, de Paraibuna, ali por causa de sua namorada, a estudante Lili. Pela forma como se aproximou e fincou raízes de papo leve, suave e bom, disse ser ele um sujeito “dado”. Ele gostou, espalhou para todos sua “dadice”, nada mais do que uma generosidade à flor da pele. Conheci mais gente, um senhor sessentão, cantor e pintor de paredes, Vagalume, pai da cantora Joelma, outra generosa pessoa, encantante quando com o microfone nas mãos e muito mais no papear nas rodas formadas no entorno da festa. Ficamos sabendo particularidades da vida de todos, algo apaixonante, dessas coisas que já tornam próximos uns dos outros assim logo no primeiro encontro. Vagalumearam todos por ali, lindo ver a troca de papeizinhos com endereços anotados, telefones registrados em celulares e promessas de encontros outros em outros lugares e situações. Muitos do que ali estiveram voltaram a se encontrar no domingo à tarde.

EXPERIÊNCIA 3 – A FESTA DA ESCOLA DE SAMBA COROA IMPERIAL – A festa ocorreria num outro lugar e no convite estava impresso, “presença de DJs”. Reclamei que esse momento é só de samba e carnaval. Fui ouvido, o tema gerou debate e a festa foi transferida para o próprio bairro, nada menos que na sede da Associação de Moradores, enfincada no centro do Geisel. Um amplo salão, palco montado, espaço para bar ao fundo e um amplo salão, muitas mesas e espaço para danças variadas e múltiplas. O ambiente estava criado e ali ocorreria mais uma das muitas aberturas do carnaval 2014 de uma das escolas de samba de bairro (existem duas só ali), a Coroa Imperial. A Coroa é uma escola familiar, criada e mantida pela família do patriarca Avelino. Esse ano ele foi incitado a fazer uma nova aposta em termos de parceria e algo de muito novo está despontando, botando as asas da criação e da imaginação para voar. Sei que muito disso tudo ainda é segredo, respeito e não escrevo ainda de quem está por detrás do carnaval da escola. Descrevo só a festa, as pessoas alegres cantando o samba, casa cheia e um batuque para endoidecer gente sã. Eu, Ana e a mana Helena, chegamos cedo, quando alguns jovens estudantes ainda preparavam a festa, arrumavam os detalhes, pincelavam o cenário. Curtimos cada detalhe, cevada à mão e olhos atentos. Detalhes em verde e rosa, igual as cores da Mangueira por todos os lados. Potentes caixas espalhando samba de verdade por todos lugares, poros à flor da pele. Calor de torrar mamona, samba quente pela frente.

O frenesi ocorre perto das 18h, quando quase que ao mesmo tempo ocorre um boom no local. Chegam os instrumentos e juntos deles seus manuseadores, alguns mestres orientadores e tudo é montado. Nei do Rasi, fez a letra do samba e junto de mais dois puxadores sobem ao palco e detonam o samba, letra gostosa, tema sobre o “Voar”, desde o sonho de Ícaro até o brasileiro que foi levado ao espaço. Não quero revelar nomes de gente conhecida que por lá esteve, pois ainda não li isso em lugar nenhum. Não sei se ainda devo fazê-lo, mas o que presenciei foi uma entrega ao frisson emanado pelo som dos tambores, que raros foram os que permaneceram em suas mesas. Até quem não dançava faz muito tempo foi visto dançando e muito no salão. Sei que gente dançou tanto, que ao chegar em suas casa, não sei também como, desmaiaram com toda a certeza desse mundo. Clima dos mais agradáveis, gente nova para mim esbarrando a cada instante, papos dos mais agradáveis (que ainda conto por aqui) e no final, só para demonstrar como é gostoso mesmo esse negócio de entrelaçamentos mil pela música, um senhor me bate às costa e diz: “Quero falar contigo, mas lá fora”. Levo um susto, o que teria para me falar um desconhecido. Não queria nada de mais, só me conhecer e dizer que havia gravado 48 minutos (lembro-me bem disso) do samba comendo solto, que publicaria por aí e queria ver se não ajudava a difundir isso. Um vidente do subúbio, cheio de histórias prontinhas para escaparem e ganharem o mundo. Isso tudo me encanta de um jeito, que nem o manhoso do “dado” do Túlio, também ali presente, me foi possibilitado altos papos. Faltou tempo. Quando me dei conta já era 22h e daí, barriga roncando, terminamos a noite comendo um lanche lá do Bar do Bode, no Redentor.
Ufa! Isso tudo já está mais do que bom por hoje. Fiquem com a fotos, cinco de cada evento e haja folego para os que conseguiram chegar até aqui. Morro um pouco mais a cada dia, mas morrerei feliz da vida. Fiz (quase) tudo o que sempre quis.

5 comentários:

Anônimo disse...

Povo Bão! Esse hein! Saudade da minha terra do coracao!
Felipe Carvalho

Unknown disse...

novamente agradeço a existência de seu blog e seu olhar antenado para as coisas "sem carimbo" de nossa cidade, um grande abraço, caro Henrique!!!

Mih Sakura disse...

Como é bom ler isso ! Meu Deus!

Anônimo disse...

ver aquela peça em baixo das árvores foi uma coisa linda. Certa vez fui a uma feira renascentista em Portugal e vi a mesma peça, feita no mesmo estilo, mas com uma grande diferença: o elenco daqui mostrava satisfação em seus olhos! Maria de Lourdes Aveiro

Anônimo disse...

Henrique

Sabe a sensação que tenho disso tudo que voce escreve e aqui tão distante de BAuru.
Voce é produtor de muita saudade na gente. Sou como ti, gosto das coisas mais simples, dos lugares com cheiro de povo e com ele lá. Não me peçam para ir na Getúlio quando estou em BAuru e vejo que não escreve desses lugares chiques. Sua escrita é a que realmente mostra o lado B da cidade, um que resiste.
Eu fico tomada de muita saudade ao ler seus textos.

Aurora