BAQUETA DE NINO ATRAVESSA GERAÇÕES
Imaginem a alegria e contentamento de um baterista, fora do circuito musical desde o começo dos anos 70, folheando a revista “Modern Drummer”, especializada em bateria, justamente em sua histórica edição de nº 100, quando numa ampla matéria traçando a “A História da Bateria no Brasil” e lá, vê seu nome citado como referência e por um mestre nesse quesito. A pergunta repetida para os grandes da baqueta nacional foi: “Quais suas referências de bateristas brasileiros de sua geração e de gerações anteriores?”. Um dos ilustres entrevistados foi Rubinho, do Zimbo Trio e dentre outros, a lembrança de NINO. Parece pouco, mas vindo de quem veio e só por fazê-lo, um grato reconhecimento. Sua resposta é algo confirmado nos reencontros com todos os grandes, que no passado fizeram história no rico cenário musical dos anos 60 e 70. E diante disso uma pergunta fica sem resposta: Mas quem seria esse Nino?
A nova geração o desconhece, mas todos (todos mesmo) os que tocaram na noite carioca e paulista durante essas duas décadas possuem boas e inesquecíveis lembranças de Nino, um agitado baterista, que vindo do interior paulista, aprendeu o essencial na profissão, a batida carioca levada na época e dela não mais se separou. Fez história, chegando a tocar, além da companhia de muitos brasileiros de renome, o fez numa noite com Dizzy Gillespie, alguém a dispensar apresentações. Essa uma das muitas passagens, dentre tantas na história de Antonio Galdino Grillo, seu nome de batismo, nascido em Bauru, 74 anos e desde muito cedo indo com a família residir em Jaú e dali caindo no mundo. O apelido ganhou de um dos avôs e nunca mais o abandonou. Dessa época, um amigo conta algo, o hoje tabelião em Bariri, Aloísio Bueno: “Desde cedo usava o que tinha pela frente para bater em latas. Minha avó ficava louca com ele, pois até pé de mesa usava como baqueta”. Não podia ser outra coisa na vida, foi ser baterista.
Nessa mudança para o Rio de Janeiro, ainda muito jovem, deslancha e como bom observador de um dos recantos mais lúdicos da Cidade Maravilhosa, a Praça Onze, aprendeu o ofício de sua vida. “Ali a música acontecia de fato e de direito. Hoje não é nem sombra do que já foi um dia. O samba nasceu e teve sua mais rica história ali, nas disputas entre sambistas, originando as escolas de samba. Nunca mais me dissociei da batida carioca, vivi um pouco daquilo. Ela é um diferencial e poucos conseguem bate-la como aprendi a fazer. A molecada de hoje bate bem, mas não tem esse molejo e magia. Só entende disso quem viveu o que eu vivi”. E se põe a tocar o instrumento num amplo salão nos fundos de sua casa, num luxuoso bairro em Jaú, interior paulista. Inebriante ouvi-lo, pois se a empolgação toma conta de seus gestos, quem está do outro lado fica petrificado, estático e sem ação. Nino bate tudo, toca tudo, mas é seleto demais no que põe para rodar em sua vitrolinha. Ali só um time com batutas, a nata e nela, ele inserido.
A lembrança de Rubinho não é única. Dia desses quem passa por Bauru é outro grande da bateria, Wilson das Neves e quando questionado sobre Nino, devolve a pergunta: “Cadê ele? Temos muitas histórias juntos. Se quer saber pergunte a ele, pois é muito melhor contador de histórias que eu”. No final do ano passado, Jair Rodrigues faz um show no SESC de Bauru e num certo momento dá um breque em tudo, olha para a plateia e pergunta: “Cadê o Nino? É impossível ele não estar aqui”. Estava, sobe ao palco e um se derrama em elogios ao outro. Nino foi quem alavancou a carreira do Jair e ambos são fraternais além da conta quando dos reencontros. Num show que os músicos bauruenses promoveram para arrecadar fundos para a família do Manito, o dos Incríveis, logo após seu falecimento, dentre tantos convidados, quem rouba a festa? Sim, Nino. Ele sobe ao palco e de microfone nas mãos fala mais do que bate com as baquetas. Foi o assunto da noite e a partir daí foi ficando mais conhecido na região. Os músicos da cidade viraram declarados fãs, “ninistas” de carteirinha e organizam um sarau num final de semana na casa do artista. Falta só marcar a data e conciliar agendas.
Nino nunca foi um sujeito de poucas palavras. Sua história é contada pelas fotos nas paredes de seu estúdio. Cada uma merece dele um longo relato (veja vídeo dele citando cada nome) e o mesmo se dá com cada disco, quase todos LPs. Modéstia não é com ele, mas sem pedantismo e arrogância. Ele sabe ser possuidor de qualidades inigualáveis, a tal da batida diferenciada e isso algo facilmente comprovado, bastando estar com baquetas nas mãos. Sua história vai longe. Já teve música defendida por Elza Soares num daqueles Festivais da Canção da Record e já enveredou por outros caminhos, tentando ser cantor, chegando a fazer muito sucesso fora do país. Gravou em 1966 um LP pela RGE/Fermata, com o título “Feito para Dançar”.
No auge do sucesso, começo dos anos 70, uma sucessão de fatos desagradáveis o obrigou a se refugiar no interior paulista. Um turrão, desses que não leva desaforo para casa e isso o envolveu em algumas brigas. Perseguido pela repressão exercida pela ditadura militar, injustiçado e magoado, fincou pé em Jaú, da qual nunca mais se apartou. Casou e entrou no anonimato quase absoluto. Exerceu outros ofícios dos quais também tinha aptidão e competência. Foi ser professor em vários segmentos, judô, capoeira e mestre em Letras, concluindo o doutorado com a defesa de tese das mais salutares, “O Riso Carnavalesco do autor implícito em Utopia Selvagem de Darcy Ribeiro”, isso em 1999, na Unesp de São José do Rio Preto.Hoje, vive rodeado de livros e alunos, comandando um famoso Curso de Redação e não abrindo mão do que mais gosta de fazer na vida, tocar bateria, muito em casa e fora dela, quando convidado. “Aos 74 anos, vida ganha, sento lá no fundo, um lugar só meu e estudo bateria pelo menos umas quatro horas por dia. Outro tanto ministro aulas para a juventude, numa sala que construí junto de minha casa e ainda encontro tempo para a família, a leitura, meus escritos e algo que não consigo ficar sem, o de toda semana praticar capoeira com colegas da cidade. E não imaginem a minha tristeza, sendo do PT e observar o caminho enveredado por um segmento do partido. Avô antifascista, inimigo de Mussolini, pai comunista de carteirinha, sempre fui da esquerda, do seu lado consciente e lúcido. Faço o que gosto e ao lado de gente que gosto”, diz.
Não tem mágoas do hiato na então carreira em ascensão, pois conquistou tudo na formatação e consolidação de outra. Aos poucos sua fama vai sendo reconquistada. Na cidade, dois amigos e também fãs são o presidente e vice do clube Aristocrata. José Luiz Rodrigues Borges, o presidente Bambu, 55 anos repete algo salutar do amigo: “Cansei de ir a sua casa 9h da noite e só sair 9h da manhã do dia seguinte. Quando se empolga não existe quem o segure”. Seu vice, Benedito Alves de Souza, o Bene, 62 anos, adora relembrar histórias, principalmente uma marcante do carnaval na cidade: “Ele trouxe a paradinha para cá. A bateria não parava no apito, mas num sinal de sua baqueta levantada e aí ele adentrava sozinho o asfalto. Ganhamos dez”. De tudo, algo a destacar, ele nunca conseguiu abandonar definitivamente a música e, consequentemente, a bateria.
Não vive só de lembranças, mas não se omite de relembrar histórias e mais histórias. Vai além disso ao colocar um disco para rodar, sempre com o som em alta potência, senta e acompanha tudo como se lá estivesse, tocando junto dos músicos. O escolhido é um Hermeto Paschoal barbarizando na difícil “Misturada”, de Geraldo Vandré e Airto Moreira. Ao final, resoluto diz: “Sabe quem ainda toca assim? Poucos. Sabe quem hoje em dia me acompanha nesse tom e batida? Ninguém. Aproveite, pois isso que está vendo aqui vai morrer com o Nino”, diz. Obrigado a interromper a conversa por causa das aulas de redação, inclusive com alunos de outras cidades e na sequência outras numa faculdade na Barra Bonita, tem tudo meio que cronometrado. No pouco tempo livre finaliza a formatação de um curso de conhecimentos gerais (cinema, música, teatro e literatura) para os professores da rede pública estadual, convidado pela Delegacia de Ensino de Jaú. Isso o obriga a ler pouco, pois o tempo anda cada vez mais curto para o seu lado.
Esse ocupado senhor, robusto e falante, faz o que gosta, sendo dessas pessoas sem muito tempo para pensar em coisas ruins. Tudo está muito bem distribuído em sua vida e sempre acaba encontrando um novo espaço, quando toma conhecimento de colegas tocando pela região. Não gosta de perder oportunidade em rever gente de sua época. Fica sabendo que Leny Andrade estará cantando em São José do Rio Preto por esses dias: “É longe demais e em dia de semana. Se fosse até uns Não vive só de lembranças, mas não se omite de relembrar histórias e mais histórias. Vai além disso ao colocar um disco para rodar, sempre com o som em alta potência, senta e acompanha tudo como se lá estivesse, tocando junto dos músicos. O escolhido é um Hermeto Paschoal barbarizando na difícil “Misturada”, de Geraldo Vandré e Airto Moreira. Ao final, resoluto diz: “Sabe quem ainda toca assim? Poucos. Sabe quem hoje em dia me acompanha nesse tom e batida? Ninguém. Aproveite, pois isso que está vendo aqui vai morrer com o Nino”, diz. Obrigado a interromper a conversa por causa das aulas de redação, inclusive com alunos de outras cidades e na sequência outras numa faculdade na Barra Bonita, tem tudo meio que cronometrado. No pouco tempo livre finaliza a formatação de um curso de conhecimentos gerais (cinema, música, teatro e literatura) para os professores da rede pública estadual, convidado pela Delegacia de Ensino de Jaú. Isso o obriga a ler pouco, pois o tempo anda cada vez mais curto para o seu lado.
Obs.: Irei publicando dia após dia algumas gravações feitas com ele em seu estúdio, hoje uma preliminar. Esse texto foi escrito inicialmente a pedido de alguns de seus amigos jauenses e será também publicado no jornal “Gente” daquela cidade. Clicando a seguir alguns dos textos desse blog onde já havia escrito algo tendo como tema o Nino: http://mafuadohpa.blogspot.com.br/search?q=NINO
6 comentários:
Parabens Henrique!! Seu trabalho em destacar nossos heróis e artistas é muito precioso!! Gostei muito desta matéria sobre o Nino. É um justo reconhecimento ao trabalho e talento de um artista excelente.
Grande abraço a todos!!
PARABÉNS, O NINO FOI MEU ALUNO. PERGUNTE A ELE COMO CONSEGUIMOS A ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA...ABS...
MURICY DOMINGUES
amigo Henrique, parabéns pela produção do artigo, ficou excelente! Parabéns também para esta fera da música brasileira, o nosso Nino. grande abraço.
jornalista ademir elias
Henrique
Sou daqui de Jaú.
Vejo sempre o sr Nino com o pessoal da capoeira. Ele é um senhor muito simpático e alegre. O conhecia dessa atividade e nada sabia do seu passado. Fiquei muito contente de saber mais dessa pessoa aqui da cidade, que conhece gente do mundo todo.
Conheço também todo o pessoal do Clube Aristocrata e lá muitos cursos, bailes, festas. Talvez o único clube de Jaú que consegue sobreviver bem hoje e tudo por terem diversificado suas atividades. Tá sempre chei ode gente.
Gostei também do vídeo do sr Nino cantando.
Paulo e Luísa S. Prado
Muito legal Henrique!! Eu já tinha visto no seu blog!!
Esse Nino é uma figurassa, ele tem mais histórias que o Monteiro Lobato e o Walt Disney juntos!! Rsrs.....
Abrax.
Luiz Manaia (Ralinho).
Meus caros e caras:
Cometi uma homérica gafe no texto e quem me puxa a orelha é o próprio NINO. Ao citar o reduto onde aprendeu a batida famosa das baquetas, local a juntar a nata dos sambistas, o faço como Praça QUINZE e na verdade, o nome correto é Praça ONZE. Ambas no centro do Rio (conheço ambas) e o erro foi só numérico, mas uma num canto, a Onze no cais do porto, local onde desenvobcavam sambistas vindos dos morros ao seu redor e a outra, praça Quinze, famoso porto de embarque das barcas para Niterói. Lapso corrigido, mas para quem já leu o texto, a explicação devida acerta tudo.
Minhas desculpas pelo equivoco.
henrique - direto do mafuá
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