MEMÓRIA ORAL (63)
O CARA DE ITAQUI, QUE ESTAVA AQUI, VOLTOU PARA LÁ – Parte 2
No texto publicado em 17/03, um longo relato sobre Jocelino Reus Rodrigues da Silva, 37 anos, um gaúcho de Itaqui que havia batido no meu portão durante o carnaval e percebendo não tratar-se de um típico morador de rua, envio e-mails para entidades de sua cidade, solicitando informações a seu respeito. Quem responde de imediato é Silvio Mendes, assessor do Gabinete do Prefeito (http://www.itaqui.rs.gov.br/). Sua família é encontrada, colocada em contato com o desgarrado membro, sumido há aproximadamente um ano, após a perda da mãe. Os contatos entre as duas cidades são quase diários, feitos com auxílio da Prefeitura daquela cidade, tendo como mediadores a minha pessoa, Sílvio e a assistente social, Luciana Aparecida Fazio Dias, da Casa de Referência dos Moradores de Rua, entidade ligada ao Centro Espírita Amor & Caridade. Acompanhamos todo o desenrolar da trama, juntamente com Cristina Camargo, jornalista do Bom Dia local, todos envolvidíssimos com o desenrolar dos acontecimentos.
A cada dia uma novidade nova. Jocelino sempre se mostrou bastante arredio a qualquer tipo de tratamento: “Não sou louco, não preciso de tratamento nenhum. Perdi a mãe, que sempre esteve ao meu lado e não vi mais motivo de continuar lá. Avisei a todos que faria isso. Trabalhei esse tempo todo e gostei muito de Bauru, onde fiz amizades e recebi amparo”, relatava um enfático e decidido Jocelino. O fato é que as duas últimas semanas foram de intensos contatos. Em momentos tudo avançava, Jocelino falava com parentes e amigos, dizia que voltaria para sua cidade, em outros, após os contatos com os da rua, afirmava que não voltaria de jeito nenhum. Por fim, algo de concreto: “Volto, mas só para passar uns dias, rever os parentes, amigos e visitar o túmulo de minha mãe”. Já era um grande avanço. Sempre negou morar nas ruas, mas as evidências confirmavam o contrário, pois todos o viam dormindo sempre junto aos moradores de rua.
No sul, a irmã Ulisséia liderou uma campanha conseguindo arrecadar os R$ 800 necessários para que Sílvio viesse até Bauru de ônibus e voltasse com seu irmão. Faltava o convencimento final. Jocelino continuou me visitando todos os dias e a me ver passando diante de si nas ruas, corria em minha direção. Tornamos-nos amigos. Cita meu nome em todos os lugares por onde anda. Fico conhecido na região compreendida entre os trilhos férreos e a estação rodoviária, área escolhida pelos moradores de rua para irem se ajeitando. Sempre me falava de trabalhos esporádicos, planos e negócios, numa imaginação muito fértil, porém sem nada de concreto e palpável. Sua rotina mais conhecida era das marquises, onde dormia, para os bares e uns bicos, onde conseguia algum para comer.
Durante esse tempo todo quem muito auxiliou foi Luciana, que trabalha com os moradores de rua há um ano, após ampla experiência com deficientes mentais na conhecida unidade do Paiva, com trabalhos junto a doentes mentais. Tentamos juntos convencer Jocelino, da importância de passar algumas horas diárias na Casa de Referência, onde lavaria suas roupas, teria lanche e pouco gratuitos, além de toda assistência que necessitasse. Ela chegou a visitar pessoalmente os locais onde ele dizia morar e trabalhar. Quando nos aproximávamos da realidade, ele se mostrava arredio e áspero. Conseguimos sua ida à Casa somente na quinta, 26/03, quando Silvio anunciou que sairia de Porto Alegre naquele dia com destino a Bauru.
Nesse dia, Jocelino passou boa parte do dia ao lado de Luciana, onde lavou suas roupas, fez a barba e lanchou junto aos quase 30 freqüentadores diários. Surge outro problema, ele acabara de ser contratado para um serviço esporádico como ajudante num transporte de sucata de Bauru para Campo Mourão. Não havia como segurá-lo aqui e nem como adiar a chegada de Sílvio. Sílvio chega e espera o retorno de Jocelino, programado para domingo, quando conversariam sobre o provável retorno. Percorre comigo na tarde de sexta os lugares freqüentados pelo amigo e conhece o trabalho desenvolvido por Luciana. Fica no hotel a aguardar o momento do contato, uma vez que Jocelino nada sabe de sua chegada.
Na tarde de sábado, por volta das 18h, quando me preparava para assistir o jogo do Noroeste num telão instalado num posto de combustível, eis que Jocelino surge diante de casa. Vamos os três assistir o tal jogo. Eles, que nada tinham em comum com o meu sofrimento, acabaram por se juntar a infrutífera torcida. Perdemos o jogo (Mirassol 3 x 0 Noroeste), mas avançamos muito na conversa. O encontro entre ambos foi emocionante. Reviveram histórias variadas e Jocelino aceita o retorno nas seguintes condições: “Desde que assumam o compromisso de que me pagam a viagem de volta, pois vou a passeio por uma semana. Aceito ir amanhã”. E assim foi feito. Jocelino foi se despedir dos conhecidos, inclusive de uma namorada, preparar o que iria levar, indo também a um baile no Veredas, prometendo estar defronte minha casa no domingo às 11h.
E assim foi feito. Sílvio reservou as passagens de volta para as 13h, via São Paulo, onde pegariam outro ônibus às 19h, esse com destino final a Itaqui. Conversamos com a irmã Ulisséia e com o prefeito de Itaqui, Gil, por telefone e com os compromissos renovados, ambos almoçam no Tempero Manero da Kennedy e, junto a mim, que não desgrudei deles na manhã toda, embarcam na viagem de retorno. Foram emocionantes os abraços de despedida, de seladas amizades e de ajuda para o retorno. Sílvio, o prefeito Gil, os parentes e amigos farão de tudo para que ele mude de idéia. Não será uma tarefa das mais fáceis, porém a primeira etapa estava cumprida. Todos os envolvidos por aqui, os seus conhecidos e amigos o ajudaram a voltar, rever os seus e tentar um reinício de vida nova, fora das ruas e com um acompanhamento profissional, para recuperar a perda da mãe.
Hoje, segunda pela manhã, eles continuam em viagem. Chegam a Itaqui no começo da noite. Nada sei sobre a recepção em sua cidade, mas sei que as emoções serão fortes, pois ao sair daqui, estava em prantos. De minha parte, fiz novos amigos, principalmente Jocelino, que se mostrou uma pessoa sensível, um gaúcho valente e batalhador, figura humana valorosa nesses tempos difíceis. Aliás, toda vez que me dirigia a ele com um argumento do tipo, “a coisa está difícil”, recebia como resposta uma lição, algo do tipo: “Difícil para vocês, pois para mim é bem simples. Não vejo dificuldade nenhuma nisso” e tentava me mostrar o melhor caminho para solucionar o imbróglio. Aprendi muito com ele. E continuarei a aprender, pois essa história está longe de terminar.
segunda-feira, 30 de março de 2009
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Um comentário:
HENRIQUE
CONTA PARA NÓS COMO ESTÁ SENDO O RETORNO DELE LÁ NO SUL JUNTO AOS SEUS FAMILIARES.
MARISA
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