sexta-feira, 26 de maio de 2017

O QUE FAZER EM BAURU E NAS REDONDEZAS (89)


QUATRO SITUAÇÕES, UMA NAS CERCANIAS DA PRAÇA, OUTRA NO MEU PORTÃO, A DO REFUGIADO SEM EMPREGO E A DO QUE INTERCALA ENTRE DORMIR NA RUA E NUM HOTEL

SITUAÇÃO 1 – Ele mora na Ferradura Mirim e fala muito bem do lugar onde mora. Quando lhe pergunto de lá, sempre me diz: “Nunca tive problema nenhum lá onde moro. Por lá, lugar de respeito, cada um cuida da casa do outro, sem problemas. Problema mesmo tenho aqui pelos lados onde trabalho e ganho a vida”. Seu trabalho é cuidar de carros e para isso saca dos lugares onde circulam pessoas com possibilidades e demarca seu território. Não existe território não demarcado para trabalhadores autônomos e até para guardadores de carro na cidade. Cada quadrilátero é de uma pessoa e ninguém invade o território do outro. Tudo devidamente acertado entre as partes, com entendimento bem definido. A pessoa conseguiu seu espaço, é dele, tem que sustentar e se garantir. Esse meu amigo circula pelo centro da cidade, imediações da praça Rui Barbosa, durante o dia e à noite quando tem movimento na igreja da matriz, como festas e casamentos. Tendo carros de grã-finos lá está ele e ganhando o seu. Mais a noite fica ao lado da choperia Vitória e do Made in Brazil. Uma simpatia, papo dos mais agradáveis, carnavalesco da Cartola e carioca de nascimento. Dia desses estava estacionando o carro na Batista, quarteirão depois na praça e sou abordado por alguém me abrindo a porta do carro. Era ele, sempre sorridente e a me agradecer. Diz que um texto que escrevi dele foi lido pelos seus parentes espalhados mundo afora e o encontraram, deram um jeito de se comunicar. Queria me agradecer. Deu-me um baita abraço ali no meio da rua. Fiquei de ir papear mais com ele lá pelos lados do Vitória. E vou, pois é gente da minha laia, é da rua e da lua.

SITUAÇÃO 2 – Já escrevi muito dela e não para de me chamar no portão de casa. Vive nos trilhos e a cada dia mais enfurnada nas coisas da rua. Tem dias que me aparece no portão com o cabelo pintado e com roupas novas, pede água, sempre uns dois reais e some falando alto pela rua. Tempos atrás os moradores todos daqui estavam preocupados, pois iria parir na rua. Por fim, quando ia nascer, a danada tinha o fone do SAMU de cabeça e a levaram para o hospital. A filha ficou por lá mesmo, pois não deixaram ela trazer para a rua. Já tentou sair da rua várias vezes, vai e volta. É das quebradas, mas com um pé do lado de fora. Tem dias que passa só querendo comida.Noutros só quer dinheiro e quando digo que não tenho, chega a ficar agressiva e isso, porque se diz minha amiga. No dia seguinte nem se lembra disso e tudo começa de novo. Ontem veio suja como nunca havia visto. Disse ter apanhado e estava toda esfolada. Os cabelos ainda recém pintados estavam bonitos, mas o restante de uma sujeira e cheiro muito forte,as unhas todas muito encardidas. Queria água, estava com a respiração ofegante e repetia querer sair das ruas, pois não aguenta mais, fala de voltar pra casa da mãe, mas ouço isso quase todo dia. Muitos já tentaram fazer muito por ela, com lugar decente para ficar, mas o chamado das ruas é mais forte. Volta sempre e intercala momentos de lucidez, banho tomado e como ontem, a degradação em pessoa. Tento conversar mais uma vez, ela me conta detalhes de quem a bateu e nem ouso aqui relatar, mas uma briga nos cantinhos detrás dos matos nos trilhos. Ali acontece de tudo e quem passa pela rua Antonio Alves nem imagina o que rola ali entre os que vivem por ali. Ela um desses. Agora ela some, daqui uns dias, nem sei como, reaparece limpa, me pedindo os dois reais e me diz: “é a última vez, vou sair dessa”. Eu tendo, sempre dou, nem quero saber pra que é, prefiro achar que seja para comida. Muitos aqui torcem muito para que ela dê a volta por cima. Sou um desses.

SITUAÇÃO 3 - VENEZUELANO CARLOS VIVE PRECARIAMENTE EM BAURU E CLAMA POR EMPREGO
Quando batemos os olhos nas manchetes mundo afora, algo mais que aterrador é a situação vivida pelos refugiados. Impossível não se sensibilizar e entender que, com os fluxos humanos, junto da intempestiva saída de grupos humanos de seu habitat, com esses, uma baita carga de sofrimento, angústia e esperança. Viver num lugar sem encontrar nenhuma possibilidade viável de uma vida saudável é algo ainda pouco entendível por quem possui uma estabilidade e um porto seguro para chamar de seu. Muitas vezes nos deparamos com situações muito parecidas com a vivenciada pelos sírios, afegãos, iraquianos e tantos outros mundo afora. Conto abaixo algo de um latino-americano em busca de da estabilidade aqui em terras bauruenses, algo até então não encontrado.

CARLOS ELIMER CORREA FLORES, 39 anos é designer gráfico e aportou no Brasil em 16 de março de 2014, mais precisamente em Bauru. Alimentava a vontade de sair de seu país, a Venezuela e achava ser o Brasil a grande oportunidade de sua vida. Contatado via redes sociais, conheceu alguém em Bauru que o seduziu para vir aqui em busca do tal eldorado. Entrou como turista e trabalhou por muito tempo ilegalmente. O sonho inicial logo se desfez e das promessas, nenhuma se concretizou. Padeceu nas mãos de pessoas não cumprindo o prometido e, na qualidade de clandestino, não via como reclamar. Acabou se submetendo às piores condições de trabalho, com irrisórios ganhos, trocando o que fazia por pouso e comida. Nem isso consegue mais hoje e está na iminência de ser despejado de uma quitinete se não quitar até os próximos dias dois meses de aluguel atrasados. Mas como saldar se nem emprego consegue? Recorre a amigos, conseguidos nas andanças cidade afora e na distribuição de currículos. A esperança é a de conseguir se colocar no mercado de trabalho. Diante de tanto desespero, foi até a Polícia Federal se apresentou, legalizou sua situação e hoje, já com pedido de refúgio nas mãos, está regularizado. Sua especialidade é a criação e vetorizar logomarcas, cartões de visitas, flyers, banners, sites e outras peças gráficas. O desespero bate à sua porta, pois pensava em trazer mãe e um irmão para cá, mas agora, está prestes a perder tudo, até o canto onde reside. Busca ajuda e conta com tudo o que possa lhe abrir caminhos. Por enquanto está morando na Conselheiro Antonio Prado 2-52, apto 3, mas nem sabe até quando. Busca uma luz, algo em que acreditar, conseguir se reestruturar e seguir adiante. “Sou bom no que faço, mas nada consigo, vou de um lugar a outro e as portas se fecham. Quem pode me ajudar?”. Seu fone de contato é 14.997626748.

SITUAÇÃO 4 - ANTONIO DORME VINTE DIAS NUM HOTEL E DEZ NAS RUAS
Ao olhar para os trabalhadores informais e moradores de rua de Bauru impossível não associar com o que está em curso na cidade de São Paulo, administrada por João Dória e com apoio incondicional do governador Geraldo Alckmin, num claro processo de reurbanização da área denominada como Cracolândia, sem nenhum cuidado com saúde pública ou algo congênere. Um desmonte de tudo o que existia, sem nenhuma previsão de internação compulsória para os desasistidos. O que se vê por lá é só barbárie e atrocidades, uma atrás de outra. População de rua sendo tratada como escória e da pior forma possível, sem nenhum tipo de sensibilidade. Aqui em Bauru o tratamento é bem outro, pois a SEBES – Secretaria do Bem Estar Social possui um procedimento, no mínimo de padrões dentro da normalidade quando o assunto é o trato com pessoas em situação de vulnerabilidade. Conto uma história de nossas ruas.

ANTONIO PEDRO, 52 anos, negro, carapinha com poucos cabelos e na região craniana duas cirurgias que o fragilizou, circula diariamente na quadra da rua Rio Branco, entre a Ezequiel Neves e a presidente Kennedy. Permanece por ali todo seu horário comercial e se oferece para cuidar dos carros ali estacionados, mesmo todos eles sendo obrigados a fazerem uso do cartão de Zona Azul. Com aspecto de morador de rua, esse senhor é aposentado por invalidez, após ter um massetamento de crânio em acidente de moto uma década atrás. Sua família reside lá pelos lados do jardim Godoy, a mãe mora no Santa Cecília e ele, com o pouco que ganha repassa parte para sua ex-esposa e a outra tenta sobreviver. Passa vinte dias do mês num hotel de baixo custo, com café da manhã e outros dez, quando a grana desaparece, nas ruas da cidade. Come com o pouco que ganha advindo da boa vontade dos que lhe dão algum durante os dias da semana. Tem dois filhos, um mora em São Paulo e a filha em Bauru, mas pouco os vê, pois cada um possui as correrias diárias e dificuldades idem. Tem boas lembranças dos seus tempos de carteira assinada, na construtora do Pathah e como segurança na antiga Casa Moreira. Hoje, espera pouco da vida, nem sonhar consegue com lucidez, pois só pensa na continuidade da generosidade dos que lhe ajudam, pois assim dorme menos nas ruas e sofre menos de todos os males advindos de quem se submete, não só as intempéries, como tudo o mais que vem junto ao procurar um canto para encostar o corpo durante a noite.

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