TUDO VALE UMA HISTÓRIA*
* Meu 102º artigo para o semanário DEBATE, de Santa Cruz do Rio Pardo, edição saindo neste sábado:Estou terminando de ler um livro do grande escritor paulistano Marcos Rey. Este, o “O caso do filho do encadernador”, talvez um dos seus menos conhecidos. Trata-se de pequena biografia, onde conta detalhes interessantes de sua vida. A que mais me cativou foi como, influenciado pelas atividades de seu pai, se interessou por livros e desde ter ingressado neste mundo, nunca mais parou de ler. Quando um incentivo deste vem de dentro de casa, sendo o grande motivador de uma vida, os pais podem se considerar realizados, pois o mais virá naturalmente.Marcos Rey, escrevia como ninguém essas histórias todas vivenciadas no dia a dia. Bastava se deparar com uma, ia a fundo, muito além de sua imaginação e a passava logo para o papel. Num certo momento do livro, um dos que ele repassava seus textos para avaliação lhe disse a frase que intitula este texto, “tudo vale uma história”. Eu penso e vivencio a mesma coisa. Não posso tomar conhecimento de uma história e já quero repassá-la para a frente. Quando vejo que ela não terá maiores consequências, conto dando nome aos bois e quando nem sei o seu final e é daquelas escabrosas, escondo os verdadeiros autores, a passando para o mundo da ficção.
Quando abro o DEBATE, em cada semana vejo que o Sérgião Moraes é do mesmo time e vivencia isso tudo, da mesma forma e jeito. Na edição passada ela conta a história de uma professora de idiomas daí de Santa Cruz, ela no passado tendo a oportunidade de conhecer pessoalmente Claplin e Einsten. Da história contada nos mínimo detalhes, o fato dela ter estado com os dois ilustres norte-americanos gerou até o título da matéria. Noutra, ele relembra a história ocorrida na vila Saul, hoje local de uma escola, mas no passado, local marcado pela presença de um campo de futebol, abrigando jogos entre dois times antigos da cidade, o Botafogo e o Comercial. Trouxe à baila um personagem para contar os feitos futebolísticos daquela época.
Essas histórias são relembradas e contadas por quem possui a percepção de que, tudo vale a pena ser passado para o papel. Eu não me canso de afirmar, serem elas a cereja do bolo do DEBATE. O pega pra capar do mundo político atrai demais a atenção, mas o que eu recorto e quero guardar são essas histórias de vida. Marcos Rey, pegou isso desde seus primeiros textos e foi aprimorando a coisa. Virou um expert no assunto. Seus livros atraem a atenção simplesmente por contarem as histórias vivenciadas nas ruas, desde aquelas ditas como improváveis até as mais cabeludas e tidas como simplórias. Enfim, “tudo vale uma história”.
Eu conto uma minha e tento fazer em poucas palavras. Domingo cheguei de viagem, 30 dias fora de Bauru. Ana, a esposa chama uma amiga para ajudá-la na arrumação da casa e desarrumação das malas. Essa recebe uma ligação dessas para revirar o mundo. Seu filho, 11 anos, que havia autorizado ir com um vizinho numa cavalgada em Iacanga, leva um coice de cavalo no rosto. Coisa séria e quando fica sabendo, ele já está em Bauru, na UPA do Mary Dota e não querem lhe dizer seu estado, mas pedem que venha ao local. Eu a levo e a partir daí, pipocaram tantas histórias dentro desta inicial, que poderia muito bem torná-las talvez num grande conto, juntando-as pelo ocorrido inicialmente.
A UPA parou para atender o garoto, que sangrava muito e urrava dentro do ambulatório, com todos do lado de fora torcendo a seu favor. Até alguns, com problemas mais sérios, paralisados pelo que sentiam estar ocorrendo a portas fechadas, deixaram de lado suas enfermidades. Daí, eu ali junto de todos, vivenciei cada instante daquele inenarrável momento. Centro de atendimento médico de urgência são locais onde acontecem de tudo e pratos cheios na geração de infinidade de histórias. O Sérgio do DEBATE sabe disso e quando vejo acontecendo algo a merecer um escrito, penso nele e como consegue tão bem traduzir e transportar o ocorrido para o papel. Marcos Rey e o nosso Sérgio Moraes Fleury são catedráticos nisso, anos de experiência. Eu aprendo com eles e para tentar me igualar não paro de ler quem possui este dom. Escrever é uma arte.
Henrique Perazzi de Aquino, jornalista e professor de História (www.mafuadohpa.blogspot.com).
Fernanda, querida amifa da família, estava em casa ajudando Ana, a esposa, a desmontar as malas e recolocar a casa nos eixos. Era um dia de conversações e boas surpresas, com as histórias sendo revistas a cada peça surgida de dentro da mala. Tudo foi bruscamente interrompido por um lacônico telefonema para Fernanda, por volta da meio dia, quando alguém de Iacanga lhe avisava que seu filho havia sofrido um acidente em Iacanga, um coice de cavalo no rosto. Baixou o desespero, mas disseram ser algo de pequena monta. Ela, a mãe do menino, 11 anos, havia permitido ele ir com um vizinho, todos moradores do Jardim Nicéia para uma cavalgada na região. De princípio conta não teria aprovado a ida, mas o pai foi decisivo: "Deixe, ele estará melhor lá do que aqui com as influências más à sua volta". E assim foi feito.
O dia já estava transformado, ela aguardando mais informações para saber o que fazer. O tempo parecia ter sido paralisado. Não demorou muito veio algo mais. Numa ligação feita pelo pessoal da UPA do Mary Dota, onde o menino havia sido transferido do local do acidente, lhe diziam para comparecer ao local, mas não podiam falar nada sobre a gravidade do acidente. Bateu o desespero em todos em casa e fui levá-la até a UPA. Em Iacanga, diante do ocorrido trazem de imediato para Bauru, com condições de atendimento. Momentos tensos, pois uma só certeza: se o transferiaram tão rapidamente, algo mais sério. Chegamos e o local já estava respirando o acontecimento, o garoto coiceado pelo cavalo já era o que movimentava a UPA. Seu acesso para adentrar a parte da enfermaria foi imediato. Eu do lado de fora, ouvindo os comentários de quem presenciou a chegada do garoto.
O atendimento médico das UPAs vivencia nessa semana um momento de crise aguda, com Audiência Pública ocorrendo na Câmara Municipal e muita discussão entre as partes, brigas e falas em voz alterada entre as partes. Do que vi ocorrer no Mary Dota, saliento uma fala de funcionária, dos profissionais que atendiam o caso, numa das saídas ao saguão central. "Nós, os profissionais sabemos o que tem que ser feito e fazemos nossa parte, com competência de dedicação. Tudo o mais tem que ser resolvido pela Prefeitura, mas quando o bicho pega e o negócio é conosco, damos conta do recado". E deram mesmo. Presenciei tudo, desde o pessoal do transporte, do SAMU até a médica e enfermeiras trabalhando naquele dia. Uma mãe em desespero e, além do atendimento ao garoto, a dedicação em amparar quem estava fora de controle.
O menino urrava e todos no local ouviam calados, respirando fundo e torcendo por ele. O coice pegou bem no meio de um dos lados de seu rosto e além da fratura óssea, fez com que uma artéria se rompesse, provocando muito sangramento. Tiveram que dar pontos na parte interna de seu rosto, junto a dentição e com anestesia local. Fernanda saia vez ou outra e me contava algo do ocorrido lá dentro. Ela, vendo o sofrimento do filho, pede para lhe aplicarem uma anestesia geral e me diz de como foi convencida do contrário: "Eu estava descontrolada e tiveram muita paciência em me explicar da impossibilidade disso, pois se o fizessem, ele no transporte para o Hospital de Base, poderia dormindo ingerir sangue e isso seria fatal. Teria que suportar com a anestesia local".
Enfim, ao final, toda a UPA pára no momento em que transportam o menino para dentro do veículo do SAMU e o levam para o Base. Finalizo reconhecendo o que vi, a presteza no atendimento e o profissionalismo de todos os envolvidos. Foi exatamente como já transcrevi acima, eles todos, mesmo em número deficitário, quando diante de uma prioridade, de algo emergente, sabem muito bem o que fazer e como fazer. E fazem. Nas informações passadas ao longo do dia, na tomografia foi constatado que os pontos dados na UPA foram precisos e não necessitariam de cirurgia. O garoto permaneceu internado por alguns dias no Hospital de Base, até diminuir o inchaço da face e com a prescrição de que, em no máximo dois meses, no princípio ingerindo somente comida pastosa, voltará à vida normal.
Esses sustos e ocorrências mudam o rumo da vida de muitas pessoas. Fernanda não arredou pé de estar ao lado do filho um só momento. Quem sou eu para julgar sobre a ida de seu filho para uma mera cavalgada, quando um cavalo é picado por marimbondos, fica agitado, o garoto pula e na sequência o coice. Triste coincidências. Eu não moro do Nicéia, mas sei algo do que se passa por lá e em outras regiões periféricas da cidade. Uma fatalidade atendida com o devido primor e diante do que ouço ter ocorrido na Audiência Pública tratando de nossa saúde no âmbito municipal, uma só certeza, a de que todos estes locais necessitam de melhor amparo. Fazer o que podem, mas sem as devidas condições é algo inaceitável. O descaso precisa ter fim e a Saúde ser tratada como prioridade absoluta. Tenho muitas histórias vivenciadas ali no local, de tantos outros a esperar por atendimento, circulando pelo local, cada qual com seu problema e se for escrever de cada um deles, daria um painel dantesco das condições de como se dá este atendimento na cidade. De tudo, ressalto e reconheço, aplaudo de pé, o papel desempenhados pelos artífeces envolvidos com o atendimento, o funcionalismo público. Eles fazem o que podem e mais um pouco.
OBS.: As fotos são meramente ilustrativas e foram sacadas do google.
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