domingo, 27 de setembro de 2009

OS QUE FAZEM FALTA (01)

JOHN LENNON, UM REVOLUCIONÁRIO A ATRAVESSAR GERAÇÕES
* (Comecei aqui no mês passado um novo espaço, com OS QUE SOBRARAM e nesse mês venho com OS QUE FAZEM FALTAM. Intercalados mês um, mês outro, cito aqui pessoas que fazem e fizeram a diferença. São as que possibilitam a esperança de um outro mundo, mais justo... As tais imprescindíveis.)
Na mediocre irrealidade do século 21, da mesmice, do profundo pesadelo coletivo que mata a cultura rica em teorias e práticas, mata-se também a arte para matar as pessoas. Tudo isso as vezes nos faz esquecer das grandiosas lutas e grandiosos artistas que lutavam por uma revolução, uma libertação de todo um povo, da consciência libertada. John Lennon é um artista lembrado hoje apenas pelas grandiosas canções, mas o verdadeiro homem, idealista, revolucionário, o sistema tratou de apagar, jogar no esquecimento após sua morte em 1980, o último grande incomodo artístico para o imperialismo. Resgato aqui um pouco do homem que não queria ser rei, queria ser real, o verdadeiro John Lennon esquecido propositalmente para que novas gerações não se influenciem a pensarem como ele e sim como os babacas do encardido showbusines.

Cínico, ácido, irônico e sarcástico, o beatle John Lennon trata-se da transformação da rebeldia rock’n’roll do fundador dos Beatles em ativismo político, revolucionário e fez com que suas declarações e manifestações em público passassem a incomodar gente graúda no governo americano, mais especificamente Richard Nixon, em sua campanha para reeleição em 1972. John percebeu que poderia se reinventar como ser humano, não como celebridade. Sua relação com a cidade mudou sua forma de ver o mundo e o tornou consciente de seus limites e missões. Estes batiam de frente com a administração Nixon que, além de colocar o FBI em seu encalço, acionou pessoalmente seu departamento de deportação para devolver aquele inglês de volta pra sua ilha. Já havia perdido uma eleição para um Kennedy, não ia perder para um beatle. Há mais de trinta e cinco anos, quando acabou de gravar o álbum Imagine, em que apresentaria o maior hit de sua carreira, dentro ou fora dos Beatles, ao mundo, Lennon decidiu mudar-se para os Estados Unidos.

Lennon queria, mais que o palco, o palanque. Rebelde sem causa, Lennon era o menos proletário dos quatro Beatles e, entre eles, era quem tinha a consciência artística mais aguçada. Ao chocar estes três universos, o arruaceiro que sentava no fundo da classe, o menino estragado pelos confortos da tia e o existencialista crítico da própria produção artística, criava uma personalidade distinta, doce e ácida o suficiente para até hoje ser considerado uma espécie de santo moderno. Mas se nos primeiros dias da montanha-russa dos Beatles, John era tido como o espertinho, sempre com uma resposta pronta para qualquer provocação, à medida em que as coisas começaram a fugir do controle, o que parecia apenas sarcasmo juvenil aos poucos foi dando lugar a outro tipo de manifestação.

Lennon soltava muitas tiradas históricas, algumas antológicas sobre a Guerra do Vietnã. Porém, foi outro assunto que deu pano para a manga e transformou Lennon em algo maior do que um mero popstar.“O Cristianismo irá acabar. Irá diminuir e encolher. Não dá pra fazer nada, estou certo e provarei que estou certo”, disse numa entrevista de 1966. E continuou: “Hoje, somos mais populares do que Jesus. Eu não sei o que irá embora antes, o rock’n’roll ou o o Cristianismo”. Em menos de um semestre, tempos pré-satélite e internet, a frase atravessou o oceano e chegou nos rincões cristãos dos EUA como se Lennon tivesse dito que os Beatles eram maiores que Jesus Cristo. Discos queimados, rituais realizados pela Ku Klux Klan contra o grupo, planos em adiar mais a turnê, ameaças de morte. E John mais uma vez soltava seu verbo brilhante, "Se tivesse dito que a televisão era mais popular que Jesus talvez tivesse me safado", "Agradeço a grande queima de discos, para fazer a fogueira tiveram que comprar nossos disco, obrigado".

A mudança para Lennon havia sido maior: ele havia percebido o poder da sua voz. E até o fim dos Beatles, passou a amplificá-la para diferentes lados, cada vez mais ciente do poder de comunicação das canções, mais do que o de entretenimento. Cada música de Lennon entre 1967 e 1970 tem conotações que vão além do mero pop. Quando mudou-se para os Estados Unidos, veio pilhado de política, gastando o verbo em entrevistas memoráveis e compondo canções que cada vez mais apertavam o dedo nas feridas que o incomodavam. Assim, foi natural que, ao chegarem em Nova York, no dia 3 de setembro de 1971, John e Yoko tenham sido recebido por duas das principais figuras do ativismo político americano: Jerry Rubin e Abbie Hoffman. Os dois eram parte do grupo que ficou conhecido como “os sete de Chicago”, que, ao lado da banda MC5, tomaram de assalto a Convenção Nacional do Partido Democrata Americano em 1968, lançando a candidatura do porco Pigasus para concorrer com Eugene McCarthy e Hubert Humphrey, os nomes que surgiram após o candidato natural, Robert Kennedy, morrer assassinado no dia 6 de junho daquele ano.

Logo entraram no coração da contracultura política nova-iorquina e logo estavam organizando e participando de passeatas, protestos e shows com motivações políticas. O principal deles foi o concerto para a libertação de John Sinclair, ativista político, antigo empresário do MC5 e criador dos Panteras Brancas (outro partido de gozação), que havia sido condenado a dez anos de cadeia por ter sido apanhado com dois cigarros de maconha. O concerto aconteceu no dia 10 de dezembro de 1971 e dois dias depois Sinclair estava livre. Mais do que prometer, Lennon cumpria. Quase dez anos mais tarde, o estagiário de direito Jon Wiener foi ao escritório do FBI e pediu os arquivos da polícia federal americana sobre John Lennon. O beatle havia sido morto há menos de três meses e o estudante tinha um pressentimento sobre o que poderia haver nas fichas do Bureau. “O FBI me disse que eles tinham mais de 400 páginas sobre Lennon dos anos de 71 e 72, quando ele mudou-se para Nova York e se juntou ao movimento pacifista”, conta hoje Wiener, autor do livro “Gimme Some Truth – The John Lennon FBI Files. No livro de Wiener, provas que a paranóia que começa a baixar sobre Lennon a partir de 72 era real: telefones grampeados, movimentos rastreados, transcrições de reuniões com amigos, tentativas de batidas para apreensão de drogas.

O motivo da perseguição do governo americano era simples: Lennon era contra a guerra do Vietnã, o presidente Nixon era a favor e os dois estavam em rota de colisão. Ainda mais quando Lennon, Rubin e Hoffman resolveram fazer de tudo para atrapalhar a campanha para a reeleição de Nixon, de canções a protestos sistemáticos. Perseguido pelo FBI e pelo serviço de imigração americano e completamente obcecado por causas políticas que ia descobrindo diariamente, Lennon deixou a música em segundo plano. Anos mais tarde, ele participaria de duas músicas em show de Elton John, mas foi o Lennon político, com a farda da força aérea britânica, longas e volumosas costeletas, sem barba e de óculos de lentes azuis, que encerrou oficialmente a carreira de John nos palcos. Publicada no dia 21 de janeiro de 1971 no jornal inglês “Red Mole” (isso mesmo, a “Toupeira Vermelha”), a entrevista a seguir foi realizada pelo escritor, diretor e jornalista comunista paquistanês Tariq Ali. Ali, um dos principais críticos do capitalismo ocidental desde os anos 70, quando protagonizou debates históricos com o homem que mandava nos EUA na época. Ele é autor de vários livros sobre a contracultura e movimentos políticos da década de 60 e de diversos temas em voga nesta era de peso político nos ombros do inconsciente coletivo.

Lennon, recém-saído dos Beatles, começava a abraçar o ativismo político e usava sua influência pop para divagar sobre inúmeros assuntos relacionados à Guerra do Vietnã, o papel dos EUA e da Inglaterra no cenário internacional e sua função como intelectual orgânico, que prega e age ao mesmo tempo. A longa entrevista dada a Ali é antológica e pode ser lida clicando aqui: http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2006/10. Sintam alguns trechos: "Eu sempre tive inclinações políticas, contra o status quo. É bem básico enquanto você cresce, como eu cresci, odiar e temer a polícia como um inimigo natural e desprezar o exército como algo que leva as pessoas embora para morrer em algum lugar" (...) "Todo mundo queria nos usar. Era uma humilhação em especial para mim, porque eu não conseguia ficar calado e sempre tinha que estar bêbado ou dopado para contrabalançar essa pressão" (...) "Eu percebi que tinha que agradar continuamente o tipo de pessoa que eu sempre havia odiado quando era criança. Isso começou a me trazer de volta à realidade. Comecei a perceber que todos somos oprimidos por isso resolvi que eu devia fazer algo sobre isso, apesar de eu não saber qual é o meu lugar" (...) "Quero influenciar as pessoas que eu posso influenciar. Todas aquelas que ainda estão naquele sonho e deixar uma grande interrogação em suas mentes" (...) "Existem basicamente dois tipos de pessoas no mundo, as pessoas que têm confiança porque sabem que têm a habilidade para criar e as pessoas que têm sido desmoralizadas, que não têm confiança em si mesmo porque lhes disseram que eles não tinham habilidade criativa, que eles deviam obedecer ordens. O sistema gosta de pessoas que não assumam a responsabilidade e que não se respeitem. As pessoas precisam acreditar em si mesmas" (...) "Todas as revoluções aconteceram quando um Fidel, um Marx, um Lênin ou quem for, que eram intelectuais, conseguiram comunicar-se com os trabalhadores. Eles juntaram um punhado de pessoas e os trabalhadores pareciam entender que estavam em um estado repressor. Eles ainda não acordaram, eles ainda acham que carros e aparelhos de TV são a resposta" (...) "Os revolucionários de alguma forma tem de atingir os trabalhadores, porque os trabalhadores não vão chegar neles" (...) "Vivemos em uma sociedade sem história. Não há precedentes de um tipo de sociedade destes, por isso podemos romper velhos padrões" (...) "Eu quero atingir as pessoas certas e eu quero que o que eu diga seja simples e direto". Sentiram o perigo de um Lennon para toda uma geração. Um ativista comunista atuando dentro do coração do Império. Ele precisava ser contido a qualquer custo. Daí ele foi morto.

Por fim leiam essa letra: Working Class Hero(Herói da classe trabalhadora) Logo que você nasceu eles te fizeram sentir tão pequeno/ Não dando a você um só instante/ Até que a dor é tão grande que você não sente nada/ Um Herói da classe trabalhadora é algo para ser /Eles te ofendem em sua casa e te batem no colégio/ Eles te odeiam se você for inteligente e eles te desprezam se for um tolo/ Até que você está totalmente louco e não pode seguir suas regras/ Um Herói da classe trabalhadora é algo para ser/ Quando eles tinham torturado e machucado você por 20 anos/ Então eles esperavam que você escolhesse uma profissão/ Quando você não serve para nada, você está cheio de medo/ Um Herói da classe trabalhadora é algo para ser/ Mantém você dopado com religião, sexo e TVE/ você acha que você é tão inteligente, preparado e livre/ Mas você ainda é o camponês fudido tão quanto eu posso ver/ Um Herói da classe trabalhadora é algo para ser/ Existe a sala no alto onde eles falam para você até agora/ Mas primeiro você precisa aprender como sorrir enquanto matar/ Se você quer ser como os tolos da montanha/ Um Herói da classe trabalhadora é algo para ser/ Se você quer ser um herói, bem, basta me seguir".
OBS.: As duas últimas fotos foram tiradas na Praça John Lennon, em Havana, Cuba e na última, eu e o Marcos Paulo ao lado da estátuda do John. O texto acima foi escrito pelo companheiro Marcos Paulo, com pequenas alterações e reduções forçadas produzidas por essa mafuista.

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