sábado, 19 de outubro de 2024

MEMÓRIA ORAL (311)


MARIA, A MÃE DO LUIS, MORTO PELA PM, CONTA SUA VERSÃO DOS FATOS – E O QUE O ATOR PEDRO CARDOSO TEM A VER COM TUDO ISSO
Algo recorrente por todos os lados nestes últimos tempos é a ação descabida da BAEP – Batalhão de Ações Especiais de Polícia, a Polícia Militar paulista em sua ação direta nas ruas. São denúncias e mais denúncias, algumas graves, como a das duas mortes ocorridas em Bauru na última quinta à noite, 17/10, quando dois jovens perderam à vida. O fato gerou uma verdadeira guerra urbana na cidade e na versão divulgada pela PM, tudo após um confronto dos dois com os policiais. A versão da polícia está registrada já em vários lugares, como o BO – Boletim de Ocorrência e no que é divulgado pela maioria dos meios de comunicação. Das mortes na quinta, ao ocorrido no velório no dia seguinte, quando a PM invade o local, junto ao Cemitério Cristo Rei, no Parque Primavera até o dia de hoje, com o enterro de um dos jovens, algo precisava receber mais luz.

Na versão policial, os dois jovens, Guilherme Alves Marques de Oliveira, 18 anos e Luiz Silvestre da Silva Neto, 22 anos, ao se depararem com os policiais, fugiram, se embrenharam num matagal e morreram após troca de tiros. Tudo por causa de pequena quantidade de drogas e em poder deles, armas e até um radiocomunicador. Guilherme foi enterrado ontem, sexta, 18/10, após o confronto com os policiais no velório e hoje pela manhã, o de Luiz, 9h30 também no Cristo Rei. Depois de toda a desbaratada ocorrência, culminando também com manifestação popular na noite anterior nas proximidades da avenida Castelo Branco, a calmaria reinou no enterro realizado nesta manhã, na presença de parentes e amigos da vítima.

Fui conferir de perto e conhecer a outra versão, a da família do Luis. No velório, evidente, procurei primeiro pela mãe, me identifiquei e disse ali estar para, se solidarizar com sua dor e também deixar registrado sua versão dos fatos. Maria Aparecida, a mãe, tem 46 anos, teve três filhos, uma filha falecida quase 5 anos atrás, por problemas de saúde e agora Luis. Trabalha como faxineira em diversas residências da Zona Sul da cidade e, para surpresa, uma de suas empregadoras, a professora de História Eunice, 74, moradora do Jardim Estoril, veio até o velório, sozinha e em forma de reconhecimento por tudo o que tem vivenciado pelos anos de convivência com Maria dentro de sua casa. “Eu a conheço, confio nela, sei de sua luta e entendo a situação vivenciada pelo seu filho e todos os demais jovens das periferias brasileiras. Tinha que vir e o faço, por enxergar o que de fato ocorre, repudiar e neste momento, a amparar no que posso”, diz.

Eunice vivenciou o ensino médio brasileiro em boa parte de sua atividade profissional. Durante décadas atou na EE Cristino Cabral, e mais do que ninguém, até pela sua atividade de professora junto a jovens, enxerga a realidade brasileira como de fato poucos o fazem. Não só sente o drama de sua amiga Maria, como relata do enorme problema social enfrentado por quem está à mercê de todo tipo de violência em seu habitat. Maria, como se sabe, assim como Nilcéia, a mãe do jovem Guilherme, ontem enterrado, fazem parte de uma estatística que só cresce, a de mães cujos filhos mortos por integrantes do BAEP, em circunstâncias mais ou menos parecidas. São histórias que se juntam, se unem e se multiplicam, infelizmente, quase todas sem solução e sem voz para, ao menos, desabafar ou contar a sua versão dos fatos.

“Não existe a menor hipótese de meu filho possuir uma arma. Eu saberia e se tinha envolvimento com drogas, era mero consumidor, como boa parte de tantos outros. Está aqui registrado em meu celular, pouco antes do ocorrido, ele me pediu e eu passei por PIX, R$ 18 reais para ele comer, estava com fome. Quando os policiais chegaram eles estavam no meio do bairro e quando um deles correu, de medo, para o matagal, policiais já lá se encontravam. Sim, cheguei a pedir, numa mensagem de whats, um exame de pólvora nas mãos de meu filho, mas nem isso levaram em consideração. Foi uma noite de horror e mesmo o SAMU, chamado ao local, com os policiais cercando o local, não foi permitido leva-los para atendimento hospitalar. Até a história da invasão do velório ontem foi distorcida, contada diferente de como de fato se deu. Eu só quero que entendam e me deixem contar o que vi acontecer. Muita gente no bairro viu como tudo ocorreu e pode dar seu depoimento, bem diferente do divulgado”, diz.

Maria fala dos seus três filhos, lhe restando agora somente um, este com 27 anos e muito consternado com a situação. Contava de como Luis se preocupava com a situação de seu filho, menos de um ano e hoje entregue aos cuidados serviço assistencial. “Ele não se diferenciava da maioria dos jovens como ele e moradores do bairro. Era calmo, não gostava de confusão e se virava como podia para sobreviver. Nas condições que vivia, não tinha como ter condições para ser traficante. Emprestei dinheiro de um empregador, pagando para fazer os retoques em sua face no caixão, pois queria que fosse visto por todos sem as marcas do que o fizeram passar”, conta. Em torno do caixão, a mãe, o marido, encanador do DAE, parentes e principalmente, amigos, muitos convivendo com ele desde criança. A professora Eunice era a única presença de fora deste contexto no local.

Junto a cova nº 150, muito simples, gaveta fechada sem barro, terra seca a cobrindo, com uma salva de palmas o ato é encerrado. A mãe volta por entre os túmulos, ouvindo histórias contada a ela de outras pessoas ali enterradas e conta mais detalhes do que já viveu na vida. “Eu fiz o que pude e continuarei fazendo. Tá aqui a dona Eunice, que me conhece, sabe como criei meus filhos, enxerga minha luta e compreende como se dá as injustiças neste mundo. Eu não peço muito. Queria poder esclarecer tudo, que soubessem como de fato tudo se deu. Justiça, só isso. Seria pedir muito?”, vai falando enquanto todos saem do cemitério. A dispersão se dá ali mesmo, no portão, cada qual tomando seu rumo, com ela pedindo, tentando vislumbrar em mim o que pode ser feito para ao menos, não deixar seu filho ter sua morte registrada de forma diferente como a que de fato ocorreu.

ALGO MAIS – Os únicos nomes por completo neste texto são o dos dois jovens mortos. Fui ao enterro nesta manhã, acompanhado da escritora e também vivendo de serviços de limpeza, Amanda Helena. Todas as fotos aqui publicadas tiveram autorização de publicação pela mãe do jovem falecido. Saio de lá, coloco para ouvir algo no celular, entrevista do ator Pedro Cardoso com o jornalista Chico Pinheiro (link da entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=xgLpXJcFnSY). Na conversa, algo muito além de, simplesmente pedir o fim da PM. Pedro é muito lúcido no que diz a respeito da maior violência da vida brasileira hoje, a policial: “A gente trata o policial errado e daí, ele devolve isso na forma como lhe permitem exercer sua função. (...) O policial acaba não defendendo os interesses da sociedade de onde veio. Isso não é um acidente de percurso e sim, um método, um procedimento. (...) Eu chego a tirar a culpa do policial e a coloco na estrutura. Ele faz aquilo que esperam que ele faça. (...) O sistema quer um policial mantido com um baixo salário, também oprimido e jogado numa hierarquia toda corroída. Acabam se corrompendo. Não adianta punir somente essa pessoa, o executor. (...) Se faz necessário trabalhar na raiz dessa questão e prepará-lo muito mais para o exercício de sua função. Não mudando a mentalidade da construção do policial, nada mudará. (...) Ser policial não pode ser salvo conduto para fazer o que fazem. Hoje, a população pobre deste país vive para ter, todos os dias, medo de morrer. A questão da Educação não pode ser encarada como uma ilha dentro da questão social que a envolve. (...) O homem branco, ao pedir ao policial para que, faça em seu nome o serviço sujo, pagando-lhe mal para tanto, se livra de sujar suas mãos. Tem quem o faça. Isso precisa ter fim”.

CONCLUSÃO DESTE HPA: Mas como mudar isso, tendo Derrite como Secretário de Segurança Pública e Tarcísio como governador paulista? A PM atua, mais ou menos, condicionada pelo governo no poder. Se lhe dão passe livre para atuar, algo sem limites, assim age. Se é contida, sob direção de alguém com outra diretriz, o procedimento já muda. Mudar é preciso, mas em desGovernos fundamentalistas e com viés ultradireitistas, impossível. Com estes, mais e mais violência, sem nenhuma luz no final do túnel. O povo da periferia enxerga tudo isso, sofrendo e muito, na própria pele.

COMENTÁRIOS POSTERIORES À PUBLICAÇÃO:
1.) "Eu chorei vendo o vídeo do velório eu espero que eles sejam afastados das ruas urgência..Já se sabe que a tempos o Baep vem exterminando pessoas na nossa cidade. Meus sentimentos a está mãezinha Jesus Cristo lhe dê forças. A você obrigada pela matéria hoje esperei para ver se algum vereador ia postar alguma coisa somos nós que votamos a população neste momento tivesse mais respaldo se os policiais não estão aptos que sejam afastados urgência", Regina Simone Silva.

2.) "TERRÍVEL MESMO, HOJE NESTE PAÍS VIVEMOS A BARBARIE DE UMA SOCIEDADE E DE UM SISTEMA QUE FALHA ATRAVÉS DOS TEMPOS E FALIU SEM NENHUMA PERSPECTIVA DE MUDANÇA CONCRETA POIS A POPULAÇÃO DE FORMA GERAL AINDA ESCOLHE OS SEUS PRÓPRIOS ALGOZES!", Cássio CArdozo de Mello.

3.) "Essa barbárie tem que acabar! Esses e muitos outros policiais tem que ser expulsos. Não nos interessa políciais que se comportam como selvagens. Temos que denunciar e exigir providências. Mas também criar uma rede de apoio e acolhimento para essas mães", Marisa Meira.

4.) “A carne mais barata do mercado é a carne negra” - infelizmente a cada dia que passa esse retrocesso não cessa. Parabéns por essa matéria Henrique Perazzi de Aquino. A contrapalavra precisa de espaço para se materializar. Minha solidariedade a essas mães que se somam a outras nessas perdas. Ainda tenho esperança que esses (des)governos sejam banidos de nossa sociedade", MaséBettini dos Santos.

5.) "Trabalhei tempos em feira de artesanato, praça Rui Barbosa, vitória regia e em diversos lugares de Bauru. Mas ruas, festas, eventos sempre vivenciamos essa relação de despreparo e violência da polícia. Guardo admiração pelo saudoso Roque, que em diversas ocasiões fez enfrentamento para defender jovens sendo agredidos pela polícia ,sem proposito de segurança ou ameaça. Uma vez no vitória, azedou tanto que fui para perto do Roque em apoio, lembro dos empurrões, ofensas, armas, ameaças. Tenso!!! Sociedade tem que discutir isso. Vamos com medo e muita coragem. Deve ser a 100 vez que parabenizo você Henrique Perazzi de Aquino. A importância dos Desimportantes", Décio de Souza.

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