sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
DIÁRIO DE CUBA (94)
FEIRA NO INTERIOR DA ITÁLIA, EM LUGO - ENCANTO PARA OLHOS E OUVIDOS Conhecer a Itália primeiro pelas entranhas e depois seus pontos turísticos e quetais, eis meu propósito. Nada como estar aqui, sujando o pé de lama e gastando sola de sapato em cidades de menor tamanho, mas ricas de uma intensa e pulsante história. No roteiro seguido, um novo contato a cada dia, uma nova andança, uma nova aldeia, vilarejo, distrito, fração de mediana cidade e daí, a possibilidade de verdadeiramente tomar conhecimento de um outro país bem diferente do visto nos cartões postais. Não viajo para tirar fotos ao lado de monumentos rodeados de outros turistas. Gosto da periferia, dos lugares mais simples, onde possa travar contato com gente do povo, prosear com os que labutam, batalham diariamente pelo ganha pão e disso tudo extraio a história que me move, a dos personagens Lado B, daqui ou de alhures.
Na quarta passada, 21, fomos até LUGO e lá na sua praça central, homenageando o grande Giuseppe Garibaldi (um verdadeiro e original revolucionário da cepa de Che Guevara, lutando pelas liberdades primeiro no Brasil e depois na sua Itália), uma feira a reunir toda a região. Ela acontece nesse lugar só às quartas e ali de tudo um pouco. Me disseram das roupas vendidas pelos comerciantes muçulmanos (principalmente marroquinhos e também de outras partes do Oriente Médio), alguns chineses e é claro, italianos. Calças a dois euros e daí por diante. Encontrei preciosidades e volto o mais enxadrezado possível, sem seguir tendência nenhuma senão a da minha cabeça e a do meu bolso. Enquanto a movimentação toma conta do lugar eu fico no meio da barbúrdia, igual a alguém perdido no tempo e no espaço, olhando como quem não quer nada para a face das pessoas, tentando entender o diálogo numa língua mais estranha do que a própria italiana. Fico um tempo encostado numa parede ou mesmo num poste e comos olhos fixos em cenas urbanas é como a própria dilapidação, as disseco.
Se não consigo conversar com eles todos, os ricos personagens desta babilônia mundial, ao menos ainda posso vê-los e imaginar suas histórias, não só de vida, mas a de labuta. Como alguém pode sair de um lugar tão distante para ir conseguir ganhar a vida noutro lugar, cultura bem diferente da sua e ali se juntando a outros como ele, formando uma comunidade estranha dentro de um mundo diferente do seu. As rodas de mulheres muçulmanas me encantam e como conversam, animadamente, em voz muita alta, até porque possuem a certeza de que poucos entenderão de fato o que falam. O chinês é mais contido, fala pouco, mas sabe ser comerciante como poucos. Esse chegam e compram seus pontos no dinheiro, o trazem vivo e em espécie, pagam tudo de uma só vez e assim ocupam novos espaços mundo afora. Dos italianos, todos bons de conversa, bigodudos até não mais poder, contam piadas, bricam e instigam, provocadores por natureza.
Percebo que a convivência não é das mais pacíficas, mas ela ocorre dentro da normalidade. Ninguém se excede, ninguém eleva o tom. Nas bancas de marroquinos, só gente dessa nacionalidade trabalhando e na dos italianos, eles sim, dando emprego para outros, principalmente refugiados e africanos de todos os lugares. Vejo muito desses espalhados pelas cidades todas, trabalhando principalmente em trabalhos menores, como guardadores de veículos em estacionamentos e carregadores de caixas e cestas dos feirantes e compradores, enfim braçais ou o que surge para ser feito. Uma só pessoa me pediu esmola e não vi durante toda a manhã ninguém mendigando pelas ruas. Na feira, a mesma balburdia das nossas, cada uma ao seu modo e jeito, exercitando uma linguagem universal de vender em voz alta, oferecer o produto aos brados. Por onde circulei, predominou o burburinho e eu fui registrando muito do que vi, faces que não quero expor, mas me encantaram. Tento entender as leis de convivência aqui estabelecidas a possibilitar todos estarem juntos e sem buscar explicações, mais observei do que fui me informar. Meu tempo por aqui é escasso.
Feira é a vida de uma cidade, em Bauru, Lugo ou em qualquer outro lugar mundo afora. Imagino em Calcutá como deve ser. Nessa, me dizem, muitos comerciantes são nômades, circulam de cidade em cidade, cada dia numa, num roetiro pré-estabelecido, onde a cada novo dia estão numa nova praça e com clientela renovada. Conheci a de Lugo e no sábado vou conhecer outra, a de Ravenna, também com algo a encantar meus ouvidos e bolsos, roupas por preços baratinhos, na faixa dos dois euros. Vou com meus caraminguás contados e pronto para não só trazer algo pelo qual nunca mais me esquecerei de onde o adquiri, mas não só isso. O mais importante é circular no meio dessa única possibilidade de estar nas ruas, ver gente de nacionalidades bem diferentes da minha e ali, naquele lugar ver pessoas que nunca mais terei novamente a oportunidade de rever, todas circulando pelos mesmos motivos que os meus. Durmo pensando nas andanças que farei amanhã, tão logo o dia clarear. Feiras me oxigenam.
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