sexta-feira, 25 de outubro de 2024

PALANQUE - USE SEU MEGAFONE (196)


LUIZINHO SE FOI AOS 18 ANOS, FRUTO DA GUERRA URBANA TRAVADA EM BAURU
Esse Homenzinho Aranha da foto é o Luizinho, filho da diarista Maria Aparecida, moradora do Rasi, num porta retrato em sua sala. Essa a recordação que terá pra sempre de seu filho, um dos dois jovens assassinados semana passada no jardim Vitória, este aos 18 anos, pelo BAEP, numa despropositada, descabida e desumana ação.

EU ADORO TOMAR CONHECIMENTO DE LINDAS HISTÓRIAS, COMO ESSA DA MANU SAGGIORO - ISSO ME ARREBATA - TAMBÉM FAZ A GENTE SE ESQUECER, AO MENOS POR INSTANTES DA GUERRA URBANA TRAVADA EM BAURU
Eu vivo no município mais populoso do centro-oeste paulista que surgiu no final do século XIX incentivado e ocupado pela Marcha do Oeste, um movimento de devastação e aniquilação dos povos originários que viviam aqui.

Meu bisavô, Mário dos Reis Pereira, nome da rua onde moro, nasceu aqui do lado, em Pederneiras, quando as lutas mais sanguinárias contra os Kaingang já haviam cessado, mas é claro que ele herdou toda a “brucutuzice” de um homem branco nascido em 1910.

Minha família materna é toda daqui, aprenderam a nadar no Rio Bauru quando ele ainda era limpo e cheio de vida, quando a avenida Duque de Caxias era rua de terra e Getúlio Vargas era mata fechada cheia de animais selvagens.

Tive esse bisavô fazendeiro, ligado à indústria do leite e outro bisavô, dono de padaria, que vivia atrás dos livros, o mais culto da nossa família, comunista, foi preso na ditadura, um homem alegre, grato, muito querido por todos (exceto pelo governo de 64).

A geração dos meus avós ainda estava envolvida com questões de terras, sítios, fazendas, gado, leite, plantações mas também nascia, especialmente nas mulheres, outros interesses e habilidades: piano, vocação pra lecionar, estudar, mais leitura no dia-a-dia, a música foi se tornando mais viva e presente, e a partir dela (acredito muito nisso!), parece que as coisas começaram a “amaciar”, parece que os espíritos ficaram mais sensíveis, aptos à reflexão, à percepção dos mistérios, às redes, às conexões, à empatia, à compaixão pelos seres vivos, acho que com a educação e as artes, a sensibilidade latente nos seres, começa a participar da vida material humana (digo pensando no homem civilizado, o nativo isolado, não contatado já tem tudo, nada pode melhorá-lo, a meu ver.)

Quando meus pais nasceram já puderam escolher a que se dedicar, escolheram trabalhar na área da saúde. Meu pai, um médico incansável, humilde, nunca ostentou consultório ou nome, adorado por seus pacientes, cuidando deles como se fosse mesmo um pai.
Minha mãe, escolhendo psicologia, mergulhou profundamente nos recônditos da mente humana, seus comportamentos, aflições, dores e se dedica a aliviar a carga emocional das pessoas, ajudando-as a trazerem luz às suas questões.

Tenho a sorte de ter pais separados desde os meus dez anos de idade, mas amigos sempre, confidentes até hoje, presentes e muito ligados à natureza, aos animais, à preservação do meio-ambiente.

Essa geração que estou falando, dos meus pais, nascidos na década de 50, acho que superou rápido a ignorância espiritual, e mesmo vivendo em cidades, parece que já passou a existir uma percepção mais fina do que significa a vida humana e a relação direta que isso tem com a vida da biosfera, a vida planetária, para mim isso é consciência espiritual.
Bauru não é a cidade onde nasci, vim pra cá com 5 anos, porque meu pai é de Jaú (48 km daqui).
Mas conto essa história toda para dizer que Bauru é o palco onde minha família, amigos, e comunidade de gente “a fim” vive há 110 anos! Mais de um século! Cento e dez anos!

Estudei aqui, me formei em música aqui, cursei anos de letras aqui, tive muitos grupos de música, me envolvi com a produção cultural da cidade, realizando mais de 12 Jardins Culturais espalhados pela cidade, Festival Sonora, projeto Dandô, entre muitos outros shows, espetáculos e movimentos.

Me sinto envolvida com essa comunidade artística tão rica, tão potente e plural! Movimentamos muitas coisas aqui e parece que cada dia mais percebemos que, parafraseando Emicida, “tudo tudo tudo que nóis tem é nóis” mesmo!

Quando Bauru fica “famosa” porque uma prefeita negra (que não se identifica com a luta racial), evangélica (que não compreende as religiões de matrizes africanas), cantora (que só canta pra Jesus e crê que toda a música “secular” é pecadora), vai até Brasília encontrar com Damares e com o presidente Jair B., entra numa briguinha infantil com Dória, num pico de casos de covid e com Hospital Estadual aqui colapsando, recebe Luciano Hang, dono da Havan, que veio protestar contra o fechamento do comércio, e Bauru vai ganhando holofotes no Brasil e no exterior, eu, Manuela, bauruense sim, com família atuante, também construtora, fazedora da história de Bauru, me sinto no dever de dizer “Não, meu povo, Bauru não é só isso. Bauru não é só isso que tem aparecido na mídia. Tem gente legal aqui, tem MUITA GENTE LINDA E FODA
 AQUI, que honra o chão que pisa, que reconhece os erros dos antepassados, que se preocupa com as barbáries cometidas em épocas remotas e com as barbáries cometidas HOJE TAMBÉM, que se ocupa em cuidar das pessoas e produzir arte, pensamento, reflexão, que se empenha em embelezar o mundo e encantar as pessoas já desencantadas pela vida. E educar as crianças e jovens para ver o mundo real e cuidar dele.
ESSA É A MANU

Bauru não é essa cidade “moderna”, egoísta, superficial, de direita, preconceituosa, arrogante, preocupada somente com crescimento-progresso-dinheiro às custas de todo tipo de negligência com sua população e natureza.

EU SOU BAURUENSE, SUELLEN NÃO ME REPRESENTA, A ESTÁTUA NA ENTRADA DA CIDADE NÃO ME REPRESENTA.
A política infantil e genocida proposta aqui não me representa!
Bauruenses, artistas, amigos, precisamos nos posicionar.
ps: Bauru tem apenas 1% de seu cerrado original preservado.
Bauru tem uma estátua da liberdade brega, horrorosa, na entrada principal da cidade, ideia desse lunático que visitou nossa cidade ontem.
Eu acho que no lugar da “Liberty Enlightening The World” deveria ter uma estátua de um bandeirante cortando o pescoço de um índio Kaingáng (o que seria talvez chocante e horrível, mas pelo menos sincero e historicamente correto).
Ah, podemos ser mais ternos e pacíficos também, a índia Vanuíre da foto (responsável pela pacificação) também cairia bem na entrada de Bauru.

E O POETA ANTÔNIO CÍCERO SE FOI, SUA POESIA PERMANECERÁ ENTRE OS VIVENTES

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