domingo, 26 de janeiro de 2025

OS QUE FAZEM FALTA e OS QUE SOBRARAM (196)


DETALHES DA HISTÓRIA DE GENTE PELA AÍ
01.) O BAR DO CÉLIO EM JÁU É POINT DO FUTEBOL E DA PROSA
Seu Célio é dono de um famoso bar nas cores verde-amarelo, as do time de sua aldeia, o XV de Jaú, numa das esquinas, ruas que levam ao estádio Zezinho Magalhães - todos os caminhos levam à Roma. Sabe receber os visitantes, clientes, torcedores e botequineiros como poucos, ou seja, é do ramo. A especialidade da casa são alguns pratos típicos de botequim, mas o melhor de tudo é a prosa. Estive ali por duas vezes neste mês, quando fui presenciar jogos da Copa SP Futebol Jr por lá. Num espaço não tão grande, abrigando gente de todas as torcidas, ele instalou cinco aparelhos de TV e todos, transmitindo futebol ou até mesmo algo diferente, desde que a clientela assim o peça. Ele sabe que sou bauruense, nem por causa disso me tratou a mim e meus amigos com alguma descortesia. Num certo momento, me puxou pelo braço para o interior do bar e fez questão de me mostrar algo: "Isso aqui tinha muito antes, mas hoje só eu ainda faço aqui em Jaú. É a tabela dos jogos do campeonato da AIII, onde o XV vai estar jogando". Fiquei encantado, trouxe alguns para distribuir entre considerados. Tomamos algumas e quase juntamos mesas com gente que nunca havia visto na vida, mas que estava ali pelos mesmos motivos que eu, o futebol e a alegria de se encontrar e reencontrar nos bares da vida. Seu Célio ficou uns dias com o estabelecimento fechado em janeiro, não pelas regulares férias que sempre faz em janeiro, mas para cuidar de um parente acamado. Voltou, o parente ainda em recuperação e ele ali, atrás de um dos balcões mais gostosos da cidade de Jaú, destes lugares que, com certeza, sairia de Bauru, seguiria até Jaú, só para sentar junto daquele povo proseador. Virou rotina, passando por Jaú, ele estando de portas abertas, passo por lá e em cada quadro de sua parede, ele me conta uma longa história, inclusive de gente com a camisa noroestina.


2.) FAMÍLIA VENDENDO CHURRASCO E CERVEJA NA ENTRADA DOS ESTÁDIOS PAULISTAS
Este trio presente aqui nestas duas fotos são mais do que conhecidos nas quebradas bauruenses e da região, principalmente beiradas de campos de bola, como churrasqueiros de porta de estádios. É uma linda família, sempre unida e desvendando onde vai acontecer por estes dias uma partida de futebol, daí saem de casa se dirigindo para lugares distantes, tudo para vender um churrasquinho feito na hora ou uma cerveja gelada. Dizem, tudo vale à pena. Seu Jason, o pai, dona Telma, a mãe e a filha, Jaqueline, são desbravadores do sertão da bola. Conheci eles todos, muitos anos atrás, no portão principal do Alfredo de Castilho, o estádio do Noroeste, mas quando fui assistir um jogo decisivo lá em Novo Horizonte, me surpreendi, pois lá estavam eles. Depois, naquela febre da construção da Bracell, em Lençóis Paulista, com gente aos borbotões espalhados por Bauru, eles montaram sua banca lá no parque Vitória Régia e deitou fama e fumaça de churrasco por todos os cantos do lugar. Fez sucesso, ficou mais conhecido. É destes que vai aonde a coisa acontece e sem medo de ser feliz. Une o últil ao agradável. Nas duas vezes em que estive em Jaú neste mês, vendo jogos da Copa SP Futebol JR, eles estavam no portão do estádio e quando rindo, brinquei deles serem um tanto ciganos, me disseram que dias atrás tinham ido até Araraquara, outra sede de jogos, diantes 160 km de Bauru, pois lá, segundo eles, não existe ambulantes dedicados como eles. Estão também, quando não tem jogo no dia, toda quarta à noite na feira noturna do Vitória Régia, batendo um bolão numa das entradas, oferecendo o que possuem de melhor, que é a simpatia e quando, de longe, me observa chegando, levanta uma lata de cerveja, abre um baita sorriso e diz: "Não é dessa que você gosta?". Ele já aprendeu a saber a de minha preferência e gosto. Essa família faz de tudo um pouco para ir conseguindo levantar algum para ir tocando a vida e quando descobriram o filão do churrasco com cerveja, sempre na beirada de calçada, dele ficarão mestres. São a família com mais quilometro rodado que conheço neste negócio de ir seguindo e escarafunchando as trilhas do futebol pelo interior paulista. Quem não os percebe pelos campos, não entende nada disso de cavar espaços no dia-a-dia interiorano. Personagens marcantes e dos mais dignos das estradas da vida - e da bola.

3.) SATO MONTOU ALGO POUCO USUAL NO QUINTAL DE SUA CASA
Seu Sato é de origem nipônica e muito conhecido nas quebradas do centro velho bauruense, onde viveu a maioria dos anos de sua vida. Depois de ser, fazer e acontecer por onde circulou, amealhou amizades e gente o querendo bem. Quando cansou um bocadinho da agitação , voltou para seu canto e ali montou uma espécie de santuário, onde reúne amigos e considerados, para continuar a conversa iniciada nas ruas. Seu canto é algo surreal dentro de tudo o que conhece na concepção de um bar como o conhecemos. Na verdade, ali é sua residência, na quadra 4 da rua Anhanguera, vila Cardia, perto da sede do Jornal da Cidade. Tudo leva a crer ali ser um bar, mas na verdade é um local para receber gente que o considera. A pessoa chega, não existe nenhuma placa ou identificação no local. A pessoa chega, aperta a campainha e do outro lado, aparece em instantes seu Sato, quase sempre sem camisa, devido ao calor destes dias. Confere se é pessoa conhecida e autoriza a entrada. Após seguir pelo quintal, uma edícula coberta junto da porta da cozinha, local onde alguns sofás e poltranas estão contornando o salão. A pessoa pode até trazer algo diferente pra comer, pois lá só estes salgados plastificados, mas para beber, só dele. A cerveja está sempre gelada e neste último domingo, quando saia da feira, encontro na rua o Kyn Junior e seu filho, estes com um frango assado nas mãos, me param e ouço: "Nos leve para um lugar aqui perto, que sei não conhece e vai te surpreender". Topei a parada e em minutos estávamos sentados no salão principal do santuário do seu Sato. Ele vive assim, modestamente e recebendo amigos, que ele garbosamente denomina de "Diretoria". Realmente, um lugar diferenciado, que na verdade não é nem um bar, nem um santuário, mais para um "aparelho", nos moldes dos antigos lugares onde se refugiavam os contestadores contra a ditadura militar, mas numa concepção diferente, algo alegre, onde se vai para prosear. Sato deixa todo mundo à vontade em sua casa, e desta forma, perdi a hora para retornar ao lar, mas confesso, conheçi este, que com certeza é um dos lugares que nem imaginava existir dentro dos redutos bauruenses. Agora sei, quando precisar me refugiar, ficar longe de tudo e todos, nada como apertar a campainha do Sato e ali permanecer por algumas horas apartado do resto do mundo.

4.) A HISTÓRIA DO FARMACÊUTICO DO SERTÃO, PAI DO ZECA BALEIRO
Quase nunca posto coisas “familiares” aqui. Tenho reservas ainda, mesmo sendo “público”. Considero isso tudo de algum modo precioso demais para expor.
Não condeno quem o faça, é só quem sabe a força do meu gen interiorano falando alto.
Fiz um post quando minha mãe partiu (inevitável!) e outro quando meu pai fez 100 anos.
Hoje ele faz 102, e segue firme como pedra, lúcido e ativo.
Meu pai é um herói pra mim.
Fui muito amado na infância, não tenho queixas, por isso terapeutas não se criam comigo ().
A vida do meu pai daria um filme. Filho de imigrantes sírios que vieram para a Baixada Maranhense (Arari), como tantos, ele estudou Farmácia, mas foi obrigado a parar por um acontecimento familiar trágico: pai e irmão morreram no espaço de uma semana. O irmão deixou 6 filhos, dos quais meu pai cuidou com zelo de pai legítimo.
Atuou como “enfermeiro prático”, como diz - mas na verdade sempre esteve mais pra “curandeiro”.
Tratou gente com lepra e malária, fez partos e até complexas cirurgias com coragem intrépida e uma intuição rara.
Salvou afogados, gente surrada e baleada nos torrões brutos do interior maranhense.
Na velhice, se transformou em fabricante de licores, conservas e a já clássica “catuaba composta”. Virou “celebridade” cultural da cidade de São Luís, onde vive.
Sempre alquimista, sempre pajé.
Inquebrável como uma baraúna no chão rachado do sertão.
Viva Tonico, sempre na área!
Se derrubar, é pênalti.
Texto do cantante ZECA BALEIRO.
HPA, pela transcrição (Obrigado pelo envio Nei Silva Lima).

outra coisa
QUINTO LIVRO LIDO NO MÊS: "PALAVRAS DE CONCRETO ARMADO - VOZES PERIFÉRICAS NA LITERATURA - EDITÔRA MIREVEJA, 2022, 148 PÁGINAS
Em Bauru a coisa é feia e o bicho pega muito mais do que se imagina, principalmente entre pessoas como este que aqui escreve, cria das rebarbas da Zona Sul e achando que conhece de fato, algo do que se passa nos rincões distantes da periferia desta cidade. Eu acho que conheço os caras das quebradas, quando na verdade conheço pouco, quase nada. Gravito em outras paragens, mas os entendo e dou todo meu apoio, pois sei de todas as dificuldades de quem vivencia de fato a vida do lado de dentro das periferias. Eu me intero de tudo, mas quanto mais leio, ouço e acompanho, mais surpresa e espanto.

Quando termino, de uma só golfada, a leitura deste livro com escritos com as vozes da periferia, além de tudo o que leio me encher de esperança, a nítida percepção de que, a vida flui desbragadamente fértil pela aí e, se bobear, a gente nem toma conhecimento. Estes que aqui estão neste livro não estão sendo reconhecidos e aparecem em páginas de grande exposição. Até espaços para ler estes precisamos cavar, mesmo muitos deles escrevendo regularmente pelas redes sociais. Este livro é algo grandioso e quanto mais neste sentido fluir por aí, melhor para expor estes e mostrar do que são capazes. Que baita timaço. Se faltou alguém, foram poucos. 27 pessoas, escritos contundentes, incisivos, perfuto-cortantes. Enfim, "um grande caldo artístico que se forma em bairros distantes e ecoa por todos os cantos da cidade, que domina praças e viadutos e, agora, adentra as estantes das livrarias e bibliotecas".

Algumas frases:
-"O fato é que eu durmo na mesma cama todos os dias. Àz vezes com outro alguém, mas sempre sozinha", Agnes Analua.
- "Copão, pra quem não conhece as adegas das quebradas, trata-se de 700 ml de uma mistura de whisky, de procedência ultraduvidosa, e energético. Um coquetel molotov nas vísceras gástricas e sentimentais", Amanda Helena Gimeno.
- "Odeio e ridicularizo qualquer coisa que apague, diminua ou romantize todas as durezas concretas que nos mastigam com habilidosos maxilares todos os dias" e "Terra devidamente dividida por aqueles que não dividem nada (mas dividem todos)", Ariane Souza.
- "...percebi que todos tinham/ em suas mãos um celular/ ninguémfala com ninguém/ mesmo assim vou perguntar", Diogo Cardoso (D. Gordão).
- "Só fazemos as contas pra pagar as contas", Estrofe MC.
- "E eu gosto é disso mesmo, a rua surpeende, tira suas certezas e arremessa em meio aos carros", Gabriel Lagrotta.
- "Tem território em que vocês não pisam, e para ganhar a guerra tem que entender da terra que pisa", Igor Fernandes.
- "Percebeu também que tá faltando mês nos nossos salários? Eu nem lembro qual é o animal na nota de conquenta", Karol Lombardi.
- "Sou do lugar que só eu frequento", Lôly.
- "Não tem dorflex quando o músculo que dói é o coração", Renato Bueno.
- "É, eles tentam nos calar de todas as formas - ah, se você questionar, nã oestará amanhã aqui para contar a sua história. (...) É avião presidencial levando cocaína pra senador e você vem chamar de traficante quem está com um baseadona praça?", Tetê Oliveira.

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