quinta-feira, 31 de março de 2011

MEMÓRIA ORAL (102)
FORMIGUINHA FAZENDO BAITA VERÃO

O ditado é claro, “uma formiguinha só não faz verão”, mas no caso do trabalho desenvolvido pelo alagoano Fernando Antonio Vieira Barros, 47 anos, segurança bancário dentro de agências do Banco do Brasil a coisa ganha outra conotação. Doze anos atrás observando algo acontecido no bairro onde mora em Bauru, interior paulista, quando um adolescente mata outro no portão de casa, sumindo a seguir, teve a seguinte reflexão: “Era meu amigo, jogava bola comigo e com todos do bairro, estragou sua vida e a de outra família.

Daí passei a observar melhor todos eles, chegando como formiguinhas. Falei isso para minha mulher e acabei achando o nome sugestivo”. Daí surgiu a idéia da criação do Projeto Formiguinha – Ação Comunitária Pousadense, exatamente no bairro onde mora e atua socialmente, a Pousada da Esperança, um dos mais carentes da cidade. “Queria juntar os meninos todos num lugar onde pudessem fazer algo mais do que ficar nas ruas. Ver as crianças daqui dá dó. Tudo o que você fizer aqui mobiliza. Pensei em algo com o esporte, o futebol. Fui jogador até meus 21 anos no CRB alagoano, estourei o joelho e parei. Fui igualzinho a eles. Fui novamente para o campo, onde passo meus conhecimentos. Juntei algumas pessoas, conseguimos um terreno, cada um doaria R$ 10 reais por mês para pagarmos. Isso da Diretoria ao Conselho Fiscal, mas já no primeiro mês ninguém pagou. Paguei o terreno quase todo sozinho e do próprio bolso. Tirei do meu salário, mas segui em frente. Sigo sempre em frente”, começa seu relato.

Emocionante ouvir como tudo foi levantado. “Digo que a construção foi levantada com papel picado, pois ia juntando papel e revendendo. O Banco do Brasil, aonde trabalho até hoje, vendia o papel com as sobras deles e repassavam tudo aqui. Acreditaram no que fazia. Vendia computador usado, o que doavam e a construção seguia. Cada hora alguém doava algo diferente. A morte do menino foi em 2000, em 2002 legalizamos o projeto, vim de Alagoas para cá em 94 e desde 95 moro aqui no bairro. Não parei em nenhum desses anos de lutar pelo Projeto Formiguinha. O bazar da pechincha, com colaboração dos funcionários do banco sempre existiu e com a renda toda voltada para o projeto. Devo muito a isso”, vai seguindo na retrospectiva de sua trajetória de sonho sendo concretizado.

Precisava atender os menores, os que ainda não estavam perdidos. Eles são o retrato da sociedade. Meu público é mais masculino e vai dos 7 aos 16 anos. Aqui forneço três refeições diárias, priorizando os até 12 anos. Veja hoje, aqui estão professores e monitores da UNESP de Bauru, meus parceiros. Tudo voluntário e bolsista. No dia-a-dia sempre tem umas três meninas para darem o reforço. Se eu chamo só para o curso eles não vêem. Se for para o futebol, ficam esperando sua vez, fazem fila. Não tenho internet e isso também é difícil na hora de segurar eles por aqui, mas o que é mostrado aqui, sugere a eles que aprendendo algo novo, podem mudar de vida. Já temos exemplo nesse sentido e incuto isso em cada um deles”, prossegue Fernando.

Na tarde desse sábado, 26/03/2011, Wilson Massashiro Yonezawa, professor de computação na UNESP Bauru prossegue no trabalho de inclusão iniciado ano passado, chegando a afirmar que o ocorrido ali já ultrapassou essa fase. “O feito aqui não é mais de inclusão, estamos alfabetizando digitalmente as pessoas. Eles passam a entender o computador como uma ferramenta, depois vislumbram o seu uso profissionalmente. Tudo é uma ampliação, abrimos um leque diante deles. Hoje, sábado, trabalho com os meninos junto a textos e na quarta a noite o trabalho é junto aos adultos. Esses tem mais dificuldades, mas são mais focados, mais disciplinados”, diz. Está ali com dois monitores, Márcio e Nayara, alunos de Graduação, Educação Física e Biologia, respectivamente, contando também com a presença de dois voluntários, um casal, Pedro Vannini e Marcela Camargo, casados e unidos no trabalho iniciado também no ano passado.

Marcela veio inicialmente por intermédio da universidade, convidada pela professora Maria Sueli, de sua área, a de Biologia, no projeto de extensão, trazendo consigo o marido, funcionário do Correios. Ao observarem os avanços protagonizados por muitos dos meninos, como Dhiovani Henrique, 14 anos, morador da Nova Bauru, nas redondezas, nem pensam em desistir. “Eu jogo no time vizinho ao do Fernando e ele me pediu para vir conhecer. Vim, gostei e estou até hoje. Já sabia alguma coisinha de computador, hoje digito mais rápido, sei salvar. O futebol treino durante os dias da semana e aos sábados venho fazer computação”, conta o menino. Marcela envolveu-se tanto que acabou trazendo a mãe, moradora em Rio Claro, distante 200 km de Bauru para ministrar uma Oficina de Guirlanda no final do ano. Um envolvido acaba trazendo mais pessoas, isso ocorre não só entre as crianças, mas entre os a atuarem nos bastidores.

Fernando me acompanha para conhecer melhor a edificação. Mostra um depósito, com as doações e já se mostra preocupado quando tudo estiver terminando. “Tem muita coisa a ser feita. A chuva intensa desse começo de ano mofou as paredes, as pessoas passam pela rua e se não nos conhecerem não sabem que é aqui a sede do Formiguinha. Só mesmo quem conhece. Queria uma fachada melhor, bem grande, com aviso lá na entrada no bairro. Quero ampliar tudo, ter assistente social e um patrocínio para ter a internet via rádio. Para a Prefeitura me ajudar falta sempre alguma documentação, as certidões eu já tenho, mas falta o balancete. Deixei a presidência por alguns anos e agora estou reorganizando isso. Além da computação e do futebol, sempre ocorrem palestras, com temas variados e o Chico Maia, da Prefeitura está conseguindo uma Sala de Telecentro. Diz ele que falta só a mobília”, vai me dizendo.

O refeitório sobrevive só com doações e presencio um lanche no meio da tarde, feito com refrigerantes e bolachas. “Quando não tem, compro tudo, mas ninguém fica sem comer. Hoje o projeto abrange 86 crianças e só não temos mais porque nos faltam computadores. Dificuldades ocorrem todos os dias. Hoje mesmo alguns estão meio bravinhos, pois iríamos num torneio de futebol em Reginópolis, mas o ônibus custaria R$ 300 reais e seriam mais de 60 meninos, todos sob minha responsabilidade. Faltou o dinheiro e correria muitos riscos sozinho. Noutro dia queria colocá-los num torneio de futebol junto à Prefeitura. O cara lá da Liga queria me cobrar R$ 240 reais de inscrição. Não teve jeito, ficamos de fora. Aqui não tem finalidade lucrativa, tudo é ação social e isso precisa ser mais bem entendido. O meu sonho é que eles possam sair daqui e conseguir um emprego. Vislumbro isso, é por isso que estou aqui”, conclui Fernando, uma formiga que resolveu certo dia fazer algo mais do que todas as demais. Não parou mais e muito ainda tem para ser feito.

7 comentários:

Anônimo disse...

essoas como esse senhor deveriam servir de exemplo para que políticos inoperantes fizessem algo mais em prol de seus eleitores. Se cada político fizesse alguma coisa para os seus eleitores o Brasil seria o MELHOR do mundo em tudo. Pena que a LEI DE GERSON ainda está operante.

Parabéns pela reportagem!


New Time

Anônimo disse...

henrique, é incrível como existem pessoas no anonimato "fazendo o bem sem olhar a quem". Embora o Fernando tenha um foco e uma população alvo,ele faz sem esperar nd em troca. Aliás, ele espera sim, mas um retorno para a garotada. Embora,na prática,qdo fazemos algum trabalho voluntário, acabamos recebendo mto mais do que doamos.
Fernando, não desista de ser formiguinha. Esta "raça" é uma "praga", mas das boas:cresce pelos cantos sem que a gente se dê conta...
Abraço,
Lais

ROSANGELA MARIA BARRENHA disse...

Pois é, meu amigo, nais um Louco por Alegria que eu não conhecia...o cabra é macho pra caramba!!!!Adorei! Seu trabalho de contar a história dos grandes homens que constroem nossa cidade anonimamente e sem esperar nada em troca não tem preço.Pode dizer pra este cara que se quiser ajuda, acaba de arranjar outra doida...Abracitos. Rose Barrenha

Anônimo disse...

HENRIQUE

ESSAS FORMIGUINHAS SÃO LOUVÁVEIS.
O QUE O BRASIL NÃO AGUENTA MAIS SÃO AS SAÚVAS, PREDATÓRIAS E DILAPIDADORAS DO ERÁRIO PÚBLICO.

LEMBRAM-SE:

"OU O BRASIL ACABA COM AS SAÚVAS OU AS SAÚVAS ACABAM COM O BRASIL"

VALERINHA

Anônimo disse...

Henrique

Como faço para entrar em contato com esse senhor do Formiguinha.
Ele teria um EMAIL, o endereço ou até mesmo o telefone.
Quero doar utensílios para utilização com os jovens.
Por favor.
Grata

Paula Barros

Mafuá do HPA disse...

cara Paula Barros:

Sabe que não sei o endereço.
Fica na Pousada da Esperança. Lá todo mundo conhece onde fica.
O tele fone dele é 9112.9809.
O e-mail é fernando9809@hotmail.com
Abracitos do
Henrique - direto do mafuá

Anônimo disse...

Que trabalho bonito Henrique!!!
Quando eu passar uns dias em Bauru quero conhecer e contribuir com alguma oficina...
grande abraço!!!


João Nicodemos
www.poemasdonicodemos.blogspot.com/
http://www.youtube.com/user/jotanikos1
www.artedenicodemos.blogspot.com/