terça-feira, 29 de julho de 2025

MEMÓRIA ORAL (320)


APONTAMENTOS DA PERIFERIA DE PIRAJUÍ - REVIVENDO A HISTÓRIA
Na noite de segunda, 28/07, fui com Ana Bia na festa de uma ex-aluna, hoje mestra em Design, num lugar que não conhecíamos, o Voodoo Lounge, na quadra 34 da rua Antonio Alves. Pelo que vi do lugar, nas segundas, o negócio começa tarde e só termina na alta madrugada, tudo capitaneado pelo forte da casa neste dia, um concorrido karaokê. Eu, me aboletei num dos cantos e fiquei extasiado vendo como as pessoas disputavam o microfone. Eu, na minha incontida vergonha, creio, não conseguiria subir ao palco, mas ao questionar um dos dois que estarão comigo na sequência deste texto, ouço de um deles: "Não se deve ter vergonha de nada, pois olhe bem para a expressão das pessoas, elas vão lá cantam e depois já estão integradas novamente no contexto da casa. São apenas aqueles minutos no palco e depois tudo volta ao normal. Não tem porque se envergonhar e não querer também estar lá". Isso uma coisa, mas não é bem disso o motivo para aqui estar e fazer um relato mais demorado, o algo mais ocorrido naquela noite e, para mim, muito marcante. O Voodoo é outra história.

Pois bem, num certo momento alguém me reconhece e ao me chamar pelo nome, sem que o reconheça, se apresenta. Na verdade, duas pessoas, ambas de Pirajuí, Maurício Daniel e Leonardo Cipriani. O irmão do Maurício, Marcelo Daniel eu convivi mais na época em que estive, de certa forma muito entrelaçado com a vizinha Pirajuí. Eles dois chegaram a mim e me fizeram voltar no tempo, ao me recordar de como se deu minha participação no semanário então fazendo um fuzuê naquela cidade, o pequeno O Alfinete, cujo slogan é para mim inesquecível, "pica mas não fere". Intrépido jornal, que nas mãos de Marcelo Pavanato, reuniu uma nata de colunistas e semanalmente, escreviam o que lhes viesse na telha, junto de matérias locais que, pela verve aguçada do Marcelo, marcaram época. Ao se aproximarem de mim, deixaram claro desde o início, que eu não os conhecia, mas sim, eles a mim. E sabiam de tudo, acompanharam a saga d'O Alfinete, sabendo detalhes de como se deu aquilo tudo.

Enquanto estiveram ao meu lado ali na efervecência do lugar, nem mais ouvi o som alto ao meu lado, pois estava embalado por outra história. Sempre que me vem à tona algo envolvendo a saga deste pequeno jornal, sou tocado, como o fui desde o convite para dele participar e foi quando conheci uma pá de gente inesquecível para mim, como o próprio Marcelo - os dois -, o cantor e compositor Tito Madi, Piter Pereira, o professor Omar Khouri, o Cássio Cururu, que emprestava seu nome para que o jornal fosse publicado e tantos outros, que junto comigo embalaram aquele sonho. Eu não só enviava meu texto semanal para aquele jornalzinho - pelo seu tamanho diminuto -, como todos ajudávamos a ele se manter e ser o que foi, algo realmente revolucionário, idealista e marcante, pulsante, envolvente e contagiante.

Contei para eles de quando vi aberta uma possibilidade de produzir algo eterno, deixando registrado a história d'O Alfinete, com o edital da Lei Aldir Blanc. Lá inscrevi, através de uma pessoa ligada à atividade artística na cidade, um projeto onde contaríamos através de um áudio-visual, um documentário, revivendo e entrevistando seus remanescentes, o que foi aquilo tudo. Não deu certo, um mero detalhe impediu que o trabalho fosse feito, mas tenho isso dentro de mim, sei que, mais dia menos dia, eu estarei envolvido, com outros tantos e a contar essa história, que sei, deve gerar algo de interesse não só local, como regional e nacional. Falo disso constantemente com o Cássio Cururu e, talvez juntos, vamos encontrar um meio de contar isso tudo. Para mim é inesquecível passar lá pela praça pirajuiense e nos fundos, ver aquele prédio de dois andares, na parte baixa funcionava a gráfica e na de cima a redação, onde Marcelo arquitetava e conseguiu fazer com que o monte de prosopopéias se juntasse e saísse tudo publicado na manhã de cada sábado. Lá se vão mais de 25 anos, pois ao ir consultar meus alfarrábios, meus textos datam do ano de 2000.

Conversamos por um bom tempo, enquanto no palco continuavam sendo renovados, música após música, os participantes do karaokê. Num certo momento, não sei qual dos dois me fez vir à tona outra lembrança, a do nome de minha coluna semanal, a "Apontamentos da Periferia de Pirajuí", que é como inventei de designar minhas participações. Uma loucura, pois dei a entender que, eu cá de Bauru, participava do imbróglio de um local distante de onde tudo fervia, a então Pirajuí. Eles dois não só se recordavam do nome de minha coluna, como falamos de tanta gente, muitos já falecidos, envolvidos naquele momento e sem o querer, ajudando a fazer história na cidade. Muito me alegrou ao saber que, o filho do Marcelo Pavanato, o Pedro, desde muito tempo radicado em Sampa, possui o acervo quase completo do jornal, talvez tudo já digitalizado. Seria uma maravilha poder ter contato com isso, trabalhar em cima dele e produzir algo contundente, expondo para Pirajuí e o mundo, algo realmente alucinante ali possibilitado.

Da conversa que tive na casa noturna, saio de lá com a cabeça cheia de minhocas, todas se movimentando em alta velocidade, me movendo para que, agilize, faça algo meio que rapidamente para reviver essa história, ou seja, como dizia a velha canção, "eu quero é botar o bloco na rua". O Cássio Cururu vai ser perturbado, a Fátima Guermandi, a viúva do Marcelo idem, o filho deles, o Pedrinho - que hoje deve estar um Pedrão -, pois isso tudo não pode cair no esquecimento. Não sei se por uma dessas leis de incentivo, mas o fato é que essa história é muito boa. Outros jornais existiram por lá e pelo que sei, um deles continua até hoje a circular, creio que mensal, mas nada foi igual ao Alfinete, pois a proposta dele foi diferente. Ele foi na pegada do velho e saudoso Pasquim, do Folhetim, suplemento da Folha SP, pois quiseram e ousaram mostrar outras possibilidades de fazer e tocar um jornal em locais inusitados. Nunca mais, nem aqui em Bauru, ocorreu algo igual. Naquele época, muitos, hoje nenhum mais.

Maurício Daniel e Leonardo Cipriani souberam me emocionar. Primeiro por nenhum dos dois me conhecer pessoalmente e depois por tomar conhecimento de que, ambos me conheciam muito bem, com detalhes de minha e de tantos outros naquele ousado movimento cultural que, certamente, balançou a roseira e as estruturas da pequena cidade. Eu, cutucado pelos dois, vou ter que me mexer, botar o tal bloco na rua e fazer o possível e o impossível para contar essa saga. O Marcelo Pavanato, meu mais que dileto amigo, merece ter isso tudo revivido, contado em detalhes e posso não ser o mais adequado para fazê-lo, mas quero ser um dos que não desistirá dessa idéia enquanto não a ver realizada. Os culpados do momento são estes dois, que assim do nada, surgem de dentro de um bar e me reavivam algo um tanto adormecido. Eles, sem o querer, voltaram a acender uma chama, já quase apagada. Agora é lutar e levantar a bandeira alfinetista para paragens nunca dantes imaginada.

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