LINDOLFO E SEU MODO ERMITÃO DE VIVER ISOLADO DO MUNDO
Conheci LINDOLFO ANANIAS, um retinto senhor a viver isolado das benesses do mundo, numa casa de esteio (construída no alto de mourões), encruada no meio do mato e sem nenhum dos confortos vistos numa cidade. Aos 73 anos, com o falecimento dos mais próximos e uma pequena aposentadoria, conseguida a duras penas após anos e anos de intenso trabalho agrícola, não quis morar na cidade, preferindo permanecer só, ruminando suas coisas e fazendo o que gosta, do jeito que gosta, da forma que quer e quando lhe dá na telha.
Lindolfo nunca foi um sujeito urbano, sempre gostou da vida rural, ali na sua Reginópolis. Não casou e fez desse pedaço de chão distante da cidade uns 5 km o seu cantinho particular. Escolheu viver ali, junto de cachorros e gatos, além de muitas galinhas espalhadas pelo terreiro e uns poucos porcos num chiqueiro. Sua vida de ermitão não é totalmente isolada de tudo e de todos. Por opção sua casa não possui luz elétrica, mas de longe ouve-se o barulho de um rádio a pilhas, uma distração que não abandona. Circundando sua casa, mais ou menos 1 km de distância a casa de uns sobrinhos que plantam pimentão por ali. Eles cuidam do tio, passam sempre para ver se está tudo bem. Vive ali retirado, mas vai de vez em quando para a cidade e gosta de fazer o trajeto a pé. Quando o faz, sai bem cedo, leva um saco e sempre traz as coisas que não fica sem, como o sal, açucar, pilhas do rádio e querosene para lampião. Do resto acaba se virando por ali mesmo, com uma modesta plantaçãozinha nos fundos da casa, os animais a ciscar ali no quintal, plantas e frutos da mata e uma ajuda dos sobrinhos.
Vive ali e não quer saber de outra coisa. Numa mina nos fundos, atrás de um banbuzal, criou um moinho e com a ajuda da força da água, movimenta a mesma trazendo-a para dentro de casa. Conta muitas histórias, como a da vez que se deparou com uma sucuri ali na sua frente. Não fez alarde e do jeito que ela veio foi embora. A casa é engraçada ali daquele jeito no meio da mata, com aqueles mourões do lado, uma espécie de porão aberto de todos os lados. Vê-se isso nas populações ribeirinhas, para evitar as enchentes, mas no meio do mato é raridade. Diz que foi idéia do seu pai que a fez assim para abrigar o carro de boi. O pai se foi e a casa persiste ali desde 1959, ano de sua construção, ele junto. Estive junto dele por algumas horas a ouvir velhas histórias rurais daquelas bandas e sua memória é um tanto privilegiada. Senta sem aquela pressa que todos nós temos e desenrola o fio da memória de um jeito lento, como se buscasse lá no fundo as lembranças. Toca a vida sem pressa e agruras.
Gente de cidade grande como eu se espanta com sua simplicidade, sua forma de tocar a vida, o modo de sobrevivência, mas para ele é como se tudo fosse a coisa mais normal desse mundo. Está ali e pronto, segue o rumo da vida, andando muito pelas matas, acordando cedo, a fumacinha a subir da chaminé da casa logo pela manhã e com uma rotina meio que certa para fazer o dia passar sem sem notado. As histórias que fui lá buscar conto no livro sobre Reginópolis, mas fiz questão de deixar registrado ali ter encontrado uma das muitas pessoas a viverem apartadas do competitivo mundo urbano. Tá lá no meio do nada (ou de tudo, sei lá) e eu que me considero um bicho urbano, mas gosto muito desses contatos com a simplicidade do homem interiorano brasileiro, esqueço da vida ao tomar conhecimento de pessoas e lugares com esse. Nessa hora em que escrevo essas linhas, uma quinta-feira, quase 21h, como seu Lindolfo estará se safando do meio daquele breu? Com certeza isso não é coisa que o preocupa.
OBS.: Quem me levou até foi João da Câmara, funcionário público aposentado, um memorialista, contador de histórias, cantador de viola e com o pé atolado nas coisas de sua terra, Reginópolis.
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