Eu não gosto de citar o ex-ministro e economista Delfim Neto para nada. São os resquícios de uma época das mais nefastas e quando teve participação mais do que ativa, auge do período da ditadura militar. Hoje, Delfim está bem mais moderado, posições até interessantes, mas a pecha do passado continua lhe pesando e quase nada que escreve tenho coragem suficiente para ler. Porém, algo não me passou em branco por esses dias. Ele, solteirão, sem herdeiros e chegando aos 86 anos de idade, inveterado juntador de livros, algo até compulsivo (chega a comprar de 40 a 50 por semana), com uma biblioteca pessoal com mais de 300 mil exemplares, juntados ao longo de sua vida. Mais que isso, anos atrás foi orientado pelo síndico do seu prédio a retirar todo o volume de livros, atulhando a cobertura onde morava nos Jardins em São Paulo. Acabou levando tudo para um sítio em Cotia, interior do estado. Lá, num lugar previamente preparado, guardou tudo até tomar a decisão de doar o acervo completo.
Com imensa dor, essa mais do que entendível para qualquer colecionador de papel, dentre os quais me incluo. Acertou em vida fazer a doação de todo seu acervo para a USP – Universidade de São Paulo (parte também com a Unesp de Araraquara, curso de Economia). Por que isso? Todo colecionador passa por esse aflitivo momento: o que fazer com a coleção de livros amealhada durante décadas quando percebe chegando o fim da vida. O que será feito dela?, a pergunta que todo se fazem. Ainda mais no seu caso, sem herdeiros. Antes de tudo se perder, acabe sendo fracionado, tomou a decisão mais sensata, cheia de dor, mas ciente de que estará em lugar onde possa ao menos ser consultada e com utilização das mais úteis. A USP preparou um lugar todo especial para recepcionar o acervo, até com a colocação de móveis pessoais, possibilitando a visita do doador quando achar necessário a continuidade do contato com seus livros. O destino do acervo dele foi resolvido e de tantos outros?, eis a questão.
Meu sogro, José Pereira de Andrade (leiam aqui tudo o que já escrevi dele: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=jos%C3%A9+pereira+de+andrade), procurador do município do Rio de Janeiro, advogado com banca no centro da cidade, rua da Assembléia tinha um acervo num pequeno apartamento em Laranjeiras, no Rio, com 25 mil exemplares e pouco antes de falecer, andando com ele pelo centro da cidade (fuçando sebos) me diz: “O que será de tudo o que colecionei? Será que valeu a pena ter juntado tanto?”. Ele se foi e o acervo ficou (eu e ele fuçando livros no centro do Rio). Na divisão de bens, Ana Bia, sua filha (minha cara metade) ficou com essa parte da herança. Muito do acervo foi transferido para ela, outra parte doou para variadas instituições, parte até para um membro da ABL – Academia Brasileira de Letras, que cheguei a conhecer e muito interessado nas obras raras do meu sogro. A parte final foi para uma biblioteca popular famosa do Rio, encravada numa região bem carente, obra física do arquiteto Oscar Niemeyer. Todo colecionador num certo momento de sua vida passa por isso. No caso do seu Zé Pereira foi impossível não fracionar, mas o destino foi dos mais saudáveis.
Eu e meu filho somos ratos de sebos e um aqui em Bauru onde perambulamos muito é o Sebo Literário, do amigo Antonio Guerra. Vejo-o comprando acervos e mais acervos de professores em vias de se aposentar (foto de um caminhão chegando lotadinho de preciosidades). Caixas e mais caixas, lotes fechados, que desentopem casas e torna a vida de quem quer pescar raridades uma verdadeira loucura. Outro que faz isso é o Murad, amigão também de um famoso sebo lá de Araraquara e tantos outros. No Rio, dentre tantos lugares, meu sogro adorava vijar em lugares como a Livraria Folha Seca, do amigo Rodrigo Ferrari (foto da fachada). A história do destino dos livros do Delfim é a de todo bom figurão, pessoa conhecida. Todos querem ficar de posse desses acervos. E os demais? Quando me deparo com situações iguais a essa, acabo por me lembrar de uma frase dita por não sei quem, mas que não me sai da lembrança: “A pior desgraça de um colecionador chama-se viúva”. Dia seguinte do falecimento tudo está na calçada. Sei que a coisa não é bem assim, mas o tema é instigante e merece considerações variadas.
Leiam também o texto sobre o acervo do Delfim, clicando a seguir: http://www.cartacapital.com.br/revista/807/um-garimpo-grandioso-1961.html
3 comentários:
Amo o livro papel como o sr. Delfim , não gosto de ler livros no computador, prefiro-os na mão; leio muito na cama antes de dormir. Sou uma apaixonada por livros e tenho essa preocupação quando me for, pois meus filhos não são ávidos por leitura como eu. Mas esse mês vou dar um destino pra alguns deles...rsss...
Helena Aquino
salvo alguns poucos livros, já me desfiz de tudo: coleção de quadrinhos divididas entre acervo do Mauricio e Gibiteca de Bauru. Livros e vinis espalhados aos amigos. Glauber Rocha não fez como Delfim, a mãe e a Paloma se meteram a curadoras, agora estão distribuindo paara instituiçoes....
Silvio Selva
Tenho alguns tantos...romances, biografias, quadrinhos, gibis....algumas vezes me pego pensando, o que será deles?
Fátima Brasilia Faria
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