DOCUMENTOS DO FUNDO DO BÁU (67)

A CASA MAL ASSOMBRADA – VOCÊ ACREDITA NISSO?

Não acredito, muito menos descredito. Coisas de um brasileiro nato, com um pé em duas canoas. Se me convidarem para adentrar um cemitério à noite, sozinho não vou nem a pau, mas em grupo vou e dou risadas. O mesmo para ir em locais como esse que relato abaixo. Sou nascido e criado na vila Falcão, reduto de muito samba, trem, samba e gente trabalhadora. Vivi ali até por volta dos meus sete anos, depois meu pai saiu de lá e comprou uma casa própria dentro de suas possibilidades. Viemos todos morar nas barrancas do rio Bauru, onde a casa dos Perazzi Aquino está encravada até hoje. Lá na vila Falcão, morada de meus avós maternos, José e Olívia Perazzi, de minha tia Edi, meu tio Carlão Grandini, meus primos Célia, Beto e Guto. Esses todos permaneceram lá por muito mais tempo que eu e os meus. Na vila Falcão, nossa única morada foi numa antiga casa de madeira no cruzamento das ruas Albuquerque Lins e Martin Afonso. A casa existe até hoje e na semana passada fui a um banco ali nas imediações e parei o carro bem defronte a ela. Lembranças me retornaram à mente. Conto delas aqui.

Dos tempos que ali morei, minhas irmãs, Helena e Erci relatam até hoje de barulhos esquisitos pelos cômodos da casa. Erci jura até hoje ter visto vultos pela casa, alguém numa névoa branca e barulhos de dedal caindo pelo chão com piso também de madeira. A avó Olívia também relatava algo nesse sentido, seguida de minha mãe. Ouvi isso por todos esses anos e a cada vez que tocava no assunto, todas insistiam na confirmação. Do meu pai nunca ouvi nada de confirmação. Delas, sempre. Eu, cresci ouvindo essas histórias e toda vez que cruzo por aquela esquina tudo me volta à mente. Terá sido possível isso? Dizem que ali morou alguém, costureira dedicada ao seu ofício além do possível e que teria morrido sem realizar tudo a que estava destinada. Nos meus sonhos infantis muito disso me fez fantasiar histórias e mais histórias. Esse dedal caindo no chão me fez viajar no tempo e espaço, chegando a escutar barulhos iguais ao provável som dele no contato com o solo. Demoraram um bocado para sair do meu imaginário.

Essa casa deve ter muito mais que uns 50, 60 anos e está quase do mesmo jeito de quando a deixamos, quase 50 anos atrás. O mesmo madeiramento, descascado, propiciando as lembranças de antanho. Dessa vez parei ali, tirei algumas fotos, mas não me aproximei. Não quero causar constrangimentos nos atuais moradores. Queria só levantar algo nessa escrevinhação sobre esse negócio dos nossos medos. Eu sei ser um cagão, medroso pacas. Brigo com metade da cidade, discuto pelo face, enfrento alguns grandões, peito outros, mas me borro com esse negócio do sincretismo, que deve ter muito a ver com a minha criação. Isso foi sendo consolidado ao longo dos anos, tanto que detesto ficar sozinho em qualquer casa durante a noite. Durante o dia, quase nada, mas a noite o bicho pega. Quando não lembro de que tenho medo, tudo transcorre normalmente, mas quando lembro, daí o cagaço. Alguém aí é mais cagão do que eu? Também acredita nesse negócio de fantasmas? Já ouviu um barulho de dedal caindo no chão à noite? Conte agora ou cale-se para sempre.