BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS DO LADO B DE BAURU (01)*
Minha primeira participação no jornal mensal METRÓPOLE NEWS (nº 6 - dez. 2013)
*Antes de iniciar minha participação nesse espaço conto como tudo ocorreu para estar aqui hoje. A Borika, esposa do Vinicius (ambos comandantes desse jornal) me abordou no velório do professor Isaias Daibem e me disse algo, me fazendo estremecer dos pés até o último fio de cabelo. Suas palavras foram mais ou menos essas: “Isaías quando me entrega o texto para o jornal, diz que vai passar por cirurgia e que se algo ocorrer a ele e não puder participar dos próximos, poderia procurar especificamente uma pessoa, que ela daria continuidade”. Ela me diz ali de bate pronto que essa pessoa seria EU. Quase caí das pernas (já não tão fortes). Depois de tudo, refletindo muito, bati um papo até com a Ana Maria, esposa do Isaías e envio meu primeiro texto. Não tenho o mesmo cabedal, nem em experiência de vida, nem no dom da escrita do imortal Isaias, mas não posso me furtar no cumprimento da missão designada por esse. Se existia alguém pelo qual me orgulho muito de ser amigo, esse alguém foi o professor Isaías. Espero que me suportem e me entendam. Quero escrever aqui das pessoas dessa cidade, vivas ou mortas, pessoas que não saem todos os dias com fotos nas colunas sociais. Esses os mais importantes para mim.
PERCY COPPIETERS, UM ARTISTA QUE NÃO SE VERGAVA
Pouco antes antes de falecer Percy Coppieters, um dileto e eterno amigo, entregou-me alguns mimos. Presenteou-me com uma coleção de livros em espanhol de Pablo Neruda, uma tela autografada e a última edição que ainda possuía do seu livro de poemas, o “TOCAIA”(edição do autor, 2º edição, 1979, 82 páginas). Comprei dele também uma cadeira, dessas de girar, a qual não me desfaço. Isso ocorreu uns vinte dias antes de nos abandonar e aqui faço uma ‘mea culpa”. Não entendi direito aquele gesto e ainda o perguntei: “Mas por que esses livros todos para mim? Qual o motivo?”. Ele foi preciso: “Estará melhor guardado lá contigo do que aqui”. Quando recebo a ligação de sua então namorada, Valéria Villaça, comunicando de sua morte (o8/04/2010), a ficha caiu. Perci, depois fico sabendo fez o mesmo com várias pessoas próximas a ele. Parecia ter uma premonição do estava para acontecer. Deixei o Tocaia com a Valéria, não sem antes ler e conhecer um pouco mais desse desbravador, inconformado e avassalador cidadão, tão em falta hoje em dia. Hoje, nem Percy, nem Isaias estão mais entre nós e com ambos algo similar para comigo.
Esse era batuta, um artista na acepção da palavra. Era dos grandes, vivia como tal, alheio aos novos rumos que o mundo insiste em tomar. Tentava viver como nos velhos tempos, num mundo à parte. E não o fazia para aparecer, para se mostrar, nada disso, era sua forma de encarar a realidade, “cagando” para ela. Falar de Percy neste momento é falar de um mundo que não mais existe. Lutamos tanto pelo fim das injustiças, abominamos esse consumismo desenfreado e essa vida feita de descartáveis. Perdemos a guerra, sabemos disso, não sem antes provocar alguns probleminhas aos poderosos de plantão. Percy resistiu bravamente, provocou embaraços, fez e aconteceu. Deixou seu nome inscrito e marcado a ferro e fogo por aí. Esse o grande motivo de não mais ser esquecido. Não fez parte do mundo bovino. Aliás, repudiava viver dessa forma.
Percy Coppieters é um nome pomposo, parecido com uma sopa de letrinhas, daquelas difíceis de acertar a escrita correta (sempre erro numa letra). Esse ser inquieto não nasceu aqui em Bauru. Tudo começou lá em Ourinhos em 1954, onde viveu até os 18 anos, tendo uma bela iniciação artística. Aos oito anos já pintava e aos treze o negócio pegou fogo e não parou mais. Foi para São Paulo, casou, separou e conheceu uma pá de gente importante, alguns deles eternos amigos, como Ignácio de Loyola Brandão. Quer mais nomes, lá vai: João Antonio, Jorge Amado, Zélia, Rubem Braga, Lígia Fagundes Telles e Vânia Bastos, essa também ourinhense. Seu livro, o “Tocaia”, com 15 mil exemplares, foi todo vendido ao estilo de Plínio Marcos, de porta em porta e algumas vezes junto do próprio colega escritor, dividindo as calçadas da vida. De 1986 a 1990 viveu na Europa, onde continuou pintando, estudando, freqüentando galerias e ateliês. Quando voltou, veio visitar a mãe em Bauru, acabou ficando e logo ficou conhecido. Seu ateliê já esteve em três endereços na cidade e o último na rua Antonio dos Reis. Sua pintura era "considerada contemporânea, indo do abstrato ao figurativo" (segundo suas palavras). Percy conheceu os dois lados da vida e tocou seu barco, pintando como nunca, amando seus pimpolhos e vivendo ao seu modo. Uma inspirada e boníssima pessoa.
Gente como Percy são insubstituíveis, como bem ressaltou o escritor Ignácio de Loyola Brandão, num trecho publicado nos dois jornais de Bauru na manhã seguinte do seu falecimento: "O Percy é um deslocado, porque quer ser, sabe que os colocados são os caretas, os certinhos, os que sabem o que querem, os que planejam a vida, o futuro, tudo, os organizados. Os deslocados, os outsiders, são as grandes almas de nossa época, de todas as épocas". Quando o via quase sempre com um inseparável (e destrutivo) cigarro entre os dedos, me perguntava: “Não seria o nosso Bogart?”.
*Antes de iniciar minha participação nesse espaço conto como tudo ocorreu para estar aqui hoje. A Borika, esposa do Vinicius (ambos comandantes desse jornal) me abordou no velório do professor Isaias Daibem e me disse algo, me fazendo estremecer dos pés até o último fio de cabelo. Suas palavras foram mais ou menos essas: “Isaías quando me entrega o texto para o jornal, diz que vai passar por cirurgia e que se algo ocorrer a ele e não puder participar dos próximos, poderia procurar especificamente uma pessoa, que ela daria continuidade”. Ela me diz ali de bate pronto que essa pessoa seria EU. Quase caí das pernas (já não tão fortes). Depois de tudo, refletindo muito, bati um papo até com a Ana Maria, esposa do Isaías e envio meu primeiro texto. Não tenho o mesmo cabedal, nem em experiência de vida, nem no dom da escrita do imortal Isaias, mas não posso me furtar no cumprimento da missão designada por esse. Se existia alguém pelo qual me orgulho muito de ser amigo, esse alguém foi o professor Isaías. Espero que me suportem e me entendam. Quero escrever aqui das pessoas dessa cidade, vivas ou mortas, pessoas que não saem todos os dias com fotos nas colunas sociais. Esses os mais importantes para mim.
PERCY COPPIETERS, UM ARTISTA QUE NÃO SE VERGAVA
Pouco antes antes de falecer Percy Coppieters, um dileto e eterno amigo, entregou-me alguns mimos. Presenteou-me com uma coleção de livros em espanhol de Pablo Neruda, uma tela autografada e a última edição que ainda possuía do seu livro de poemas, o “TOCAIA”(edição do autor, 2º edição, 1979, 82 páginas). Comprei dele também uma cadeira, dessas de girar, a qual não me desfaço. Isso ocorreu uns vinte dias antes de nos abandonar e aqui faço uma ‘mea culpa”. Não entendi direito aquele gesto e ainda o perguntei: “Mas por que esses livros todos para mim? Qual o motivo?”. Ele foi preciso: “Estará melhor guardado lá contigo do que aqui”. Quando recebo a ligação de sua então namorada, Valéria Villaça, comunicando de sua morte (o8/04/2010), a ficha caiu. Perci, depois fico sabendo fez o mesmo com várias pessoas próximas a ele. Parecia ter uma premonição do estava para acontecer. Deixei o Tocaia com a Valéria, não sem antes ler e conhecer um pouco mais desse desbravador, inconformado e avassalador cidadão, tão em falta hoje em dia. Hoje, nem Percy, nem Isaias estão mais entre nós e com ambos algo similar para comigo.
Esse era batuta, um artista na acepção da palavra. Era dos grandes, vivia como tal, alheio aos novos rumos que o mundo insiste em tomar. Tentava viver como nos velhos tempos, num mundo à parte. E não o fazia para aparecer, para se mostrar, nada disso, era sua forma de encarar a realidade, “cagando” para ela. Falar de Percy neste momento é falar de um mundo que não mais existe. Lutamos tanto pelo fim das injustiças, abominamos esse consumismo desenfreado e essa vida feita de descartáveis. Perdemos a guerra, sabemos disso, não sem antes provocar alguns probleminhas aos poderosos de plantão. Percy resistiu bravamente, provocou embaraços, fez e aconteceu. Deixou seu nome inscrito e marcado a ferro e fogo por aí. Esse o grande motivo de não mais ser esquecido. Não fez parte do mundo bovino. Aliás, repudiava viver dessa forma.
Percy Coppieters é um nome pomposo, parecido com uma sopa de letrinhas, daquelas difíceis de acertar a escrita correta (sempre erro numa letra). Esse ser inquieto não nasceu aqui em Bauru. Tudo começou lá em Ourinhos em 1954, onde viveu até os 18 anos, tendo uma bela iniciação artística. Aos oito anos já pintava e aos treze o negócio pegou fogo e não parou mais. Foi para São Paulo, casou, separou e conheceu uma pá de gente importante, alguns deles eternos amigos, como Ignácio de Loyola Brandão. Quer mais nomes, lá vai: João Antonio, Jorge Amado, Zélia, Rubem Braga, Lígia Fagundes Telles e Vânia Bastos, essa também ourinhense. Seu livro, o “Tocaia”, com 15 mil exemplares, foi todo vendido ao estilo de Plínio Marcos, de porta em porta e algumas vezes junto do próprio colega escritor, dividindo as calçadas da vida. De 1986 a 1990 viveu na Europa, onde continuou pintando, estudando, freqüentando galerias e ateliês. Quando voltou, veio visitar a mãe em Bauru, acabou ficando e logo ficou conhecido. Seu ateliê já esteve em três endereços na cidade e o último na rua Antonio dos Reis. Sua pintura era "considerada contemporânea, indo do abstrato ao figurativo" (segundo suas palavras). Percy conheceu os dois lados da vida e tocou seu barco, pintando como nunca, amando seus pimpolhos e vivendo ao seu modo. Uma inspirada e boníssima pessoa.
Gente como Percy são insubstituíveis, como bem ressaltou o escritor Ignácio de Loyola Brandão, num trecho publicado nos dois jornais de Bauru na manhã seguinte do seu falecimento: "O Percy é um deslocado, porque quer ser, sabe que os colocados são os caretas, os certinhos, os que sabem o que querem, os que planejam a vida, o futuro, tudo, os organizados. Os deslocados, os outsiders, são as grandes almas de nossa época, de todas as épocas". Quando o via quase sempre com um inseparável (e destrutivo) cigarro entre os dedos, me perguntava: “Não seria o nosso Bogart?”.
5 comentários:
Texto emocionante e digno da memória
de nosso querido amigo comúm,
ótimo artista visual
e mestre da arte da molduraria tradicional,
Percy Coppieters.
Como ja manifestou uma colega, fostes cedo de mais moleque, leke leke leke...
E como lembra com muita carinho o texto do Herinque, tudo começo lá em Ourinhos...
Brilhante texto Henrique Perazzi Aquino.
Abçs \o/
JOSÉ LARANJEIRA
Intuição? Acredito q sim Henrique...não esquecendo q algumas semanas antes, houve o Show da Vânia Bastos e vcs foram juntos....
Valéria Villaça
Lindo texto!!!! Emocionada e sem palavras para falar da nobreza de alma dele....talvez por isso foi mto cedo, este mundo não era p ele....Bjos Henrique!
Valéria Vilaça
Totalmente de acordo !!!
José Laranjeira
grande chapa, a partida dele me abalou bastante.
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