Os fazendeiros da região marcaram uma reunião dias atrás e estavam tramando na surdina os detalhes de como seria a recepção pro Bolsonaro na cidade. Vieram vários, de várias procedências e calibres, alguns mais engalanados, outros menos. Todos reunidos e tomando as decisões, pois de algo tinham certeza, estavam ali para que tudo ocorresse dentro dos conformes, não podiam perder a oportunidade de se mostrar eficientes para o gran vizir. Tinha até cerveja gelada para tornar a conversa mais apetitosa. Foi quando surgiu um tema espinhoso e começou uma discussão, dessas quase terminando em briga feia:
- Eu na qualidade do maior proprietário rural desta cidade e região, quero ter o prazer de oferecer o cavalo no qual o nosso ilustre presidente vai participar da cavalgada – disse o mais virulento.
- Meu caro, o senhor poder ser tudo isso, reconhecemos, mas veja bem, o meu cavalo é de notório cabedal, tendo já participado de muitas experimentações, algumas até no estrangeiro e poderia nos representar melhor – disse outro, quase do mesmo calibre.
- Nada disso, o de vocês podem ser tudo isso, mas no momento só se fala da raça de cavalos que, justamente eu, tenho alguns dos melhores exemplares no meu haras e daí, seria um fiasco ele não desfilar com o dessa linhagem – ressaltou outro.
- Meus amigos, todos nós gostaríamos de fazer esse mimo para o presidente, mas eu além de tudo, preparei tudo, já pensei nos detalhes, entalhei algo para ele sentar com o brasão verde-amarelo bem ressaltado e só no meu cavalo ele serve – disse outro.
- Podem falar o que quiserem, mas vocês pelo visto não pegaram o espírito da coisa e para algo assim, visto pelo país e mundo inteiro se faz necessário um puro sangue e eu posso neste momento, fazer isso pelo bem da nação – tenta outro.
- Para evento dessa natureza, vocês estão querendo que nosso mito suba em pangarés e só eu tenho algo condizente com tamanha importância. Nenhum dos senhores está em condições de competir com o meu campeoníssimo - disse um dos grandões da região, cercado de seguranças.
O fato é que mais uns seis tentaram desdizer dos demais cavalos e estavam pleiteando ser o de sua propriedade o que carregaria o capiroto na sua passagem por Bauru na manhã de sábado, 28/08. A partir daí, começou uma discussão dos diabos, onde até garrafas foram quebradas e a solução estava bem longe de ser definida. Teve um que até sacou de arma de fogo e estava prestes a atirar para o alto, quando um gaiato lá do fundo, deu o tom para resolver a questão:
- Calma gente, acabo de ouvir no rádio que o presidente, alegou uns probleminhas e não vai mais poder comparecer no nosso ato cívico.
Foi um alívio geral. Diante de fato incontestável, foi um tal de um ligar pra suas fontes, pois queriam ter a certeza da desistência. Pelo visto tiveram, pois em questão de minutos, os ânimos arrefeceram e todos voltaram a conversar como dantes, não sem cada qual dizer em alto e bom som ter sido mesmo uma pena ele não ter podido colocar os pés na cidade, pois o seu cavalo estaria à altura para tão bem representar Bauru junto ao mundo. E assim, por pouco, foi evitado uma briga de enormes proporções e com danos de inolvidável monta para a conjuntura das tais “forças vivas” das plagas bauruenses. Por fim, o lema, “tem males que vem para o bem” nunca ocorreu de forma tão precisa como neste momento.
OBS.: Essa é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência, mas existem divergências e alguns afirmam de pé junto, ter tudo ocorrido como aqui relatado. Fica o dito pelo não dito e quem souber de algo mais, aproveite o momento para me ajudar na divulgação dos bastidores das altas rodas da sociedade local. Enfim, as minhas fontes não mentem, elas só aumentam as coisas, mas só de vez em quando.
PASSEIO DO SEU PAVAN PELAS RUAS DO CENTRO BAURUENSE MERECE MAIS DO QUE ATENÇÃO E CUIDADOS – ELE REPRESENTA O ESFORÇO DOS QUE AMAM A RUA E DELA NÃO QUEREM SE AFASTAR POR NADA NESTE MUNDOQualquer passeio meu hoje pela cidade, como o fiz nesta manhã, de dentro do carro e a observar o centro velho da aldeia bauruense é recheado de belas surpresas. Tive várias hoje pela manhã. Algumas indescritíveis e muito tristes, como a de cada dia que passo diante da fila que se forma diante do Bom Prato, a vejo só aumentando, hoje quase se encontrando uma com a outra, dando volta no quarteirão, quando formadas uma de cada lado e pelo tanto de gente, se misturando lá na rua Ezequiel. Não existe melhor medidor do momento atual passado do que este termômetro. Num outro momento, vi de longe um senhor, que conheci logo que bati os olhos. Ele vinha muito devagar, saindo ali da praça Rui Barbosa e descendo a rua Primeiro de Agosto. Seu passo é quase arrastado, mas vinha resoluto, decidido e impetuoso, num caminhar conhecido e que, pelo visto, mesmo com todo esforço, realizava com muito prazer e contentamento.
Era seu PAVAN, o antigo dono da mais famosa loja de carimbos da cidade, a Carimbos Pavan, que por muitas décadas dominou o mercado de carimbos na cidade. Ele se aposentou, perdeu a esposa, os filhos os levaram para uma morada num apartamento lá perto do Camélias e vez ou outra, mesmo com todo o peso dos anos nos costados, consegue uma espécie de alvará, salvo conduto para circular pelas ruas, que tanto gosta e conhece. Seu Pavan, eu sei, é desses, como eu, que não consegue ficar encalacrado dentro de quatro paredes por muito tempo. Existe dentro da gente um bichinho a nos remoer por dentro e daí, só mesmo ver de perto a rua para parar a agitação interna. Ele deve encher muito os seus, principalmente a filha e ela, mesmo com todas as restrições acaba permitindo que ele faça mais um dos seus gostos na vida, o de rever o centro bauruense.
Hoje ele o fez e quando o via, procurei um lugar para estacionar o carro e ali fiquei, esperando ele chegar. Parei quase cem metros adiante dele e posicionei a máquina fotográfica. Ele veio bem devagarinho, trote lento, parava de vez em quando. Demorou bem um quinze minutos num só quarteirão, mas chegou e tirei as fotos aqui publicadas. É mais do que lindo a cena. Num certo momento sua máscara ameaçava cair do seu rosto e alguém percebendo a situação se aproximou e pediu se podia recolocá-la no lugar. Numa das esquinas – e isso deve ter se repetido em todas as outras -, ele vem e atravessa a rua, quando, em todas, alguém se aproxima e interrompe o trânsito. Para tudo, nenhuma reclamação e ele atravessa e segue em frente. Eu sei onde é o seu porto seguro. O lugar onde ele vai se sentar, prosear com um velho amigo e ali descansar até que alguém de sua família o venha resgatar.
Faço tudo o que tinha que fazer na cidade e na volta, mais de uma hora depois, o vejo chegando no bar, ali na Ezequiel, ao lado da agência do banco Itaú. Parou o trânsito para atravessar a rua na esquina e o amigo o esperava na porta. O levou para dentro, deve ter-lhe dado uma água e sentaram para um pouco de prosa. O velho Pavan é desses que, conseguem parar o trânsito da cidade sem causar embaraços. Ele faz parte da arquitetura do centro velho da cidade, conhecido por todos os antigos e alguns do novos comerciantes. Vê-lo ainda com uma disposição de ferro, dessas inquebrantáveis é a certeza de que, a vida vale mesmo a pena e devemos insistir em fazer o que gostamos até o último instante, mesmo existindo dores e impedimentos, dificuldades e obstáculos.
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